23/8/2013,
[*] Jim Lobe, IPS (versão atualizada em Al-Jazeera)
Traduzido
pelo pessoal da Vila
Vudu
Barack Obama e o Rei Abdullah da Arábia Saudita |
WASHINGTON.
Com o governo do presidente Obama ainda sem saber como reagir ao golpe militar
no Egito e seus desenvolvimentos sangrentos, funcionários e analistas
independentes mostram-se cada vez mais preocupados com os efeitos da crise sobre
os laços entre EUA e os sauditas.
O
forte apoio da petromonarquia ao golpe está sendo interpretado como estímulo que
encorajou o Ministro da Defesa do Egito, general Abdel Fattah al-Sisi, a atacar
frontalmente a Fraternidade Muçulmana e a resistir à pressão ocidental – que
privilegiaria uma abordagem mais conciliatória, sem provocar reação radicalizada
dos seguidores da Fraternidade e sem os empurrar a pegar em armas.
Com
os Emirados Árabes Unidos e o Kuwait, a Arábia Saudita não apenas prometeu,
imediatamente depois do golpe que derrubou o presidente Mohamed Mursi, ajuda
combinada de US$12 bilhões em assistência financeira; também prometeu cobrir
qualquer ajuda ocidental, inclusive o $1,5 bilhão que Washington garante ao
Cairo anualmente, quase tudo em assistência militar. Essas “garantias” podem ter
levado ao golpe e ao violento ataque no qual já morreram, até essa data, cerca
de mil manifestantes.
Bruce Riedel |
Talvez
mais preocupante que isso, na opinião de alguns especialistas em Washington, foi
a linguagem excepcionalmente dura, contra a opinião de Washington ao condenar o
golpe, que se ouviu de altos funcionários sauditas, inclusive do rei Abdullah,
que declarou, semana passada, que “o reino se posiciona contra todos que tentem
interferir em seus assuntos internos”, acrescentando que qualquer crítica contra
a ação do exército implicaria ajuda aos “terroristas”.
Bruce
Riedel, ex-analista da CIA para o Oriente Médio, que foi conselheiro do governo
Obama, classificou aqueles comentários como “sem precedentes”, mesmo que o rei
não tenha citado diretamente os EUA.
Chas
Freeman, funcionário do serviço diplomático, altamente condecorado e que era
embaixador dos EUA em Riad durante a Guerra do Golfo, concordou com Riedel.
Chas Freeman |
Não
me lembro de outra declaração tão abertamente crítica quanto
essa,
disse Freeman. Para esse analista, a crítica marca o auge de vinte anos de
crescente exasperação, entre os sauditas, contra políticas dos EUA – desde o
fracasso de Washington, que não consegue conter as aventuras militares dos
israelenses e a ocupação de território palestino, até o empoderamento da maioria
xiita no Iraque depois da invasão de 2003 e o abandono em que Washington deixou
o ex-presidente Mubarak do Egito, além do apoio dos EUA a movimentos
democráticos durante a Primavera Árabe.
Durante
praticamente todo o tempo, ao longo de 70 anos, os sauditas olharam para os
norte-americanos como seus patrões, no manejo dos desafios estratégicos em sua
região
– disse Freeman. Mas agora, a parceria da
Casa de Saud com os EUA não perdeu apenas só o charme e a utilidade; do ponto de
vista de Riad, já se tornou, em todos os sentidos, contraproducente.
O
resultado, segundo Freeman, está sendo um movimento “de ativa autodefesa
unilateral dos interesses regionais sauditas”, movimento que pode levar a
vastíssimas mudanças geoestratégicas na Região.
A
Arábia Saudita não vê os EUA como protetor confiável; avalia que está só e age
como melhor lhe parece.
Relações
russas
Vladimir Putin |
Vários
analistas, entre os quais Freeman, lembraram uma reunião em Moscou, dia 31 de
julho, entre o presidente russo, Vladimir Putin e o chefe do conselho de
segurança nacional e do serviço de inteligência de Riad, príncipe Bandar bin
Sultan, como evento significativo para indicar de que lado sopram os ventos no
novo cálculo dos sauditas.
Segundo
matéria da Agência Reuters, Bandar,
que foi embaixador de Riad em Washington por mais de 20 anos, ofereceu à Rússia
comprar $15 bilhões em armas russas e coordenar a política energética –
especificamente para impedir que o Qatar exporte gás natural para a Europa, com
prejuízos para Moscou – em troca de suspensão ou redução substancial no apoio
que Moscou dá ao presidente sírio Bashar al-Assad.
Putin,
em cujo mandato as relações entre Moscou e Washington parecem ter atingido um
ponto mais baixo de todo o pós-Guerra Fria, parece que não se interessou pela
oferta, mas Bandar deixou Moscou entusiasmado com as possibilidades de maior
cooperação estratégica, segundo matéria de imprensa que gerou comentários
preocupados em Washington.
