26/8/2013, Isvestia, Rússia (entrevista de Bashar al-Assad)
Traduzido
pelo pessoal da Vila
Vudu
O
presidente da República Árabe da Síria falou sobre a ameaça de invasão de seu
país pelos EUA, sobre seu relacionamento com Vladimir Putin e o destino da
aliança entre os povos russo e sírio.
Isvestia:
Sr.
Presidente, a questão mais premente no mundo hoje é a situação atual na Síria.
Que partes do país continuam sob controle dos rebeldes?
Presidente
Assad:
De
nosso ponto de vista, não se trata de rotular algumas áreas como controladas
pelos terroristas. Não estamos lidando com uma ocupação convencional, que
permita que se contextualizem as coisas desse modo. Estamos combatendo contra
terroristas infiltrados em algumas áreas, cidades, áreas periféricas de cidades.
Eles atacam, vandalizam, destroem infraestrutura e matam civis inocentes,
simplesmente porque a população os denuncia. O exército se mobiliza para essas
áreas com as forças de segurança e agentes policiais para erradicar os
terroristas; os que sobrevivem, mudam-se para outras áreas. Portanto, a essência
de nossa ação é conter terroristas.
Enfrentamos
o desafio, que complica a situação, de um influxo de grande número de
terroristas que vêm de outros países – estimados em dezenas de milhares de
terroristas, pelo menos. Enquanto continuarem a receber ajuda financeira e
militar, nós continuaremos a atacá-los. Posso confirmar que não houve nenhum
caso que o Exército Sírio tenha planejado desalojar terroristas de uma dada
locação, e não tenha sido bem sucedido.
A
maioria dos terroristas que nos atacam são
Takfiris, que adotaram a doutrina da al-Qaeda, além de um pequeno
número de bandidos comuns. Por isso digo que não se trata de saber quem controla
maiores áreas. Em todos os pontos onde os terroristas ataquem, nós ali estamos
contra eles.
Isvestia: Mas
a grande imprensa-empresa ocidental diz que os terroristas controlam de 40% a
70% do território sírio. Qual é a verdade?
Presidente
Assad:
Nenhum exército, em nenhum país do mundo, pode estar presente, com todo o
armamento, em todos os pontos de país algum. Os terroristas exploram isso, e
violam áreas nas quais o exército não esteja. Fogem de uma área para outra, e
continuamos a erradicá-los, com sucesso, de todas as áreas onde apareçam.
Reitero, portanto, que a questão não é a extensão do território no qual se
infiltrem, mas o grande fluxo de terroristas que vêm de fora da
Síria.
Critério
significativo para avaliar o sucesso é verificar se o Exército Sírio tem
conseguido chegar a qualquer área infiltrada pelos terroristas e desalojá-los.
Quanto a isso, a resposta é sim, com certeza. O Exército sempre conseguiu
desalojar os terroristas onde os encontrou, e continua a fazê-lo. Mas isso exige
tempo, porque esse tipo de guerra não acaba de um momento para outro, são
guerras longas, que cobram preço muito algo. Mesmo depois que tivermos
erradicado todos os terroristas, teremos pago preço muito
alto.
Isvestia: Senhor
presidente, o senhor falou de extremistas
Takfiri que entraram na
Síria. São grupos fragmentados que atacam esporadicamente? Ou compõem algum tipo
de força maior que busca destruir a segurança e a estabilidade na Síria e em
todo o Oriente Médio?
Presidente
Assad:
Há
os dois tipos. São semelhantes, na medida em que todos partilham a mesma
doutrina Takfiri extremista de indivíduos como Zawahiri;
também são semelhantes na medida em que recebem o mesmo apoio financeiro e o
mesmo apoio militar. Mas são simultaneamente diferentes entre eles, porque são
incoerentes e dispersos, com cada grupo seguindo um líder separado e seguindo
sua própria agenda, diferente das demais. Claro que é bem sabido que países,
como a Arábia Saudita, que controla “a bolsa”, pode manejá-los e manipulá-los
como mais lhe interesse.
Ideologicamente,
esses países mobilizam terroristas por meios diretos ou indiretos, como
instrumentos de extremismo. Se declararem que os muçulmanos devem fazer Jihad na Síria, milhares de extremistas
responderão. Financeiramente, os que financiam e armam esses grupos podem
instruí-los para que organizem atos de terrorismo e espalhem a anarquia. A
influência que recebem é reforçada, quando um país como a Arábia Saudita dirige
os terroristas, simultaneamente, por meios financeiros e pela ideologia
wahhabista.
