14/6/2012, Pepe Escobar,
Asia Times Online - THE ROVING
EYE
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu
Pepe Escobar |
PARIS –
Lá estava ela, desocupada como que por passe de mágica, num canto discreto,
jamais tocada pela onda magmática de turistas: minha mesinha favorita desde os
anos 1980s no Café de Flore
em St. Germain.
Tomei posse, pedi um Welsh rarebit [1]
e uma
taça de Chablis, e voltei ao batente,
lendo e assistindo ao mundo que passa, pela primeira vez desde a queda do Rei
Sarkô.
Primeira
impressão: onde, diabos, meteu-se a minha livraria? A venerável La Hune, bem em frente de onde eu
olhava, parecia atingida por um míssil Hellfire; graças a Zeus, mudou-se para
outra loja, ali perto. Segunda e mais festiva impressão; o Flore está imunizado, à prova de BHL: o
filósofo francês Bernard-Henri Levy, também conhecido como BHL, anda ocupado,
longe, promovendo sua próxima guerra.
Welsh rarebit |
BHL
não é mero filósofo/escritor/cineasta: é, sobretudo,
presidente-executivo-em-chefe de uma gigantesca operação de Relações Públicas
erguida para perene glorificação de BHL. O homem virtualmente comanda a arena
cultural francesa, do jeito que Christopher Hitchens pensava que comandava nos
EUA e Grã-Bretanha.
Que
vivamos tempos mais sórdidos: se Sartre, pelo menos, estivesse vivo, para chutar
BHL de volta ao seu quintalzinho intelectual. BHL chegou recentemente ao
Festival de Cinema de Cannes, carregando como mascotes dois rebeldes falastrões
da OTAN Líbia – companheiros de sua aventura de “libertação”: Mustapha
El-Zagizli de Benghazi, orgulhosamente apresentado como “príncipe shabab
[jovem guerreiro]”, e o general Ramadan Zarmouth de Misrata.
Cafe de Flore |
O
coronel Gaddafi armava sua tenda em Roma e tinha a barra de suas lindas túnicas
beijada pelos potentados ocidentais. Mas os rebeldes da OTAN líbios, eles,
pareciam tontos e perdidos, na explosiva experiência sobre o tapete vermelho de
Cannes.
Importantíssimo:
além das mascotes líbias e a ladainha sobre a “unidade da revolução”, BHL trouxe
também – e o que poderia trazer? – mascotes sírias: dois curdos e dois
personagens tenebrosos, de óculos escuros e a cabeça coberta com bandeiras
sírias, descritos como “combatentes que deixaram clandestinamente a Síria fazia
pouco tempo, “para o lançamento de Le Serment de Tobruk [O juramento de
Tobruk]”.
Ali
estavam, pois, BHL, sionista com certificado, e seus mascotes-troféus árabes,
para assistir ao lançamento mundial do novo filme de BHL. Sim, a coisa toda
tinha de ser parte de mais um exercício de glorificação/Relações Públicas de
BHL. Depois de vencer (de fato, sozinho!) a guerra d Líbia – segundo sua própria
autonarrativa – BHL repetia que “o que foi feito em Benghazi não foi mais fácil
do que tem de ser feito em Homs”. Garçon , por favor,
sirva-me um pouco de mudança de regime, com meu Chablis.
A
guerra c'est moi
Bernard-Henri Levy cuspido |
Quanto
ao filme, em cartaz na
França e já comprado para o mercado norte-americano, pode
concorrer na categoria “obra-prima surrealista” digna de Alfred Jarry. Mas,
pavão hiperativo, BHL não tem qualquer traço de autodesqualificação, e o que
sobra é BHL, diretor do filme, filmando-se, ele mesmo, como diretor da história
ao calor da hora. Acabou nisso a secular tradição literária/filosófica francesa:
O Intelectual como Inventador de Guerras.
A
coisa-lá foi editada com – e o que poderia ser? – BHL em voz off que não
cala nunca; um monólogo-catarata neoproustiano em flerte com Sun Tzu. BHL
flana pelas ruas de Benghazi à caça de um herói rebelde pós-moderno; e o
encontra personificado em
Abdul “OTAN ” Jalil.
BHL inquisidor/cruzado |
O
cenário está montado para BHL das Arábias representar o seu épico de libertação,
perenemente metido num paletó negro, camisa Charvet branca meticulosamente
aberta para exibir pele branca e telefone por satélite grudado numa orelha, dos
desertos e montanhas para os salons do Palácio do Eliseu e – claro – o
Café de Flore, que se revela para uma
ofuscada delegação líbia.
Todos,
do Rei Sarkô à Rainha Hilária “viemos, vimos, ele morreu” Clinton e David “das
Arábias” Cameron, são manipulados como extras, na guerra de libertação delirada
por BHL. Quem se interessa pelo que realmente aconteceu na Líbia, como o Asia
Times Online noticiou durante meses?
BHL
inevitavelmente encena o hoje infame telefonema que, dizem, converteu o Rei
Sarkô à mudança de regime. O próprio Sarkô alimenta o mito, contando à televisão
francesa, em março de 2011, como o tal telefonema o levou a unir-se aos rebeldes
da OTAN e iniciar uma ofensiva franco-britânica. Lixo. A mudança de regime já
estava decidida em Paris desde outubro de 2010, quando o chefe de protocolo de
Gaddafi desertou e viajou para a França.
Agora,
BHL anda ocupadíssimo lembrando ao novo presidente da França, Francois Hollande,
que “a França fará por Houla e Homs o que fez por Benghazi e Misrata”. Pelo
menos, a coalizão de vontades já está lá: França, Grã-Bretanha, EUA, Turquia e a
Liga Árabe controlada pelo Conselho de Cooperação do Golfo. Autodenominam-se
“Amigos da Síria” e, no início de julho, em Paris, decidirão seus próximos
passos de mudança de regime.
BHL
concede que “salvar o euro é dever imperioso”, mas o drama grego não deve
impedir que Hollande dê um telefonema, como fizeram BHL e o antecessor de
Hollande, o Rei Sarkô, e convença Rússia e China de que o estado terrorista
sírio é águas passadas. BHL, claro, nunca reconhecerá o estado terrorista de
Israel contra os palestinos, nem para escapar de ser esmagado por um tanque do
exército de Israel. Se não funcionar com Hollande, o alvo seguinte de BHL é
David das Arábias Cameron.
BHL
insiste que filmou “O juramento de
Tobruk” pela Síria. Na Líbia, diz ele, houve “uma real coalizão com países
árabes reunidos em coalizão com forças dos Emirados e do Qatar.”
Deve
soar com um toque de “the hills are alive with the sound of music” de
noviça rebelde, aos ouvidos do Emir do Qatar. Afinal, o Qatar já comprou metade
da Place Vendôme, boa parte da avenida dos Champs-Elysees e praticamente tudo
entre a Madeleine e a Opera.
Nada
resta a BHL, além de dar um telefonema, ele mesmo, para o francófilo emir, e
pedir que financie sua próxima guerra. Mas... Calma lá! O Qatar já está armando
os rebeldes sírios. O que resta a BHL? O Irã.
Nota dos
tradutores
[1] Foto e receita (boa) de Welsh rarebit – by jamie
oliver (em português).
Imagens catadas na internet pela redecastorphoto
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