26/6/2012, Russia
Today – 11º Programa - Episódio 10, 26'49"
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu
Assista
também:
- 1. 16/4/2012, Assange entrevista No.1 – “Hassan Nasrallah (Hezbollah)”
- 2. 25/4/2012, Assange entrevista No.2 - “Esquerda e direita, no século 21: Zizek e Horowitz”
- 3. 5 /5/ 2012, Assange entrevista No. 3: - “Moncef Marzouki, Presidente da Tunísia”
- 4. 8/5/2012, Assange entrevista No.4 - Nabeel Rajab e Alaa Abd El-Fattah (líderes populares da Primavera árabe)
- 5. 16/5/2012, Assange entrevista No. 5 - Moazzam Begg e Assim Qureshi (sobreviventes de Guantánamo)
- 6. 22/5/2012, Assange entrevista No. 6 – “Rafael Correa, presidente do Equador”
- 7. 29/5/2012, Assange entrevista No. 7 – “Movimento Occupy London”
- 8. 5/6/2012, Assange entrevista No. 8 – “Cypherpunks [1]” (Parte 1) – Episódio 8a
- 9. 12/6/2012, Assange entrevista No. 9: “Cypherpunks” (Parte 2) – Episódio 8b
- 10. 19/6/2012, Assange entrevista No. 10: Imran Khan Niazi, candidato à presidência do Paquistão (Campeão Mundial de Críquete) - Episódio 9
JULIAN
ASSANGE: Durante
os dois últimos anos, surgiram novas formas de revolução. Falo hoje com dois
gigantes da esquerda intelectual: Noam Chomsky, linguista muito conhecido e
pensador rebelde, e com Tariq Ali, cronista de revoltas de rua e especialista
em história
militar. Quero saber o que pensam esses incansáveis ativistas.
Em que direção caminha o mundo? Em que direção deveria caminhar?
Noam,
Tariq, o período 2011-2012 foi momento histórico de imensa envergadura para os
movimentos de independência em muitas partes do mundo. Vocês pressentiram que o
momento se aproximava?
TARIK
ALI: Não,
não, não pressenti nada. Acho que ninguém pressentiu. O mais interessante é que
as revoluções árabes brotaram numa parte do mundo onde os analistas diziam que
lá “as pessoas não se interessam pela democracia, que os muçulmanos são
geneticamente hostis à democracia”...
JULIAN
ASSANGE: É.
TARIK
ALI: ... e
lá surgiram os levantes, que logo se alastraram, porque foi a ocupação da Praça
Tahrir no Cairo que inspirou ativistas nos EUA, até na Rússia. Quem esperaria
que haveria movimentos populares também na Rússia, desafiando a autoridade do
estado? A ‘primavera árabe’ foi muito contagiosa e continua a contagiar, de
diferentes formas.
JULIAN
ASSANGE: Noam
Chomsky?
NOAM
CHOMSKY: Não,
não posso dizer que pressenti ou previ alguma coisa. Sempre assumi que, mais
cedo ou mais tarde haveria reação popular, contra a violenta guerra de classes
que a última geração moveu contra todos os pobres, e guerra de classes muito
consciente: a classe empresária, que sempre foi consciente dos próprios
interesses e que, de fato, teve êxito na promoção dos seus interesses. Nos EUA,
por exemplo, todos sabemos, a geração anterior criou riqueza, mas riqueza que
não se distribuiu pela sociedade e foi só para o bolso de uns poucos. Hoje, a
desigualdade nos EUA é um abismo, 1/10 da população, principalmente gerentes de
fundos de investimentos, diretores executivos de grandes empresas... Estou
falando dos EUA, mas os fenômenos são mundiais. O Egito talvez seja um dos
locais mais impressionantes.
O
movimento que levou às manifestações da Praça Tahrir há um ano chamou-se
“Movimento 6 de Abril”, porque dia 6/4/2008 houve muitas manifestações de
trabalhadores nas principais fábricas egípcias, manifestações de apoio aos
sindicatos, etc. Um pequeno grupo de profissionais de tecnologia queria
participar... e participaram, de onde estavam,, usando os veículos de
comunicação social. O movimento de 2008 foi sufocado pela ditadura, mas esse
grupo de profissionais conservou até hoje o nome “Movimento 6 de Abril”. É sinal
claro de o quanto as manifestações de massa que vimos são profundas. Sim, havia
gente preparada, muita gente trabalhou para que acontecesse o que aconteceu,
muita gente. Para muitos era só uma tentativa de começar a fazer alguma coisa.