Isvestia: O
governo sírio tem denunciado que há ligação estreita entre Israel e os
terroristas. Como o senhor explica isso? A opinião geral é que islamistas
extremistas odiariam Israel e entrariam em surto só de ouvir o nome do
país.
Presidente
Assad: Se
essa opinião fosse correta, o que explica que cada vez que atacamos os
terroristas na fronteira, Israel ataca nossos soldados, para reduzir a pressão
contra os terroristas na fronteira? Fosse assim, por que, quando bloqueamos os
terroristas numa área, Israel os deixa escapar pelo lado israelense, para que
possam tentar nos atacar de outra direção? Por que Israel tem atacado, ataques
diretos contra o Exército Sírio, em mais de uma ocasião, nos últimos meses? É
evidente que a opinião geral que o senhor citou é inacurada. Israel já declarou
publicamente que está cooperando com os terroristas e os trata em hospitais em
Israel.
Se
os terroristas fossem, de fato, hostis a Israel, dados a surtos de histeria à
simples menção do nome, porque lutaram contra a União Soviética, a Síria e o
Egito, mas jamais atacaram Israel, uma única vez? Quem criou esses grupos
terroristas? Foram criados no início dos anos 1980s pelos EUA e pelo ocidente,
com dinheiro dos sauditas, para combater contra a União Soviética no
Afeganistão. Como seria possível, logicamente falando, que esses grupos
fabricados pelos EUA e o Ocidente algum dia atacassem
Israel?
Isvestia: Senhor
presidente, essa entrevista será traduzida para várias línguas internacionais e
será lida por líderes em todo o mundo, alguns dos quais podem estar hoje
trabalhando contra o senhor. O que o senhor gostaria de dizer a
eles?
Presidente
Assad:
Hoje,
há muitos políticos ocidentais, mas bem poucos estadistas. Alguns desses
políticos não leem História nem aprendem dela; outros sequer recordam eventos
recentes. Que lições os políticos ocidentais aprenderam, pelo menos, dos últimos
50 anos? Não veem que desde a Guerra do Vietnã, falharam todas as guerras
criadas por seus predecessores? Não aprenderam que nada obtiveram daquelas
guerras, além da destruição dos países contra os quais lutaram, que
desestabilizaram o Oriente Médio e outras partes do mundo? Ainda não
compreenderam que todas as guerras deles não os fizeram mais respeitados ou
apreciados na região? Que ninguém aprecia ou crê em suas
políticas?
De
outro ponto de vista, esses políticos já deveriam saber que o terrorismo não é
carta que com a qual possam jogar quando bem entendam e possam meter outra vez
no bolso, quando não lhes interessa. O terrorismo é como um escorpião: pode
atacar qualquer um, a qualquer momento. Ninguém pode financiar o terrorismo na
Síria e, ao mesmo tempo, combater o terrorismo no Mali. Vocês não podem apoiar o
terrorismo na Chechênia e combater contra o terrorismo no
Afeganistão.
Para
ser muito preciso, refiro-me ao Ocidente e não a todos os líderes mundiais. Se
esses líderes ocidentais esperam alcançar seus interesses, eles têm de ouvir
seus próprios eleitores e têm de ouvir o povo dessa região, em vez de se porem a
tentar implantar aqui governantes “fantoches”, na esperança de que sejam capazes
de dar ao ocidente o que o ocidente deseja. Se fizerem o que sugerimos, a
política ocidental nessa região poderá começar a ser mais
realista.
Nossa
mensagem ao mundo é clara e direta: a Síria jamais será estado “fantoche” do
ocidente. Somos país independente; combateremos o terrorismo e construiremos
livremente relações com outros países, como melhor interessar ao povo
sírio.
Isvestia: Na
4ª-feira, os “rebeldes” acusaram o governo sírio de ter usado armas químicas.
Alguns líderes ocidentais aceitaram as acusações. O que o senhor responde a
isso? O senhor autorizará o acesso de inspetores da ONU naquele local, para
investigar o incidente?
Presidente
Assad:
Governos
dos EUA, do ocidente e de outros países fizeram declarações desdenhosas de
flagrante desrespeito até contra a opinião pública em seus próprios países. Não
há corpo no mundo, nem alguma superpotência, que possa fazer uma acusação e, na
sequência, pôr-se a recolher provas para confirmar o que eles mesmos tenham
dito. O governo dos EUA fez a acusação na 4ª-feira e dois dias depois já
anunciava que começaria a recolher provas. E que provas encontrariam para
recolher, de tão longe?!
