9/8/2013, [*] Pepe
Escobar, Asia Times Online – The
Roving Eye
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu
Faça um
plano; em seguida, faça outro plano. Nenhum deles funcionará. (Bertolt Brecht)
Vlad, a Marreta X Obama, o Bebê-Chorão |
Essa
coisa já está ficando ridícula. O President of the United States (POTUS)
[Presidente dos EUA, PEUA] berrou e esperneou, porque queria, que queria, que
queria de volta seu espião (Edward Snowden). Snowden, nos termos que determinam
as leis russas, recebeu asilo temporário. A Casa Branca ficou
“desapontada”.
Então,
o PEUA esnobou o encontro bilateral com o Presidente da Rússia, Vladimir Putin,
em Moscou, que coincidiria com o encontro do G20 em São Petersburgo no início de
setembro. O Kremlin ficou também “desapontado”.
Putin
telegrafou a George “Dábliu” Bush
– com votos de pronta recuperação de cirurgia cardíaca. PEUA foi a um talk-show nos
EUA e disse que
a Rússia “escorregou para trás, de volta a ideias da Guerra Fria e a uma
mentalidade de Guerra Fria”.
Adequado
distanciamento brechtiano ensina que
“ridículo” é pouco; que não basta nem para dar a partida de alguma crítica a
esse “comentário”. A mentalidade de Guerra Fria vive hoje impregnada nos genes
do governo dos EUA em Washington – do Capitólio ao Pentágono. Quanto a
Obama-PEUA, falou como, no máximo, diletante metido a diplomata.
Yes,
We Can
[Sim, podemos] foi convertido em Yes, We Scan [Sim, espionamos]; e agora
já está virando Yes, We Scorn [Sim, escarnecemos]. Aplica-se também
àquele sortimento de poodles de sangue europeu. Mas não faz nem cócegas
em Vlad - a Marreta.
Para
justificar a decisão, a Casa Branca falou de “falta de progresso” em tudo,
inclusive nos mísseis de defesa, controle de armas, relações comerciais e de
troca, questões da segurança global, direitos humanos e sociedade civil. Bobagem
e mais bobagem. Tratou-se exclusivamente de um PEUA impotente impedido de
avançar em sua guerra contra os sentinelas-vazadores [orig.
whistleblowers].
Yuri Ushakov |
Yuri Ushakov, assessor de Putin para assuntos internacionais, aproximou-se bem mais
da verdade; disse que “os EUA são incapazes de construir relações sobre bases
igualitárias”.
Como
um urso polar que caça sua foca, Vlad - a Marreta sente que Obama manca,
claudicação de proporções Carter-escas. Foi um bater de olhos, e Putin avaliou o
quanto o governo Obama estava reduzindo a cinzas sua já claudicante
credibilidade, e simultaneamente em duas frentes: por causa da escala do
complexo orwelliano/Panóptico que Snowden expôs ao mundo; e pela violência
ensandecida com que Obama insiste em caçar Snowden pelo mundo.
Como mais meia dúzia de pregos
pregados no esquife da imprensa-empresa norte-americana, o New
York Times publicou editorial – há quem diga que teria sido
“sugerido” pela Casa Branca – no qual tenta justificar o cancelamento do
encontro:
O
sr. Putin é líder repressivo e arrogante, que trata o próprio povo com desprezo.
É.
E a Branca de Neve mora na Casa Branca.
Todos
a bordo pela Trans-siberiana
O
alarido adolescente do Obama-PEUA nada tem a ver com Guerra Fria.
Para
começar, EUA e Rússia dependem crucialmente um do outro em vasta lista de
questões. Mas nesse fim-de-semana, alguns adultos estarão discutindo essas
questões em Washington, pelo menos no plano teórico, quando o Ministro de
Relações Exteriores, Sergei Lavrov e o Ministro da Defesa da Rússia, Sergei
Shoigu, reunir-se-ão com o Secretário de Estado dos EUA, John Kerry e Chuck
Hagel, chefe do Pentágono.
Basta
que Vlad dê a ordem, e a já humilhante retirada do Afeganistão, dos exércitos de
EUA/OTAN – postos para correr de lá, chutados no traseiro por um bando de pashtuns armados com fuzis Kalashnikovs
falsos – será convertida em desastre cataclísmico.
Vlad pode calibrar com minúcia o
apoio russo ao governo de Bashar al-Assad na Síria – especialmente depois que o
chefe da inteligência saudita, príncipe Bandar “Bush” bin Sultan correu a visitá-lo
em Moscou e, ao que se conta,
ofereceu-se para comprar quantos carregamentos de armas a Rússia queira vender,
desde que a
Rússia desista de Assad. Putin
não piscou. A verdade é que Bandar não teria empreendido a viagem, nem tentado o
negócio, sem “consultar” seus patrões norte-americanos.
Vlad
pode oferecer abundante apoio diplomático extra ao novo governo do Presidente
Rouhani no Irã – inclusive, e crucialmente importantes, novos negócios de armas;
e pode ajudar a firmar a posição de Teerã em possíveis futuras negociações com
Washington.