Quero dizer: mesmo que nós aqui não tenhamos previsto, houve, sim, muita
preparação. Em Túnis aconteceu o mesmo. Você me pergunta se previ o que viria,
não, eu não previ, mas está acontecendo em todo o mundo, com previsões ou não,
de um modo ou de outro.
JULIAN
ASSANGE: Tariq?
TARIK
ALI: Acho
que Noam tem razão. Acho que, de fato, o que estamos vendo acontecer, além da
economia neoliberal, é uma espécie de contração da política. Tenho dito, já há
algum tempo, que o que estamos vendo na política ocidental não é nem a extrema
esquerda nem a extrema direita, mas uma política de ‘extremo centro’, no sentido
de serem políticas de centro radical. E essas políticas de extremo-centro
abarcam o centro-direita e o centro-esquerda e coincidem nos fundamentos:
provocar guerras por todo o mundo; ocupar países; punir os mais pobres com as
medidas de ‘austeridade’. Não importa que partido esteja no poder, nos EUA, no
ocidente... tudo se repete quase exatamente como antes. Um regime sucede o
outro, um regime depois do outro, uma continuidade que afeta o funcionamento dos
meios de comunicação, que foram ficando cada vez mais rasos, mais estreitos,
diversificação nenhuma, ninguém discute, todos concordam, os principais meios de
comunicação não oferecem debates reais. Essa política de ‘centro radical’ leva
diretamente à ditadura do capital. Os países árabes tiveram ditadores apoiados
pelo ocidente durante muito tempo. Agora, a velocidade e a magnitude das
revoltas populares pegaram todos eles de surpresa. Acho que nenhum de nós
poderia ter previsto o que viria.
JULIAN
ASSANGE: Creem
que a falta de previsibilidade, de fato, influiu para o êxito dessas
revoltas?
TARIK
ALI: Sem
sem dúvida.
JULIAN
ASSANGE: Se
tivessem sido previstas, teriam sido impostos alguns mecanismos, para impedir
que acontecessem?
TARIK
ALI: Sim, e
teriam sido mecanismos radicais: teriam tentado deter as pessoas, massacrar,
torturar, prender, meter na cadeia os ativistas. Mas tudo muito rapidamente
escapou a qualquer controle, e os EUA, com os franceses, na Tunísia e no Egito,
por exemplo, não conseguiram controlar nada. Quero dizer que também foram
apanhados de surpresa. Para subverter o processo, só se reuniram depois de seis
meses de bombardeio, pela OTAN, contra a Líbia. Foi quando conseguiram
recuperar, pelo menos em parte, o controle, novamente, sobre o mundo árabe.
Mesmo assim, tudo continua extraordinariamente instável. E há gente que diz “Mas
nem houve tantas mudanças”. É verdade. Mas, mesmo assim, uma coisa, pelo menos,
mudou: as pessoas, as massas, deram-se conta de que, para fazer mudanças, é
preciso mobilizar-se, agir, ser ativos. Essa é a grande lição dessas revoltas.
JULIAN
ASSANGE: Gostaria
de considerar quantas opções existem, na realidade. É ilusão pensar em opções,
em novos regimes, se são obrigados a atuar segundo a situação que os rodeia,
algo que é uma limitação básica nas relações com outras nações? Se se pensa, por
exemplo, que Cuba está a 150 quilômetros de Miami, a
150
quilômetros de uma superpotência agressiva que difunde
propaganda em Cuba, introduziriam a censura? Introduziriam uma polícia nacional
como método para impedir que a independência de Cuba fosse anulada? Acho que
essas são as questões que as nações que estão em luta terão de enfrentar, não só
para derrotar seus governos, mas também para conseguir, depois, ser nações
independentes das potências ocidentais.
NOAM
CHOMSKY: Bem...
Cuba é caso muito específico. Quero dizer: até certo ponto, Cuba tem
características de outros pequenos países, mas é caso único. Há 50 anos os EUA
se dedicam a estrangular e derrotar Cuba. O conselheiro para assuntos
latino-americanos de Kennedy disse que “O problema está na ideia de que Castro
pode tomar os assuntos nas próprias mãos, o que pode fazer com que os outros
países, em circunstâncias semelhantes, tentem seguir o mesmo caminho. Se começar
a acontecer, rapidamente se arruinará todo o sistema norte-americano de
controle.” Por essas razões, que ainda persistem, os EUA começou por mover uma
massiva campanha de terror. Cuba é o país que mais sofreu ações terroristas em
todo o mundo, terror internacional. E, além do terrorismo, o estrangulamento
econômico, de um modo extraordinário.
