15/8/2013, [*] Marwan Bishara, Al-Jazeera, Qatar
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu
As forças armadas egípcias obedecem tão somente aos interesses dos EUA |
Com
a situação em escalada rumo a confronto declarado entre os militares egípcios e
apoiadores da Fraternidade Muçulmana, Washington brinca mais uma vez de
cabra-cega com estados seus fregueses.
Feliz
de ver os islamistas de volta, o governo dos EUA resistiu a chamar de golpe a
derrubada do Presidente Mursi, nem depois de influentes membros do Congresso a
terem identificado como tal.
O
governo Obama queria que o golpe prosperasse, mas não queria ser apanhado com
sangue nas mãos. Mas se contava com conseguir acalmar os militares e
manobrá-los, errou.
Os
generais decididos a conter, se não a quebrar a Fraternidade, viram os problemas
políticos que o Egito enfrenta como problemas de segurança a exigirem o uso da
força.
Impuseram
leis de emergência que permitem maior controle, mas o movimento só fez aumentar
a violência. Prepararam-se para atacar violentamente os apoiadores de Mursi. E
viram Washington permanecer quase integralmente em silêncio.
Os
clamores dos EUA por moderação, diálogo e pela volta das urnas pareceram mais
retóricos que práticos ou efetivos.
O ex-Secretário de Defesa dos EUA, Leon Panetta, e o ex-general egípcio, Hussein Tantawi |
A
ansiedade por manter relação íntima com os militares e por continuar relevantes
no Egito impediu que os norte-americanos tomassem posição clara.
Investir
nos militares egípcios
O Egito é “importante aliado não
OTAN”, com as ligações de militares com militares no centro de tudo. As relações
entre os militares egípcios e o ocidente começaram depois do Tratado de Paz de
1979 entre Israel e Egito. E fizeram do Egito o segundo maior
beneficiário de assistência bilateral, atrás só de Israel.
Para tanto, foi necessário um
grande investimento
financeiro e militar que totalizou US$66 bilhões desde
a assinatura do Tratado de Paz. A corte que os americanos fazem aos generais
egípcios custa aos EUA US$ 1,3
bilhão ao ano, desde 1987.
Presentes caros, como
1.000 tanques e 221
jatos de combate ao custo de bilhões mostram
o quanto os EUA comprometeram-se com o Egito.
Um dos mais de 200 F-16 da Força Aérea egípcia |
Em 2011 – ano da revolução – o
Egito recebeu quase 1/4
de todos os fundos do Financiamento Norte-americano para Militares
Estrangeiros [orig. America’s Foreign Military
Financing].
A
colaboração EUA-Egito resultou, dentre muitas outras coisas, numa força egípcia
americanizada de defesa.
Anualmente, mais de 500 oficiais
egípcios beneficiam-se do sistema
norte-americano de educação militar. Entre esses, altos oficiais
egípcios, inclusive o comandante da defesa nacional do país, general Abdel
Fattah al-Sisi, que se formou na Academia de Guerra dos EUA na Pennsylvania, e o
comandante da Força Aérea, Reda Mahmoud.
A
educação e a formação dos oficiais egípcios em academias militares
norte-americanas, os programas de treinamento e os exercícios militares
conjuntos geraram traços duradouros de ligação entre os establishments
dos dois países.
Duas
posições que são uma
A
questão então é: com os militares egípcios convertidos em parceiros que já
causavam tantos embaraços – o que os EUA deveriam ter feito? Um ultimato? Cortar
a ajuda, depois de anos durante os quais os EUA foram fonte de fundos tão
significativos?
A
sabedoria convencional no establishment político no Oriente Médio,
especialmente entre os aliados de Israel, reza que Washington precisa manter
relacionamento íntimo com os militares egípcios, e sempre.