Simon Herderson |
Os
EUA aparentemente mantêm-se à parte – apesar de ter sido parceiro diplomático de
Riad durante décadas, sobretudo na até aqui bem-sucedida política de bloquear a
influência dos russos no Oriente Médio,
escreveu Simon Henderson, analista no Washington Institute for Near East
Policy (WINEP), instituto pró-Israel.
Seria
excesso de otimismo crer que o encontro de Moscou conseguiria reduzir o apoio
que os russos dão ao regime de Assad,
continuou. Mas Putin conseguiu cavar um
fosso entre Riad e Washington.
Como
sugerem os comentários de Abdullah, o fosso só se ampliou depois do ataque dos
militares egípcios à Fraternidade Muçulmana esse mês, e dos passos de Washington
até o presente, para sinalizar desaprovação, incluindo o adiamento da entrega de
jatos F-16 e o cancelamento de exercícios militares conjuntos EUA-Egito,
marcados para o próximo mês.
Funcionários
dos EUA disseram a jornalistas que Washington provavelmente também suspenderá o
embarque para o Cairo de uma carga de helicópteros de ataque modelo Apache, se o
regime egípcio não mudar rapidamente de direção.
“Toque
de alerta”
Moscou,
enquanto isso, embora tenha se unido ao Ocidente nos clamores para que se
busquem soluções não violentas para a crise egípcia, não criticou diretamente os
militares; e o presidente da Comissão de Assuntos Exteriores do Parlamento Russo
culpava os EUA e a União Europeia por apoiarem a Fraternidade Muçulmana.
É
claro que Rússia e Arábia Saudita preferem um Egito estável; ambos estão
apostando que os militares conseguirão impor-se no atual confronto; e já começam
a agir apoiados nessa pressuposição,
como se lia em coluna na qual se expunham os interesses comuns dos dois países
no Oriente Médio, publicada domingo pela rede
Alarabiya.net, canal noticioso que pertence ao grupo Middle East Broadcasting Centre
(MBC), de propriedade dos sauditas.
Bandar bin Sultan |
Alguns
observadores argumentam que Rússia e Arábia Saudita têm interesses comuns:
conter o Irã; diminuir a influência da Turquia; cooperar em questões nucleares;
e promover regimes autoritários, inclusive no Egito, contra o avanço de partidos
islamistas populares, especialmente a Fraternidade Muçulmana e grupos afiliados,
por toda a região.
Há
certa lógica em tudo isso, mas ainda é cedo para que se possa compreender o
quadro completo,
disse Freeman, que lembrou que Bandar
escreveu livro sobre voltar a estender a mão a antigos inimigos ideológicos e
geoestratégicos, inclusive à China; e que essa visita a Moscou tem a marca registrada da diplomacia de
ataque saudita clássica.
Seja
como for, alcançar algum acordo sobre a Síria é desafio particularmente difícil.
Mas, como Riad dá mais alta prioridade a reduzir a influência regional do Irã,
do que a derrubar Assad, alguns analistas creem que haja vias para chegar a
algum tipo de acordo pelo qual Assad permaneceria na presidência, como Moscou
insiste, ao mesmo tempo em que se reduziria o poder de Assad sobre a parte do
país controlada pela oposição e seus laços com Teerã e o Hezbollah.
Mark Katz |
Mas
Mark Katz, especialista em política russa para o Oriente Médio na George Mason University, não vê
possibilidade de uma entente
russo-saudita, observando que Bandar já tentou várias vezes construir esse
relacionamento, sem sucesso.
Não
estou dizendo que seja impossível, mas Bandar já tentou várias
vezes
– diz Katz. Aconteça o que acontecer nas
relações sauditas-EUA, fato é que os sauditas não confiam nos russos e não
querem ter russos ativos na Região. Qualquer coisa que envolva os russos deixa
os sauditas nervosos.
Acrescentou
que os duros comentários do rei Abdullah foram, mais provavelmente, uma espécie
de “toque de alerta”, para os EUA. E que o fato de os sauditas estarem do mesmo
lado [apoiando os militares egípcios] em que está Israel, está fortalecendo os
sauditas. (Inter Press Service).
[*] Jim
Lobe (nascido
em 4 de janeiro de 1949, em Seattle, Washington) é um jornalista americano e o
chefe do escritório de Washington da IPS - Inter Press Service. Trabalhou na Foreign Policy In Focus, na Oneworld.net, na Alternet, em TomPaine.com, no Asia Times e outras publicações de
notícias de internet. Lobe é mais conhecido por sua crítica da política externa
dos EUA, ao militarismo americano, crítico do anti-semitismo, com especial
destaque na crítica aos neo-conservadores, sua visão de mundo, sua relação com
outras tendências políticas e sua influência na administração Bush.
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