Indústria automobilística - Romi-Isetta, 1956 |
[*]
Adriano Benayon
- 28.08.2013
01. Transcorreu agora o 59º
aniversário do modelo dependente, implantado a partir de 24 de agosto de 1954,
data da deposição do presidente Getúlio Vargas.
02. O atual quadro da economia
brasileira deixa clara a iminência de mais uma devastadora crise externa, tão ou
mais profunda que as anteriores, como a que levou à moratória submissa em
setembro de 1982 (cessaram os pagamentos por falta de divisas), e a do final de
1998 com o mesmo problema.
03. É o déficit (saldo negativo)
com o exterior nas transações correntes (mercadorias, serviços e rendas) que faz
explodir a dívida externa e suscitar a incapacidade de fazer face ao serviço
dela sem sofrer a intervenção dos bancos estrangeiros e de seus colaboradores,
como o FMI e o Banco Mundial.
04. De janeiro a julho de 2013,
esse déficit ascendeu a U$ 52,5 bilhões, quantia quase igual à do déficit total
de 2012 (US$ 54,2 bilhões). Em 2013, ele já corresponde a 4% do PIB, sendo que
no caso do Brasil sequer o PIB é nosso, pois a economia tem sido grandemente
desnacionalizada.
05. O déficit cresce demais nos
últimos anos. De 2008 a 2012, somou US$ 204,1 bilhões. No atual ritmo, 2013
poderá ultrapassar 50% do total acumulado nesses cinco
anos.
06. Os déficits nas transações
correntes são causados pela volúpia das empresas transnacionais de transferir
lucros às suas matrizes, nas sedes destas e em paraísos
fiscais.
07. Os lucros transferidos como
lucros, embora imensos, são muito menores que os transferidos disfarçadamente em
contas do balanço de serviços e no de mercadorias, através do subfaturamento das
exportações e superfaturamento das importações e até mesmo de operações
fictícias.
08. A característica do modelo
dependente é a progressiva entrega dos patrimônios nacionais às empresas
transnacionais. O mercado foi o primeiro desses patrimônios doados, através de
incríveis privilégios, ao capital estrangeiro, começando com a liquidação da
indústria automobilística nacional e a entrega do mercado às montadoras
transnacionais no governo de Juscelino Kubitschek.
09. O senador Vasconcelos Torres
(1920/1982) publicou em 1977 o livro “Automóveis de Ouro para um Povo Descalço”.
Decerto “ouro” referia-se, não à qualidade dos automóveis, mas ao preço
deles.
10. A p. 94 relatava o
senador:
a) No exercício de 1962 foi
registrado, no balanço consolidado das onze empresas produtoras
de veículos automóveis e caminhões, lucro de 65% em relação ao capital
social, constituído por máquinas
usadas, e aumentado posteriormente, com incorporações de reservas e reavaliação
dos ativos.
11. De fato, como tenho
mencionado, as empresas estrangeiras da indústria automotiva e de outras
indústrias - favorecidas por instruções da SUMOC, o banco central à época -
puderam, a partir de janeiro de 1955, importar equipamentos usados, de valor
real zero, pois estavam há anos amortizados, e registrá-los, como se fossem
investimento em moeda, pelo valor que declarassem.
12. Isso significa que o Brasil
lhes deu um privilégio incrível, semelhante ao dos bancos, que ganham dinheiro
criando dinheiro do nada, com lançamentos contábeis, ao conceder empréstimos.
Além disso, beneficiadas pelo custo real zero do capital e da tecnologia, as
transnacionais esmagaram a concorrência de empresas
locais.
Vasconcellos Torres 1920-1982 |
13. Vasconcelos Torres, op. cit.
p. 95, apresenta uma tabela referente aos balanços de 1963, comparativa de
preços de venda da fábrica à distribuidora com os preços de venda do
distribuidor ao público, abrangendo quatro montadoras, entre elas a Volkswagen,
já então a maior produtora no Brasil.
14. O preço nas distribuidoras era mais de três
vezes o preço na fábrica, valendo notar que os donos desta são os
mesmos daquelas ou, no mínimo, têm participação naquelas.
15. Como se fosse pouco o que as
transnacionais ganharam no Brasil nos anos 60, no final desse decênio, elas
foram agraciadas com novos e colossais subsídios, através de isenções de IPI e
ICM, nas importações de seus bens de capital e insumos, além de créditos
fiscais, na proporção das exportações.
Fábrica da Brasmotor de caminhões Dodge em S. Bernardo do Campo (1950) |
16. Até hoje, novos subsídios
juntam-se aos antigos e caracterizam o modelo dependente como aquele em que as
empresas transnacionais recebem imensos prêmios, doações e dinheiro para
explorarem o mercado sem concorrência, com seus cartéis e
oligopólios.