Disseram
que a área em questão estaria sob controle dos “rebeldes” e que o Exército Sírio
teria usado armas químicas. Na verdade, trata-se de área contígua a posições do
Exército Sírio. E que país usaria armas químicas em áreas na qual estão suas
próprias forças? É ridículo! São acusações completamente politizadas e vêm na
sequência e como reação contra os avanços que o Exército Sírio alcançou contra
os terroristas.
Quanto
à Comissão da ONU, nós fomos os primeiros a exigir investigação da ONU, quando
terroristas lançaram ataques com gás tóxico nos arredores de Aleppo. Vários
meses antes do ataque, já se ouviam declarações de norte-americanos e
ocidentais, que começavam a preparar a opinião pública para o “possível” uso de
armas químicas pelo governo sírio. Daí nasceram nossas suspeitas de que o
“ocidente” sabia das intenções dos terroristas, de usar armas químicas e, na
sequência, tentar culpar o governo sírio. Depois de contatos com a Rússia,
decidimos requerer que uma comissão investigue o incidente. Mas requeremos uma
investigação baseada em fatos em campo, não em boatos e conversas. EUA, França e
Grã-Bretanha tentaram explorar o incidente, para investigar os boatos, não o que
realmente aconteceu.
Durante
as últimas poucas semanas, trabalhamos com a Comissão e fixamos os parâmetros
para a cooperação. O primeiro desses parâmetros é que a soberania da Síria é
linha vermelha que não poderá ser ultrapassada; portanto, a Comissão deve
reportar diretamente ao governo sírio, durante todo o processo. Segundo, a
questão não é apenas como conduzir a investigação, mas também como os resultados
serão interpretados. Estamos perfeitamente conscientes de que, em vez de serem
interpretados de modo objetivo, os resultados podem ser facilmente interpretados
do modo como mais interesse às agendas de alguns grandes países. Evidentemente,
esperamos que a Rússia bloqueie qualquer interpretação distorcida para servir
aos interesses e às políticas dos EUA e do ocidente. O mais importante é que
distinguimos claramente entre acusações do ocidente, baseadas em boatos e
intrigas, e a nossa solicitação de uma investigação baseada em fatos e provas
concretas.
Isvestia:
Declarações
recentes, pelo governo dos EUA e outros governos ocidentais, dizem que os EUA
não descartam a intervenção militar na Síria. À luz dessas declarações, parece
provável que os EUA ajam como agiram no Iraque. Em outras palavras, que procurem
um pretexto para a intervenção militar?
Presidente
Assad:
Não
é a primeira vez que se levanta a possibilidade de intervenção militar. Desde o
início, EUA, com França e Grã-Bretanha, anseiam por uma intervenção militar na
Síria. Infelizmente para eles, os eventos tomaram rumo diferente, com a balança
pendendo contra os planos deles, no Conselho de Segurança, apesar das muitas
tentativas que fizeram para seduzir Rússia e China, sem qualquer sucesso. Os
resultados negativos que emergiram na Líbia e no Egito tampouco trabalham a
favor deles. Tudo isso tornou virtualmente impossível convencer os cidadãos
naqueles países e no mundo de que seus governos teriam políticas sólidas e
bem-sucedidas para essa parte do mundo.
A
situação na Líbia também é diferente da do Egito e Tunísia, e a Síria, como eu
disse, é diferente de todos esses países. Cada país tem sua específica situação.
Aplicar o mesmo cenário em diferentes partes do mundo já não é opção plausível.
Claro que podem criar guerras, mas não se pode prever para que lado elas se
espalharão ou como terminarão. Isso os levou a perceber que os cenários que eles
próprios inventaram espiralaram para fora do que eles mesmos possam
controlar.
Já
é hoje absolutamente claro para todos que o que está acontecendo na Síria nada
tem de revolução popular que vise à reforma política; trata-se, isso sim, de
terrorismo orientado para destruir o estado sírio. O que dirão ao próprio povo,
argumentando a favor de intervenção militar? Que o estado sírio estaria apoiando
o terrorismo contra o próprio estado sírio?!
Isvestia: O
que acontecerá nos EUA, no caso de decidirem pela intervenção militar, com
guerra contra a Síria?
