23/8/2013, [*] Pepe
Escobar, The Roving Eye - Asia Times Online
Traduzido
pelo pessoal da Vila
Vudu
Não
tenho esporas para picar os flancos do meu projeto,
só
a galopante ambição que salta por cima da sela
e
tomba do outro [lado]... (entra Lady Macbeth)
Macbeth
– William Sheakespeare
HONG KONG. A China faz
Macbeth. Com pitada de Hollywood. O primeiro dia de julgamento de Bo
Xilai, [1] o princeling que caiu em
desgraça, pode não ser “o julgamento do século” – mas foi o maior show
legal desde o julgamento da Camarilha dos Quatro, em 1980/1981.
O
roteiro é meticulosamente preestabelecido. Mas ninguém perdeu dinheiro se
apostou em Bo, “O homem que seria Presidente”, para injetar drama extra naquele
teatro que, sem ele, não passaria de encenação política marcada até os suspiros.
Bo não cairia sem luta.
Quem
sabe agigantar-se ante a tragédia, sabe – saído da mais total invisibilidade
(não era visto há um ano e meio). Só no primeiro dia do julgamento, Bo negou ter
recebido US$3,4 milhões em propinas; rejeitou as acusações por abuso de poder;
insistiu que, durante o tempo em que permaneceu preso, foi constantemente
pressionado pela Comissão Central de Inspeção Disciplinar, que tentava
“influenciar” suas declarações; descartou como “ridículo” o testemunho de sua
esposa, Gu Kailai, já condenada; disse que o depoimento da testemunha da
acusação, o magnata Xu Ming, também
caído em desgraça, foi “a performance mais feia, de um homem que vendeu a
própria alma”; e bateu boca com o juiz.
Na essência, Bo disse que “armaram
para mim”. [2]
Tribunal onde Bo Xilai está em julgamento (Clique na imagem para aumentar) |
De
assistir sem piscar – que teria sido televisão fantástica, se Pequim tivesse
permitido livre cobertura ao vivo. Arriscado demais. Em vez disso, a corte tuíta
ao vivo pela conta Sina Weibo,
microblog chinês, e pelas contas Weibo e Twitter de Xinhua. Assim se
criaram cenas fabulosas, como uma âncora da TV Phoenix em Hong Kong, que
freneticamente examinava as mensagens no celular e as lia, em sequência, ao
vivo.
A
agora já notória primeira foto de Bo dentro da Corte Intermediária Jinan,
na capital da província litorânea de Shandong, primeira foto desde que foi preso
ano passado, foi partilhada online 26 mil vezes na primeira meia hora. Na
sequência, a transcrição do primeiro dia de julgamento distribuída pela Corte,
recebeu 24,9 milhões de visitas durante a noite, num popular agregador de
noticiário chinês.
Todo mundo sabe que o Partido
Comunista Chinês (PCC) controla totalmente os tribunais e nada deixa ao acaso.
Todo mundo sabe que o veredito já está predefinido. O jornal People’ s
Daily já decidiu inclusive que as provas dos crimes de Bo são irrefutáveis.
[3] Restam, por toda a China, as
apostas (furiosas) em torno da sentença.
Foto do caderno da frenética apresentadora da TV chinesa
Para
o jornal Ming Pao de Hong Kong, serão 13 anos. Já Cai Yongwei, do jornal
Lianhe Zaobao, escolheu ângulo mais sumarento: Bo tem um acordo com
Pequim, que inclui o modo como está sendo julgado e o próprio conteúdo da
sentença.
Faz
sentido que toda a cena tenha sido examinada e aprovada por nada menos que o
Politburo – como estímulo e reforço para a muito propagandeada campanha do
presidente Xi Jinping contra a corrupção oficial. Mas o fato de que Bo foi
liberado para fazer algum tipo de autodefesa absolutamente não implica mais
transparência, nem judiciário independente na China.
Segundo
o jornal Xinhua, só 19 jornalistas foram admitidos na sala de julgamento
(nenhum estrangeiro). No que tenha a ver com “transparência”, Xinhua
distribuiu uma breve declaração, de poucas centenas de palavras. O microcontrole
simbólico de tudo é mais que obsessivo. É possível que Bo tenha sido autorizado
a vestir camisa branca e calças pretas (em vez do macacão laranja): sinal de
respeito. Mas Bo, que mede 1,86m, apareceu pequeno entre dois guardas gigantes.
Bo Xilai no banco dos réus cercado por 2 guardas enormes |
Trata-se
– e foi assim desde o início – exclusivamente de política linha dura, de apostas
pesadíssimas. Pequim não pode entrar na nova era de beliscar o modelo econômico
chinês – via chengzhenhua [urbanização da população] – sem fechar de cima
abaixo a fissura representada pelo criador do modelo Chongqing: retórica
maoísta, megaprojetos e ataque pesado contra o crime organizado (embora alguns
nódulos tenham sido deixados em paz).
Sob
essa perspectiva, Pu Zhiqiang, advogado de direitos humanos, não vê qualquer
diferença real entre o julgamento da Camarilha do Um, de Bo, e da Camarilha dos
Quatro.
Compare-se com o que diz o
professor de Direito, Chen Youxi, para quem esse é um verdadeiro julgamento, não
um show. [4] Insiste também em que, em vez de
ser acusado por “abuso de poder”, Bo deveria ter sido formalmente acusado de ter
encoberto o assassinato, por sua mulher, de um suspeito empresário britânico,
Neil Heywood.
O show – controlado até os
mínimos detalhes – tem de continuar. Todos os sinais apontam para uma conclusão
(com condenação) antes do Terceiro Pleno do 18º Congresso do Comitê Central do PCC [5] (que deve acontecer em outubro),e
que cristalizará o próximo passo econômico da China. Vítima de “armação” ou não,
O Homem que Seria Presidente não aparecerá na fotografia.
Notas dos tradutores
Original da epígrafe: I have no spur / To prick the sides of my intent, but only
/Vaulting ambition, which o’erleaps itself / And falls on the other [side],
“Macbeth”, Shakespeare, ato 1, cena 7 (epígrafe em tradução de trabalho, para
ajudar a ler).
[1]
28/7/2013, redecastorphoto, em: Pepe Escobar, “China: o fator Bo”, Asia
Times Online
[2] Orig. “I was framed”.
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Notas
do autor
[3]
22/8/2013, People’s Daily: “Já no 1º dia de julgamento está claro para todos a
evidência conclusiva dos crimes” [em
chinês].
[4]
23/8/2013, blog de Chan Sai em: “Os julgadores esperam o arrependimento do
acusado” [em chinês].
[5] 19/6/2013, CaixinOnline
em: “Plans for another important Third Plenum”
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Pepe Escobar
(1954)
é jornalista brasileiro, vive em São Paulo, Hong Kong e Paris, mas publica
exclusivamente em inglês. Mantém coluna (“The Roving Eye”) no
Asia
Times Online;
é também analista e correspondente das redes
Russia
Today,
The
Real News Network
Televison
e
Al-Jazeera.
Seus artigos podem ser lidos, traduzidos para o português pelo Coletivo de
Tradutores da Vila Vudu, no blog
redecastorphoto.
Livros
-
Globalistan: How the Globalized World is Dissolving into Liquid War, Nimble Books, 2007
-
Red Zone Blues: A Snapshot of Baghdad During the Surge, Nimble Books, 2007
-
Obama Does Globalistan, Nimble Books, 2009
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