JULIAN
ASSANGE: Se
você é um povo que quer ser independente, que quer ter um estado independente
(talvez, adiante, possamos falar de outras formas de independência), se se quer
ser estado independente que desafia a OTAN, ou se, se se está perto da China e
você desafia a China, ou a Rússia, no caso das ex-repúblicas soviéticas... Essas
ações sempre custam caro. Para Cuba, provavelmente, o preço seja uma situação de
estado de guerra...
NOAM
CHOMSKY: Se se
olha o mundo em volta, veem-se problemas semelhantes, mas nunca tão graves como
os que Cuba enfrenta. Veja, mais para o sul, a América do Sul. Um dos
desenvolvimentos mais espetaculares e mais importantes do século 20 foi que,
pela primeira vez, desde que os conquistadores europeus chegaram, pela primeira
vez em 500 anos, a América do Sul, afinal, deu passos importantes na direção da
independência, na direção da integração continental. Não resta nenhuma base
militar dos EUA na América do Sul, o que, por si só, já é fenômeno que diz
muito.
JULIAN
ASSANGE: E
você, Tarik, o que pensa?
TARIK
ALI: Acho
também que, nas últimas décadas, as mudanças mais importantes que o mundo viu
aconteceram na América do Sul. Estive na Venezuela, Bolívia, no Brasil... O
ambiente ali é absolutamente diferente. Muita gente diz “Pela primeira vez, nos
sentimos verdadeiramente independentes”. Sejam quais sejam as fragilidades
desses governos (e alguns têm, sim, fragilidades), são estados soberanos e atuam
como tais. Quando Chávez, por exemplo, fala aos EUA, é direto e claro. Uma vez,
Chávez me disse: “Fiz um discurso na ONU e, depois, representantes de vários
países, que não podem dizer isso em público, aproximaram-se para me dar
parabéns. Disseram ‘Obrigado, o senhor falou por todos nós’”. E Chávez
continuou: “Disse a eles que eles podiam dizer o que quisessem! Que podiam falar
também. Que ninguém poderia impedi-los de falar”... Mas sabe como é...
JULIAN
ASSANGE: É
evidente que pensam que não podem falar.
TARIK
ALI: Pensam
que não podem. Mas hoje, o padrão de Chávez começa a ser o padrão para quase
toda a América Latina, com exceção da Colômbia, do México, em parte, do Chile.
Nos outros lugares, as pessoas sentem-se independentes, pela primeira vez. Acho
que esse será um enorme problema para os EUA. Os norte-americanos estão
obcecados com o mundo árabe e com a China, agora, também com o Irã. Mas os EUA
já não estão conseguindo controlar a América do Sul, já faz uma década, um pouco
mais.
NOAM
CHOMSKY: Isso
preocupa imensamente os EUA. Até o Conselho de Segurança, entidade máxima de
planejamento, já alertou: “Se não conseguirmos controlar a América do Sul, como
vamos conseguir impor ordem, com êxito, sobre o resto do mundo?” declaração que
implica que continuam a querer governar o mundo inteiro. “Se não conseguimos
controlar nem o quintal de casa, como controlaremos o mundo”. Mas há questão
mais profunda que essa. No caso do Oriente Médio, uma das grandes preocupações
dos EUA e das outras tradicionais potências imperiais, particularmente Grã
Bretanha e França, o que mais os preocupa agora é que o Oriente Médio também
está escapando do controle dos EUA. É muito sério. É muito mais sério do que
perderem a América do Sul.
TARIK
ALI: Concordo
plenamente. Por isso invadiram a Líbia, Noam, não tenho dúvida alguma. Invadiram
a Líbia, tentando restabelecer o controle.