Presidente
Assad:
Acontecerá
o que já aconteceu em todas as guerras norte-americanas, desde o Vietnã...
Fracassarão. Os EUA têm feito muitas guerras, mas nunca conseguiram, pelas suas
guerras, alcançar os seus objetivos políticos. O governo dos EUA não conseguirá
convencer o povo norte-americano de algum benefício dessa guerra. Tampouco
conseguirão convencer o povo de nossa região, sobre as políticas e planos dos
EUA. As grandes potências globais têm poder para fazer guerras. Mas conseguem
vencer as suas próprias guerras?
Isvestia: Senhor
presidente, como é sua relação com o presidente Vladimir Putin? Falam-se pelo
telefone? E o que discutem?
Presidente
Assad:
Tenho
fortes relações com o presidente Putin, desde muitos anos antes do início da
crise. Falamos-nos de tempos em tempos, mas a complexidade dos eventos na Síria
não se pode discutir por telefone. Nossos contatos são facilitados graças a
visitas de funcionários russos e sírios. A maior parte dessas reuniões acontece
fora dos holofotes da mídia.
Isvestia: Senhor
presidente, o senhor tem planos de visitar a Rússia, ou de convidar o presidente
Putin para visitar a Síria?
Presidente
Assad:
É
possível, é claro. Mas atualmente as prioridades são trabalhar para reduzir a
violência na Síria, porque há vítimas todos os dias. Tão logo melhorem as
circunstâncias será necessária uma visita. Por hora, nossos funcionários estão
conduzindo muito bem os nossos trabalhos em
conjunto.
Isvestia: Senhor
presidente, a Rússia tem-se oposto a políticas de EUA e da União Europeia,
sobretudo as que tenham a ver com a Síria. E se a Rússia fizer alguma concessão?
É um cenário possível?
Presidente
Assad:
As
relações entre EUA e Rússia não podem ser analisadas exclusivamente pelo
contexto da crise síria; é preciso analisá-las de modo mais amplo e
compreensivo. Os EUA supuseram que, depois do colapso da União Soviética, a
Rússia estaria destruída para sempre. Depois que o presidente Putin assumiu o
governo no final dos anos 90s, a Rússia começou a recuperar-se gradualmente e
reconquistou sua posição internacional. Então, recomeçou a Guerra Fria, embora
de modo diferente, mais sutil.
Os
EUA insistem em muitos fronts: querem
conter os interesses russos pelo mundo, querem influenciar a mentalidade dos
cidadãos russos para aproximá-los do ocidente, em termos de cultura e de
aspirações. E trabalharam muito para eliminar o papel potente e vital da Rússia
em vários fronts, um dos quais é a
Síria.
Você
deve estar pensando, como muitos russos, por que a Rússia continua a apoiar a
Síria. E é importante explicar isso ao grande público. A Rússia não está
defendendo o presidente Bashar al-Assad ou o governo sírio, porque cabe ao povo
sírio decidir que presidente quer ter e o sistema político que mais interesse ao
povo sírio. Não se trata disso.
A
Rússia está defendendo princípios fundamentais que o país abraçou há mais de 100
anos, o primeiro dos quais é a independência e a política de não interferir em
assuntos internos de outros países. A própria Rússia já sofreu e continua a
sofrer, por esse tipo de interferência.
Adicionalmente,
a Rússia defende também seus legítimos interesses na região. Alguns analistas
superficiais reduzem esses interesses ao porto de Tartus, mas a verdade é que a
Rússia tem interesses muito mais amplos e significativos. Politicamente falando,
quando o terrorismo ataca a Síria, país chave nesta região, o ataque tem impacto
direto na estabilidade de todo o Oriente Médio, o que também afeta a Rússia.
Diferente de muitos governos ocidentais, o governo russo sabe ver com perfeita
clareza essa realidade. E de uma perspectiva social e cultural, não podemos
esquecer as dezenas de milhares de famílias sírio-russas, que construíram uma
ponte social, cultural e humanitária entre nossos dois
países.
Se
a Rússia vier a fazer concessões, como você disse, já teria acontecido há um ou
dois anos, quando esse quadro ainda não era perfeitamente claro, mesmo para
altos funcionários russos. Hoje, o quadro está absolutamente claro. Se a Rússia
não cedeu naquele momento, agora, com certeza, não cederá.
