2/8/2013, [*] Pepe
Escobar, Asia Times Online – The
Roving Eye
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu
Barack Obama "extremamente desapontado" |
E
o quê, então, podem fazer o governo Obama (“extremamente desapontado”), o
complexo orwelliano/Panopticon e o desacreditado Congresso dos EUA? Mandar uma
equipe Team 6 de Seals da Marinha para sequestrá-lo ou acertar-lhe uma bala na
testa (assassinato predefinido) – convertendo Moscou em neo-Abbottabad 2.0?
Dronar o cara? Envenenar a sopa borscht dele? Contaminar a casa para onde
ele se mudará, com urânio empobrecido? Vão implantar uma zona aérea de exclusão
em cima da Rússia?
Edward Snowden |
Edward
Snowden, agora com novo status legal
na Rússia, simplesmente não poderá ser entregue aos meganhas que estão linchando
Bradley Manning. Legalmente, Washington é hoje tão impotente quanto uma menina,
em sua tribo pashtun, obrigada a encarar um míssil Hellfire que voa em direção a ela. Um
POTUS (President of the United States) tão orgulhoso de seu
pedigree de professor de Direito Constitucional – apesar de não fazer
outra coisa além de sapatear sobre a Constituição dos EUA, para nem falar da
legislação internacional – parece que não entendeu a mensagem.
Barack
Obama praticamente pôs os pulmões pela boca de tanto que gritou que o presidente
Vladimir Putin da Rússia tinha de entregar-lhe Snowden “sob a lei
internacional”. Putin repetiu várias vezes que não tinha de entregar e não
entregaria, “nunca”, “jamais”, de jeito nenhum.
Obama
até telefonou a Putin. Nada. Washington até obrigou os poodles europeus a
aterrar à força o avião do presidente Evo Morales da Bolívia. Pior a emenda que
o soneto. Moscou manteve-se agarrada à letra da lei russa e até já garantiu
asilo temporário a Snowden.
Glenn Greenwald |
A
saga de Edward Snowden converteu a doutrina da Dominação de Pleno Espectro do
Pentágono em uma cabeça de Medusa. Não só por causa da queda de todo o aparelho
de segurança dos EUA, mas também porque mandou pelos ares o mito do POTUS
como Dominante Dominador de Pleno Espectro.
Obama mais uma vez revelou-se ao
mundo como político medíocre e negociador incompetente. Putin devorou-o pela
perna, acompanhado de porção suculenta de ovos benedict. Glenn Greenwald
será o agente da morte pelos mil
talhos -vazamentos – porque é o fiel depositário da
arca do tesouro digital de Snowden. E Snowden meteu-se num táxi e deixou o
aeroporto – nos termos em que decidiu que as coisas seriam feitas e fê-las.
Camadas e camadas de nuances foram
afinal apreendidas na fascinante discussão que Yves
Smith oferece em seu blog
– o que absolutamente não se encontrará jamais no jornalismo da
imprensa-empresa ocidental. Ao POTUS, restou boicotar um encontro
bilateral com Putin, mês que vem, à margem da reunião de cúpula do G20 em São
Petersburgo. Patético é pouco, até para começar a dizer o que significa tudo
isso.
Fiz cá do meu jeito [1]
E
quanta boa literatura! Snowden passou a maior parte do tempo em trânsito no
aeroporto, lendo Crime e Castigo, de Dostoevsky; uma seleção de contos de
Chekhov, uma história do Estado russo, do historiador do século XIX, Nikolai Karamzin – e aprendendo o alfabeto
cirílico.
Sarah Harrison |
Tomou
um táxi rumo ao lado ensolarado da calçada ao deixar Sheremetyevo, acompanhado
por Sarah Harrison de WikiLeaks. Pode ter ido para uma base de apoio militar
indevassável – chance zero de ser descoberto por algum agente da CIA em Moscou,
embora seu advogado tenha dito que ficaria morando em sua residência como
modalidade de proteção. Em breve receberá a visita do pai, Lon Snowden. E a
sempre autodescrita super-heroína da pole-dance e namorada Lindsay Mills
com certeza também reaparecerá.
Como
fez para conseguir sobreviver ao enervante jogo de espera, até ter a última
palavra – como na declaração publicada por WikiLeaks:
Nas
oito últimas semanas vimos o governo Obama manifestar respeito zero pela lei
doméstica e internacional, mas, afinal, a lei está levando a melhor. Agradeço à
Federação Russa por ter-me dado asilo nos termos do que determinam a lei russa e
a lei internacional.
Pavel Durov |
Snowden
tem o direito legal de trabalhar – e já recebeu uma oferta de emprego do
fundador de Vkontakte (o “Facebook russo”), Pavel Durov, para incorporar-se à
sua equipe de “estrelas mundiais da segurança”. Em 2018 já terá direito a
requerer a cidadania russa. Prometeu a Putin que não vazará “informação que
cause dano aos EUA” – condição essencial para receber o direito de asilo. Mas
não precisará fazer nem isso: Greenwald já tem plena posse de tudo, desde os
primeiros dias em Hong Kong. E o que fará Washington? Vão tratar o apartamento
de Greenwald no Rio de Janeiro como tratam festas de casamentos pashtuns?