NOAM
CHOMSKY: Concordo,
mas acho que tudo isso é passado. Se se olha, por exemplo, o que aconteceu na
‘primavera árabe’: os países chave para as potências imperiais, os que produzem
petróleo, estão sob governos duríssimos. Na Arábia Saudita, no Kuwait, nos
Emirados Árabes, que são regiões importantes pela produção de petróleo, não
eclodiu nenhuma revolta semelhante. A intimidação, pelas forças de segurança
apoiadas pelo ocidente, foi e é terrível. As pessoas realmente têm medo de sair
às ruas em Riad. O ocidente, em grande parte a França na Tunísia, e a
Grã-Bretanha no Egito, seguem o padrão tradicional. Há um plano de jogo, um
manual, já pronto, para o caso de alguns ditadores favoritos perderem a
capacidade de governar. O que se faz é apoiá-los até o último minuto. Quando se
torna impossível apoiá-los (quando, por exemplo, o exército também se volta
contra o ditador), então conseguem que os intelectuais ponham-se a fazer solenes
declarações sobre a democracia, e começam a tentar repor no governo o sistema
antigo, se lhes parecer que ainda seja possível. Foi o que os EUA fizeram com
Somoza, Marcos, Duvalier, Mobutu, Suharto. Quero dizer: é rotina. Ninguém
precisa ser gênio para ver o que os EUA fazem.
TARIK
ALI: Mas,
Julian, acho que o verdadeiro problema é que a própria democracia enfrenta hoje
problemas muito sérios – por causa das grandes empresas. A prova é que já há
dois países europeus, Grécia e Itália, onde os políticos já entregaram os
pontos. Nesses países, os políticos já abdicaram, já disseram: “os banqueiros
que governem...”
JULIAN
ASSANGE:
É.
TARIK
ALI: O que
quero dizer é... E onde isso tudo vai parar? O que estamos vendo é que a
democracia, cada dia mais, está ficando vazia de conteúdo. É uma carcaça vazia.
E isso é o que enfurece os mais jovens, que dizem “Não importa o que nós
façamos, não importa quem elejamos, não importa em quem votemos... Nada
muda nem mudará”. Daí estão nascendo todos os protestos de rua que se veem, em
todo o mundo.
JULIAN
ASSANGE: Você
acha que esse problema está nos meios de comunicação? É problema estrutural?
Pode-se dizer que os veículos têm hoje mais poder que os governos, e podem
controlar tudo? Pode-se dizer que é resultado de haver telecomunicações mais
sofisticadas? Quero saber: o que está movendo aqueles
jovens?
TARIK
ALI: São
movidos... por uma democracia que se petrificou. Mas os meios de comunicação
chegaram a ser um pilar, o pilar central, hoje, do sistema. Mais hoje do que
foram durante a Guerra Fria. Naquele momento, os EUA queriam mostrar aos russos
e chineses que “nosso sistema é melhor que o de
vocês”...
JULIAN
ASSANGE:
É.
TARIK
ALI: ...
Agora, acham que já não precisam mostrar coisa alguma, que não haveria o que
provar. Então... fazem o que querem.
JULIAN
ASSANGE: Usaram
a liberdade de expressão como porrete para bater na União Soviética. Agora, já
não é necessário. Acho que... mantiveram esse tipo de aliança entre liberais e
militares e a elite ocidental, todos unidos por interesses comuns, para
comprovar a supremacia do Ocidente sobre a URSS. Agora, se rompeu esse tipo de
aliança muito antinatural.
TARIK
ALI: (a)
Rompeu-se; e (b) no mundo ocidental, eles já controlam de tal modo e a tal
ponto, que podem até assassinar, sem ser punidos. Quero dizer: Obama assinou uma
lei, segundo a qual o presidente dos EUA tem pleno direito de ordenar o
assassinato de um cidadão norte-americano, sem precisar prestar contas e sem
agredir a lei. Sem acusação, nem processo, nada! Obama pode fazer hoje o que
nenhum presidente dos EUA jamais foi autorizado a fazer, em toda a
história...
JULIAN
ASSANGE:
É.
TARIK
ALI: ...
Nem na Guerra Civil. O grupo que planejou o assassinato de Lincoln – os
conspiradores foram julgados por tribunal, houve processo, acusação, defesa, por
mais culpados que se soubesse que eram. Não é admissível que alguém tenha
‘direito’ de ordenar um assassinato. Esse é um ataque às liberdades civis
extremamente preocupante. E afeta realmente a
democracia.
JULIAN
ASSANGE: Se
consideramos o modo como a América Latina adotou a tecnologia, foi mais ou menos
como nos EUA em 1970. Os movimentos sociais que estão acontecendo na América
Latina são resultado de interações tecnológicas? É impossível para um país mais
industrializado adotar o modelo de um país menos industrializado. Será que...
Seria preciso descartar a industrialização? Seria preciso [prescindir da
industrialização] para fazer [o que os países menos industrializados] estão
fazendo?