Isvestia:
Senhor
presidente, há negociações em curso com a Rússia, para fornecer combustível ou
equipamento militar à Síria? Sobre o contrato para o sistema de defesa S-300,
especificamente, o senhor já o recebeu?
Presidente
Assad:
Não
posso, evidentemente, e nenhum país poderia, comentar sobre armas e contratos
para compra de armas. É informação secreta, restrita das Forças Armadas.
Importante é declarar que todos os contratos assinados com a Rússia serão
cumpridos, e nem a crise ou a pressão por EUA, países europeus ou do Golfo
afetaram o cumprimento dos contratos. A Rússia continua a fornecer à Síria o
necessário para que o país se defenda e defenda seu
povo.
Isvestia: Senhor
presidente, com que forma de ajuda da Rússia a Síria conta hoje? Financeira,
talvez equipamento militar? Por exemplo, a Síria pediria à Rússia um empréstimo?
Presidente
Assad:
Na
falta de segurança em campo, é impossível ter economia estável e em
funcionamento. Assim, em primeiro lugar, a Rússia nos tem garantido apoio
mediante contratos militares para ajudar os sírios a nos defendermos, o que
levará a melhor segurança, a qual, por sua vez, facilitará a recuperação da
economia. Em segundo lugar, o apoio político da Rússia ao nosso direito à
independência e à soberania, também tem tido papel significativo. Muitos outros
países voltaram-se contra nós politicamente, e traduziram essa política em
cortes nos laços econômicos e no fechamento de seus mercados.
A Rússia fez
exatamente o contrário e mantém boas relações de comércio conosco, o que nos
ajudou a manter funcionando a nossa economia. Portanto, em resposta à sua
pergunta, o apoio político da Rússia e seu compromisso em honrar os contratos
militares firmados, sem se render à pressão dos EUA, muito tem ajudado nossa
economia, apesar do impacto negativo que teve, na vida do povo sírio, o embargo
econômico que outros países impuseram.
De
um ponto de vista puramente econômico, há vários acordos entre Síria e Rússia
para vários bens e produtos. Quanto a um empréstimo dos russos, deve-se ver como
benéfico para os dois lados: para a Rússia, como oportunidade para suas
indústrias e empresas nacionais, que expandem seus negócios para novos mercados;
e para a Síria, porque nos supre dos fundos necessários para reconstruir nossa
infraestrutura e estimular nossa economia. Repito que a posição política da
Rússia e o apoio que dá à Síria são instrumento importante para restaurar a
segurança e prover as necessidades básicas do povo sírio.
Isvestia: Senhor
presidente, esses contratos têm a ver com combustível ou alimentos
básicos?
Presidente
Assad:
Os
cidadãos sírios estão sendo atacados em suas necessidades básicas de comida,
remédios e combustível. O governo da Síria trabalha para garantir que esses
itens básicos sejam acessíveis para todos os cidadãos, mediante acordos
comerciais com a Rússia e com outros países amigos.
Isvestia: Voltando
à situação na Síria, na atual crise. Sabe-se que o senhor já assinou várias
anistias, várias vezes. Essas anistias incluem rebeldes? Há casos de rebeldes
que abandonam aquele campo, para lutar ao lado do Exército
Sírio?
Presidente
Assad:
É
exatamente o que está acontecendo. Recentemente, começamos a perceber mudança
significativa no quadro, sobretudo depois que a situação foi-se tornando mais
clara para muitos, que começaram a convencer-se de que a Síria enfrenta, de
fato, ataque do terrorismo. Muitos da oposição voltaram à vida civil, depuseram
as armas, e esses foram anistiados, para ajudá-los na retomada da vida normal.
Há também, importante, certos grupos que mudaram de lado: de lutar contra o
Exército, passaram a lutar ao lado do Exército. São pessoas que se deixaram
influenciar pela propaganda distribuída pela imprensa-empresa ocidental, ou que
se haviam militarizado sob coação dos próprios terroristas. Por essa razão,
desde o início da crise, o governo sírio adotou uma política de portas abertas
para acolher os que desejassem abandonar a via que abraçaram no início, de
lutarem contra o próprio país. Apesar de muitos na Síria terem-se oposto a essa
política, ela se provou efetiva e ajudou a aliviar parte da tensão gerada pela
crise.
Isvestia: Senhor
presidente, as relações da Síria com vários estados estão consecutivamente
entrando em colapso, como com o Qatar, Arábia Saudita e Turquia. Quem são seus
reais aliados e quem são seus inimigos?