TAP - Trans Adriático Oleogasodutostão (em vermelho) |
No
Cáucaso, Vlad navega com vento em popa. A Georgia é hoje muito menos adversária
de Moscou. E no Oleogasodutostão, a Rússia influenciou a decisão do Azerbaijão
de privilegiar o Oleogasoduto Trans-Adriático [orig. Trans-Adriatic Pipeline
(TAP)], em detrimento do perenemente condenado Nabucco Oeste, e
imediatamente se mudou e passou a dar mais solidez à cooperação energética entre
a empresa SOCAR do Azerbaijão e a Rosneft da Rússia. Georgia e Azerbaijão
sempre foram considerados aliados “firmes” dos EUA.
Rotas de oleogasodutos entre Europa, Oriente Médio e Ásia incluindo o TAP |
Na
Europa, todos os pilotos de navios de cruzeiro do Reno sabem sobre a parceria
estratégica entre Rússia e Alemanha. Nas negociações de gás natural com Itália,
França e Polônia, por exemplo, o nome do jogo russo é garantir contratos de
longa duração cheios de quebras de preços e esquemas de
tributos.
Na
Europa Central e do Leste, Vlad também navega – claro – com vento em popa, com a
Rússia comprando montanhas de ativos estratégicos (fábricas, indústrias químicas
e empresas de transporte).
E
há também o crucial gambito Trans-Siberiano. Viajei duas vezes pela
Trans-Siberiana, no inverno, no início dos anos 1990s e, depois, no final da
década; e que viagens! Naquele tempo, tratava-se quase exclusivamente de russos
empobrecidos, comprando tudo que encontrassem na China e de chineses espertos
vendendo tudo que pudessem vender na Rússia. Atualmente, se trata só de carga
pesada. A Trans-Siberiana movimenta nada menos que 120 milhões de toneladas de
carga por ano – e aumentando; é pelo menos 13% do comércio de contêineres entre
Europa e Ásia. A Rússia está investindo numa expansão de US$17 bilhões e
acrescentando 55 milhões de toneladas de capacidade de carga
extra.
E
acrescente-se a triplicação da capacidade dos terminais costeiros do Pacífico
russo, até 2020; a expansão do porto de São Petersburgo; o fornecimento, pela
empresa Siemens, de 675 locomotivas elétricas de carga, como parte de um negócio
de $3,2 bilhões.
Trans-Siberiana e ramais (norte e sul) da Finlândia até a China (clique na imagem para visualizar melhor) |
O
nome do jogo aqui é a Rússia cada vez mais exportando sua produção agrícola por
todos os meios possíveis. Pelo menos, 250 mil barris de petróleo/dia – e
aumentando – deslocam-se da Rússia para a Ásia. A ampliação da Trans-Siberiana
operará maravilhas no comércio Europa-Ásia. Pela estrada Trans-Siberiana,
produtos asiáticos chegam à Europa em 10 dias: por mar, da Coréia do Sul ou
Japão, são pelo menos 28 dias até a Alemanha. Não surpreende que Japão e Coreia
do Sul sejam grandes fãs da Trans-Siberiana. E de um ponto de vista europeu,
nada bate a Trans-Siberiana, caminho mais barato e mais rápido para a
Ásia.
[1]
Não faço nem ideia...
Guerra
Fria? Só como parte do business da nostalgia. Com a Europa em coma;
fricções múltiplas entre Europa e EUA; Pequim olhando mais para dentro que para
fora e tentando resolver o enigma de como estimular seu modelo de
desenvolvimento; e com o governo Obama paralisado-catatônico, Moscou identificou
aí a abertura perfeita com que sonhava e embarcou sem meias medidas, numa
expansão comercial estratégica.
O
governo Obama não faz nem ideia – e a Think-tank-lândia, então, menos
ainda. A ignorância é absoluta, total. Ninguém em todo o “circo” do governo na
Beltway jamais conseguiu articular
qualquer coisa que se aproximasse, que fosse, pelo menos, de uma sólida política
para a Rússia; só “sabem” demonizar Putin. É ótimo para Vlad - a Marreta, que se
tem atentamente dedicado a construir uma nova realidade estratégica não só na
periferia da Europa, mas também no centro. A Rússia voltou – e
arrebentando!
Nesse
esquema mais amplo de coisas, de uma deriva rumo a um ambiente pós-pós Guerra
Fria, o affair Snowden é só uma das peças do quebra-cabeças. E é onde o
pessoal é perfeita imagem especular do político. Vlad - a Marreta sabe
exatamente o que está fazendo – enquanto Obama, o Bebê-chorão está com cara de
alce atropelado de frente por uma locomotiva na Trans-Siberiana.
Nota
dos tradutores
[1] No original Ain’t got a
clue. Gravação
da banda punk britânica “Lurkers”, nos anos 1970s. Ouve-se a seguir:
[*] Pepe Escobar (1954) é jornalista brasileiro, vive em São Paulo, Hong Kong e Paris, mas publica exclusivamente em inglês. Mantém coluna (“The Roving Eye”) no Asia Times Online; é também analista e correspondente das redes The Real News Network TV e Al-Jazeera. Seus artigos podem ser lidos, traduzidos para o português pelo Coletivo de Tradutores da Vila Vudu, no blog redecastorphoto.
Livros
- Globalistan: How the Globalized World is Dissolving into Liquid War, Nimble Books, 2007
- Red Zone Blues: A Snapshot of Baghdad During the Surge, Nimble Books, 2007
- Obama Does Globalistan, Nimble Books, 2009
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