TARIK
ALI: Não
acho. A maioria dos estados ocidentais se desindustrializaram (felizmente) e
converteram a China em potência econômica que domina o mundo, como os britânicos
dominaram no século 19.
A China é a fábrica do
mundo...
JULIAN
ASSANGE:
É.
TARIK
ALI:
Enquanto a mão de obra vai diminuindo no ocidente, vai triplicando [na China].
Passou de um bilhão nos anos 70s e 80s, para mais de três bilhões hoje, por
causa do que está acontecendo na China, na Índia, em partes da América do Sul.
Acho é que as chamadas “potências avançadas” têm muito que aprender das boas
coisas que estão acontecendo na América do Sul, por que
não?
JULIAN
ASSANGE: Noam,
existe um modelo? Um modelo que funcione?
NOAM
CHOMSKY: Acho
que... Concordo com Tarik – há, mesmo, muitos modelos –, mas... Não acho que as
forças populares preocupadas com mudar suas sociedades devam procurar modelos.
Acho que devem criar modelos. E é justamente o que está acontecendo. Então, na
América do Sul, onde houve muito progresso, estão desenvolvendo modelos a serem
adotados, por exemplo, na Bolívia. Uma das coisas mais impressionantes que
aconteceu ali foi que a parte mais oprimida da população em todo o hemisfério, a
população indígena, chegou ao campo político. De fato, o que aconteceu é que
tomaram o poder político e agora trabalham para promover seus próprios
interesses. Está acontecendo também no Equador e também, até certo ponto, no
Peru. Estão desenvolvendo modelos novos e significativos. Há vários aspectos
desses modelos, que o ocidente bem faria se tratasse de adotá-los rapidamente,
em vez de só pensar em derrubar governos e tentar acabar com seus
projetos.
JULIAN
ASSANGE: Sempre
se disse que “capitalismo e democracia caminham juntos”. A China parece ser
exemplo perfeito de que... De fato, parece ser mais eficiente como estado
capitalista que como estado democrático.
TARIK
ALI: Ora...
Eu nunca acreditei que capitalismo e democracia andassem juntos. Os chineses,
hoje o país capitalista mais bem-sucedido do mundo, não parecem ser democracia
exemplar a ser copiada, no modo de funcionar. Mas também historicamente, por
séculos, o capitalismo funcionou perfeitamente sem democracia alguma, até o
começo do século 20. As mulheres só passaram a ter direito de votar, depois da I
Guerra Mundial; e o capitalismo operou perfeitamente, mesmo sem democracia
alguma. Há muitos casos de casamento feliz entre democracia-zero e capitalismo
em perfeito funcionamento.
A
fantasia de que capitalismo e democracia sempre andariam juntos é invenção da
propaganda da Guerra Fria, para desqualificar os russos, os europeus do leste e
os chineses. É ideia de propaganda, sem qualquer fundamento em fatos
históricos.
JULIAN
ASSANGE:
Noam?
NOAM
CHOMSKY: Acho que, em primeiro lugar, não vivemos em sociedades propriamente
capitalistas. Só conhecemos uma ou outra variedade de capitalismo de Estado –
onde o Estado é o principal capitalista. Por exemplo... Nos EUA a influência do
Estado no capitalismo é gigantesca. Nós três, agora, estamos reunidos nessa
teleconferência, graças a uma revolução tecnológica, Internet, computadores,
satélites, microeletrônica etc. A maior parte de tudo isso foi desenvolvido
em agências
estatais. Nos anos 50s e 60s, nesse prédio onde estou agora, no
Instituto Tecnológico de Massachusetts, o MIT, estavam em desenvolvimento
praticamente todos ou quase todos os projetos que levaram aos objetos
tecnológicos que conhecemos hoje – quase todos, ou muitos deles, desenvolvidos
com financiamentos do Pentágono. Houve financiamento para praticamente tudo,
invenção, criação, produção, compra, ao longo de décadas. Tudo que, depois,
chegou ao setor privado para ser comercializado e gerar lucro dependeu, antes,
do setor estatal. E antes disso...
JULIAN
ASSANGE: Na
década dos 30s, segundo literatura da época, os soviéticos também diziam que o
sistema deles era mais eficiente; e que, como era o mais eficiente também na
indústria, seria fatalmente dominante. E os nazistas, idem, diziam exatamente a
mesma coisa do sistema de produção nazista, que quem investisse mais
massivamente em tecnologia e produzisse indústria mais eficiente dominaria todas
as forças em volta. Talvez, algum dia, cheguemos todos a entender o que todos
tentaram; e consigamos ser condescendentes uns com os outros. Talvez se chegue à
simples decência humana.