17. Por enquanto, as reservas no
exterior se mantêm em US$ 370 bilhões e acima da posição da divida externa, de
US$ 314 bilhões. Mas isso significa desnacionalização galopante, pois decorre do
brutal ingresso líquido de investimentos estrangeiros diretos (US$ 62 bilhões de
janeiro a julho) e mais US$ 24 bilhões de investimentos estrangeiros em carteira
(participações de capital).
18. Além disso, só é possível o
balanço de pagamentos com saldos positivos, em vez de com enormes déficits,
devido às aplicações estrangeiras em títulos de renda
fixa.
19. Elas totalizaram US$ 20
bilhões de janeiro a maio. Dados os sintomas de crise, o Executivo suprimiu, em
04.06.2013, o Imposto sobre Operações Fnanceiras - IOF sobre essas aplicações,
além de aumentar a taxa de juros. Com isso elas atingiram US$ 7,1 bi em junho,
mas voltaram a declinar para US$ 3,9 bilhões em julho. De janeiro a julho: US$
31 bilhões.
20. Apesar de a maior parte das
economias estrangeiras praticarem juros reais baixos e até negativos, no Brasil
voltou-se a elevar a taxa básica dos títulos públicos: em julho, ela já foi para
8,5% aa, depois de ter baixado em 2012, ficando em 7,25% aa. até abril de
2013.
21. Nada pode justificar as
elevações verificadas desde então, a não ser o fato de as autoridades monetárias
agirem como serviçais dos bancos e dos aplicadores estrangeiros, ou a
dependência de ingressos de capital para fechar as contas externas, devido ao
déficit nas transações correntes, causados pelo modelo
desnacionalizante.
22. Parece claro, sem excluir a
primeira hipótese, que a segunda desempenha influência determinante. Tal como
ocorre com os viciados em cocaína e outras drogas, o Brasil, submetido ao modelo
dependente, agrava cada vez mais a dependência, recorrendo a doses cada vez
maiores de drogas (capital estrangeiro). Para isso, oferece a ele cada vez mais
benesses para atraí-lo.
23. A usual desculpa da inflação
é mais furada que queijos Emmenthaler
e Gruyère, pois, além de ela
apresentar-se em queda antes dos aumentos na taxa de juros, estes não levam à
redução da alta dos preços.
24. A maligna dependência não se
limita a produzir crises externas, como as que contribuíram para pôr de joelhos
os submissos governos brasileiros, como em 1982, culminando com os
inqualificáveis Collor e FHC a entregar, de graça, às transnacionais patrimônios
públicos inalienáveis, conforme exigiram os governos imperiais, coadjuvados por
Banco Mundial e FMI. A política submissa continua sob os governos
petistas.
25. Por que os desastres
produzidos pela dependência não se limitam a isso? Porque ela faz crescer
exponencialmente a dívida pública interna, o que ocorre não só quando o capital
estrangeiro aplica em títulos do Tesouro - e este os emite - mas também em
função das altas taxas de juros, expediente “justificado” pela “necessidade de
atrair aquele capital”.
26. Terminou o espaço, e assim
não posso aditar ao que tenho escrito sobre a imperiosidade de se anular o
último leilão de petróleo e de cancelar o marcado para outubro, na área do
pré-sal. Tenho só de conclamar os compatriotas a participar das ações dos que
estão lutando nessa direção. Não só as ações judiciais, mas também as que
transcendam as atuais regras legais.
27. E ainda não é desta vez que
resumirei a fraude em que os governos entreguistas transformaram o setor de
energia elétrica, criando um caótico sistema de preços, “de mercado”, com o
intuito de favorecer grandes empresas, principalmente estrangeiras, as quais,
enquanto sugam o País, extinguem o seu futuro, acabando com sua
infraestrutura.
[*] Adriano Benayon - Consultor em finanças
e em biomassa. Doutor em Economia, pela Universidade de Hamburgo, Bacharel em
Direito, pela Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ. Diplomado no Curso
de Altos Estudos do Instituto Rio Branco, Itamaraty. Diplomata de carreira,
postos na Holanda, Paraguai, Bulgária, Alemanha, Estados Unidos e México.
Delegado do Brasil em reuniões multilaterais nas áreas econômica e tecnológica.
Depois, Consultor Legislativo da Câmara dos Deputados e do Senado Federal na
área de economia. Professor da Universidade de Brasília (Empresas
Multinacionais; Sistema Financeiro Internacional; Estado e Desenvolvimento no
Brasil). Autor de Globalização
versus Desenvolvimento, 2ª ed. Editora Escrituras, São Paulo.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Registre seus comentários com seu nome ou apelido. Não utilize o anonimato. Não serão permitidos comentários com "links" ou que contenham o símbolo @.