O timing não poderia ter
sido mais dramático. Snowden finalmente aterrissou na Rússia imediatamente
depois que Greenwald revelava os detalhes
de XKeyscore – mais uma vez destacando e
demonstrando que a opinião pública norte-americana, a imprensa-empresa dos EUA e
o cosmicamente inepto Congresso dos EUA não têm nem ideia do alcance da
espionagem generalizada que a Agência de Segurança Nacional dos EUA faz, contra
todos. “Controles e equilíbrios constitucionais”? Alguém se lembra disso?!
Gen. Keith Alexander |
Deve
haver alguma pane essencial, dano fundamental, no QI coletivo desse pessoal. O
governo Obama, tanto quanto o complexo orwelliano/Panopticon estão em estado de
choque, porque simplesmente não têm meio algum para deter o processo de morte
pelos mil talhos-vazamentos. Esse Olhar Errante [orig. The Roving Eye]
alinha-se entre os que suspeitam que a Agência de Segurança Nacional dos EUA não
tem sequer alguma mínima ideia do que Snowden, como administrador de sistemas,
conseguiu baixar (sobretudo porque alguém com as competências técnicas de
Snowden sabe facilmente apagar todas as pistas que tenha deixado ao acessar
material secreto). Até o robô-chefe da Agência de Segurança Nacional, general
Keith Alexander, já admitiu oficialmente que “aquela agência” não tem ideia do
que Snowden copiou. Pode ter deixado plantado algum cavalo de Tróia, ou
infectado todo o sistema com alguma espécie de vírus. É possível que a festa
ainda não tenha nem começado.
Vejam
só, o
POTUS manco
Deve-se dar o justo crédito a
algumas latitudes mais cínicas, na América do Sul, por exemplo, onde muita gente
comenta, rindo, que “os gringos espionam tudo que nós fazemos”; a Internet,
afinal, nasceu como programa militar dos EUA. O professor John Naughton da Open University britânica já deu
até um passo adiante, quando disse que:
(...)
os dias da Internet como rede realmente
global estão contados. Adiante, só nos espera a balkanização – subredes
geográficas governadas por EUA, China, Rússia, Irã, etc..
John Naughton |
Naughton
também destacou que os EUA e outras subpotências ocidentais perderam a
legitimidade que tiveram como governantes da internet. E, para culminar, não há
nenhuma “agenda de liberdade para a internet”, como o governo Obama vive a
papaguear.
Essa obsessão do Grande Irmão com
espionar, rastrear, monitorar, controlar, decodificar virtualmente tudo o que
nós fazemos digitalmente está levando a estupidezes monumentais, como as
pesquisas Google levarem agentes armados do governo dos EUA até uma casa, como se lê já com
detalhes publicados. E mesmo todo esse Paraíso da Paranóia não
conseguiu proteger os EUA de saírem corridos do Afeganistão e do Iraque, nem
ajudou a prever a crise financeira de 2008. Mas, sim, é possível que as elites
tenham sido informadas e tenham administrado a seu próprio favor a massiva
informação à qual tiveram acesso e muito lucraram com o que souberam.
Por
hora, o que temos é um complexo orwelliano/Panopticon que continuará com seus
poderes incontrolados; uma população afásica; um homem calado, invisível na
multidão em Moscou; e um POTUS manco condenado a morder, de raiva, o pé
da mesa. Fiquem atentos. Ele pode ser tentado, como rabo, a balançar os cães (da
guerra).
___________________________________
Nota dos
tradutores
[1] Orig. I did it my way. É um clássico da canção
norte-americana, famosa em gravação de Frank Sinatra que se pode ouvir a seguir:
Letra com
tradução ruim, mas suficiente para ajudar a ler.
A corrigir, porque é erro grave: “I’ve seen everything without exemption” = “Vi
tudo sem isenção” (não “sem exceção”, como se lê na
tradução).
____________________
[*] Pepe
Escobar (1954) é
jornalista brasileiro, vive em São Paulo, Hong Kong e Paris, mas publica
exclusivamente em inglês. Mantém coluna (“The Roving Eye”) no Asia
Times Online; é também analista e correspondente das redes The Real News
Network TV e Al-Jazeera. Seus artigos podem ser lidos,
traduzidos para o português pelo Coletivo de Tradutores da Vila Vudu, no blog
redecastorphoto.
Livros
-
Globalistan: How the Globalized World is Dissolving into Liquid War, Nimble Books, 2007
-
Red Zone Blues: A Snapshot of Baghdad During the Surge, Nimble Books, 2007
-
Obama Does Globalistan, Nimble Books, 2009
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