Há
quem diga que os militares egípcios são aliados confiáveis e indispensáveis
naquele mar revolto; e apoiá-los serve também aos interesses da segurança
nacional dos EUA. Para esses, as forças civis emergentes – populares, se for o
caso; islamistas ou seculares – não são nem amistosas nem confiáveis.
Outros
dizem que calar qualquer crítica permite que Washington exerça alguma influência
na tomada de decisão dos militares.
O Secretário de Estado John Kerry (E) e Martin Indyk(D) |
O recém nomeado “enviado de paz”
de Washington para o Oriente Médio, Martin Indyk diz que os EUA devem comunicar-se por
canais privados com os militares do “maior, militarmente mais poderoso,
culturalmente mais influente e geoestrategicamente mais importante país do mundo
árabe”, nunca trabalhar contra eles.
Papéis
invertidos
Alguns,
uma minoria no establishment de Washington, defendem o rompimento de
relações com os militares egípcios se não puserem fim à violência. Veem qualquer
sinal de cumplicidade entre os EUA e os militares egípcios autoritários como
danoso aos interesses dos EUA de longo prazo, sobretudo porque abre caminho para
algum tipo de retaliação por islamistas na região.
Mas
é ilusório supor que esse tipo de alerta merecerá qualquer atenção em
Washington. Que sentido haveria em cortar a ajuda militar, num momento em que os
EUA vão rapidamente perdendo a importância na região?
Vendo
reduzirem-se o próprio poder de alavancagem e a própria influência, sobretudo se
se consideram os eventos dramáticos em curso na Síria, Iraque, Irã, Líbano e em
toda a região de modo geral, Washington absolutamente não poderá abrir mão de um
dos poucos pilares estratégicos que lhe restam no Oriente Médio.
Os
militares egípcios sabem perfeitamente disso tudo e compreendem muito bem a
utilidade que têm para os EUA na região. Por exemplo: e se o próprio Egito
decidir “separar-se” dos EUA? Com certeza haveria pânico em Washington e não
menos pânico em Israel.
Afinal de contas, não é o Egito
quem ajuda
os EUA a manter a estabilidade por ali e a preservar a
segurança de Israel?
O
caminho adiante…
Washington
muito apreciaria que os generais pusessem fim à violência, que entregassem o
país a governo civil, que admitissem um retorno rápido ao processo democrático e
até, talvez, que se recolhessem de volta à caserna.
Violência e destruição provocadas pelo exército egípcio e patrocinada pelo EUA |
Mas,
se dizem tal coisa, os EUA só o dizem em voz baixa, sem o cuidado de fazer saber
aos generais que o fracasso deles terá consequências que lhes serão cobradas.
Com a espiral de violência alastrando-se pelas ruas do Egito, os EUA teriam de
fazer valer o poder de alavancagem que tenham sobre os militares egípcios.
A
declaração da Casa Branca e a fala do secretário de Estado condenando a
violência não são, de modo algum, bom começo. Condenar a violência? Mas todos
condenaram a violência... Até os generais egípcios!
Não
há conversa privada ou com os respectivos botões ou arrependimentos públicos que
consiga conter a escalada da violência. Se têm real poder sobre o seu
estado-freguês, os EUA têm de começar por dizer aos generais egípcios: acabem
com a lei de emergência e reponham em cena as urnas. Não há terceira via. É isso
ou isso.
___________________
[*] Marwan Bishara é analista
político sênior da Al Jazeera – Qatar
(em inglês) e Editor da revista Empire onde discute as políticas das potências
mundiais e suas agendas. Foi professor de Relações Internacionais na American
University of Paris e professor
convidado na Ecole
des Hautes Etudes en Sciences Sociales. Escreve e fala
extensivamente sobre política global; tornou-se uma autoridade em muitas das
questões atuais mais relevantes; a política externa dos EUA e do Grande Oriente
Médio. Seu livro mais recente, The
Invisible Arab, tem sido elogiado pela crítica por sua visão sobre os
fatores que levaram à Primavera Árabe, captando o
espírito e a energia do movimento.
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