Por
hora, o que se sabe é que, independente do ideal do sistema a que aspiremos, se
um sistema novo não é comparativamente mais eficiente que o velho, o sistema
velho, o mais eficiente, sim, dominará o menos eficiente e, imediatamente depois
o incorporará, como mais um obstáculo ideológico a ser superado por quem prefira
outro tipo de sistema.
TARIK
ALI: É,
acontece exatamente assim, mas só se o sistema mais eficiente for mais eficiente
também militarmente. Hoje, por exemplo, os EUA são sistema econômico
fraquíssimo, em frangalhos. EUA está naufragado na própria dívida interna, vive
crise estrutural profunda, como Noam já explicou tantas vezes. Mas é país
militarmente muito poderoso e usa a própria força militar para dominar outras
regiões do planeta... Algumas delas talvez estejam em melhor situação econômica
que os EUA... mas não têm a mesma força militar. Esse é o problema do mundo,
hoje.
JULIAN
ASSANGE: O
conflito entre o desejo de fazer algo por razões ideológicas e a realidade
prática é consequência de que o totalitarismo capitalista talvez seja o sistema
mais eficiente. E que portanto dominará.
NOAM
CHOMSKY: Não. O
sistema capitalista, totalitário ou não totalitário, não é sistema eficiente.
Veja a China. Teve crescimento espetacular mas... A China cresceu como linha de
montagem. De fato, a China ainda é, sobretudo, a linha de montagem dos países
industrialmente avançados que a cercam: Japão, Taiwan, Coreia do Sul. Mas veja,
por exemplo, a Foxconn, essa enorme e horrível fábrica na China, cujas condições
de trabalho são grotescas. A fábrica pertence a Taiwan, produz computadores
Apple, iPods, computadores Dell, etc. O que aconteceu nos últimos anos é que a
China serviu como linha de montagem para os países industriais avançados de sua
periferia e para as multinacionais ocidentais. Claro que, mais cedo ou mais
tarde, a China começará a subir os degraus do progresso tecnológico. De fato, já
está acontecendo. A China já começou a inovar com células de energia solar e,
nisso, já está à frente de outros países. E o mesmo acontecerá em outros campos.
Mas é progresso longo e lento.
JULIAN
ASSANGE: Tariq,
você e Noam têm longo passado como ativistas. Quando se vê a atual geração de
ativistas no Ocidente, que começa a radicalizar nas posições políticas, acho que
é uma juventude ‘radicalizada pela Internet’. Acho que essa é a melhor maneira
de descrevê-los. O que você gostaria de dizer a eles? Que experiência vocês
acumularam nessas muitas batalhas ao longo de décadas, e podem transmitir a
eles? Porque acho que num certo momento, talvez nos anos 80s ou 90s, a tradição
de dissidência no ocidente sofreu uma interrupção.
Tariq?
TARIK
ALI: Cuido
de não dar conselhos aos mais jovens, porque as gerações são muito diferentes
umas das outras; e dado que o mundo também mudou muito, o único conselho
universal que posso dar é que não se rendam. Estão passando por tempos difíceis
e sabem, ou pelo menos sentem, que está tudo perdido. Com isso, muitos se tornam
passivos. E a passividade muitas vezes leva ao desespero. Acho extremadamente
importante para os jovens que estão crescendo hoje, que se deem conta de que têm
de manter-se ativos: nada lhes será dado de bandeja. É minha única lição, frente
aos novos radicais. Não se rendam. Tenham fé. Não acreditem no que ouçam. Sejam
críticos do sistema que nos domina. Mais cedo ou mais tarde, se não for para
essa geração, para a próxima, as coisas mudarão.
JULIAN
ASSANGE: Noam?
NOAM
CHOMSKY: Muitas
coisas já mudaram ao longo desses anos. Muitas vezes, para melhor, e mudaram
porque muita gente empenhada, dedicada, comprometeu-se com o que faz. A história
não acabou. Há caminhos à frente e se pode fazer alguma coisa. E, sim, há
problemas muito, muito sérios. Se tudo continuar pelo caminho que se vê hoje, o
mais provável é que enfrentemos a destruição de qualquer possibilidade de
sobrevivência digna, simplesmente porque o mundo consome combustível fóssil.
Claro que é assunto sério. Parece... aqueles lêmures que, [quando falta comida],
se atiram no precipício.
*********
Fim da entrevista **********
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