Presidente
Assad: Os
países que nos apoiam são bem conhecidos de todos: internacionalmente – Rússia e
China. Regionalmente – Irã. Mas começamos a ver uma deriva positiva na arena
internacional. Alguns países que se haviam posicionado fortemente contra a Síria
começaram a mudar seu posicionamento; outros começam a reiniciar relações
conosco. Claro, a mudança no posicionamento desses países não constitui apoio
direto.
Em
contraste, há alguns específicos países que mobilizaram e deram amparo ao
terrorismo na Síria. De modo especial, o Qatar e a Turquia nos primeiros dois
anos. O Qatar financiou e a Turquia garantiu apoio logístico, treinando
terroristas e os infiltrando na Síria. Recentemente, a Arábia Saudita substituiu
o Qatar, na função de financiador. Para ser completamente claro e transparente,
a Arábia Saudita nada tem além de dinheiro. Quem só tenha dinheiro não é capaz
de construir nem de alimentar uma civilização. A Arábia Saudita implementa sua
agenda gastando dinheiro, tanto dinheiro quanto
necessário.
A
Turquia é caso diferente. É uma lástima ver que um grande país, como a Turquia,
com sociedade liberal e localização estratégica, manipulado por um punhado de
dólares que recebe de um estado do Golfo, de mentalidade tão atrasada. A
responsabilidade, é claro, pesa sobre os ombros do primeiro-ministro turco, não
do povo turco, com o qual os sírios partilhamos muitas tradições e uma rica
herança.
Isvestia: Senhor
presidente, o que torna tão fortes as relações russo-sírias? São os interesses
geopolíticos? Ou o fato de que as duas nações lutam juntas contra o
terrorismo?
Presidente
Assad:
Há
mais de um fator que forjam com tanta força as relações sírio-russas. A
primeira, é que a Rússia sofreu sob ocupação durante a 2ª Guerra Mundial e a
Síria também foi ocupada, mais de uma vez. Em segundo lugar, desde a era
soviética, a Rússia sofreu repetidas tentativas de intervenção estrangeira em
seus assuntos internos; e o mesmo também aconteceu com a
Síria.
Em
terceiro lugar, mas não menos importante, é o terrorismo. Na Síria, entendemos
bem o que significa quando extremistas da Chechênia matam civis inocentes, o que
significa manter sob sítio alunos e professores em Beslan, ou sequestrar
inocentes num teatro em Moscou. E o povo russo entende quando nós, na Síria,
denunciamos atos de terrorismo semelhantes aos que os russos sofreram. Por essa
razão, o povo russo rejeita a narrativa ocidental, que inventa que haveria “bons
terroristas e maus terroristas”.
Além
disso tudo, há também laços familiares entre sírios e russos, que já mencionei,
que não se teriam desenvolvido se não houvesse características culturais,
sociais e intelectuais comuns, além dos interesses geopolíticos dos quais já
falamos. A Rússia, diferente dos europeus e do ocidente, está bem consciente das
consequências de desestabilizar-se a Síria e a região e dos efeitos que isso
terá no alastramento inexorável do terrorismo.
Todos
esses fatores modelam coletivamente a posição política de um grande país como a
Rússia. A posição dos russos não se baseia em um ou dois elementos, mas numa
perspectiva histórica, cultural e intelectual ampla.
Isvestia: Senhor
presidente, o que acontecerá em Genebra-2? Quais suas expectativas dessa
conferência?
Presidente
Assad:
O
objetivo da conferência de Genebra é apoiar o processo político e facilitar uma
solução política para a crise. Mas isso não será alcançado antes que tenha fim o
apoio externo ao terrorismo. Esperamos que a conferência de Genebra comece por
pressionar os países que hoje apoiam o terrorismo contra a Síria, que ponha fim
ao contrabando de armas e ao ininterrupto processo de se infiltrarem terroristas
no país. Quando isso for alcançado, os passos políticos serão mais fáceis, o
mais imperativo dos quais é iniciarmos um diálogo entre os sírios, para discutir
o futuro sistema político, a Constituição, várias leis e outros
pontos.
Isvestia: Muito
obrigado por sua sinceridade e por essa discussão transparente, nessa
entrevista.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Registre seus comentários com seu nome ou apelido. Não utilize o anonimato. Não serão permitidos comentários com "links" ou que contenham o símbolo @.