30/8/2013, [*] Dmitry Babich, The BRICS Post, Moscou
Traduzido
pelo pessoal da Vila
Vudu
Barack Obama |
Obama
encolheu-se. Quando disse na 4ª-feira que “não tomei uma decisão” e falou de
“resposta limitada” à crise Síria, não agia nem falava como os presidentes dos
EUA sempre agiram e falaram desde a primeira guerra contra o Iraque, em 1991.
(Nem Clinton, nem os Bushs, pai e filho, jamais falaram de “limitações”, em
circunstâncias semelhantes).
Os parceiros menores de Obama na Grã-Bretanha e
França rapidamente passaram a copiar o chefe, imitando-o nas vacilações,
exatamente como, na véspera, haviam-no imitado na “firmeza”. O Primeiro-Ministro
britânico David Cameron também alterou repentinamente o tom de voz, ao repetir
pela infinitésima vez a mesma mentira sobre a Grã-Bretanha ‘não tomar partido’
no conflito sírio.
David Cameron por DonkeyHotey |
A verdade, sobre tomar lados, ou, de fato, tomar um lado, é
que Grã-Bretanha, EUA e outros países ocidentais já escolheram lado há tempos,
em 2011 ou possivelmente antes.
Pior
que isso: Cameron encontrou oposição decidida aos seus planos de intervenção, em
285 deputados do Parlamento Britânico – momento excepcional para um parlamento
que sequer foi consultado sobre o ataque à Iugoslávia em 1999 ou sobre a
ocupação do Iraque em 2003.
O
presidente da França, François Hollande, que havia dito há apenas um dia que a
França estava pronta para “castigar os que matam a gás gente inocente”, também
repentinamente toma o caminho de uma reunião com o líder da oposição síria, em
vez de gritar a ordem de ataque à força aérea francesa. Mudança nada francesa.
Até, de certo modo, um pouco... “vegetariana”?!
François Hollande por DonkeyHotey |
É claro que não faltaria ocasião
para conversas com líderes da oposição síria, DEPOIS de a França ter “castigado”
Damasco! (Líderes de “conselhos” e “coalizões” da oposição síria existem às
dúzias e foram trocados como quem troca de lenço por EUA e União Europeia ao
longo dos dois últimos anos. Que um deles tivesse de esperar um dia ou dois pelo
encontro com Hollande absolutamente não seria problema).
Os
membros da União Europeia também exibiram graus variados de tremedeira, frio na
barriga e encolhimento – outro evento raríssimo, num corpo que “carimbou” tantas
intervenções passadas.
Em
reunião dos ministros de Relações Exteriores da União Europeia, só a Dinamarca
manifestou desejo ativo de ir à guerra, com as devidas desculpas aos
“entusiastas da guerra” (desculpem: aos entusiastas do “ataque limitado”).
Itália, Polônia e Países Baixos foram acometidos de repentina síndrome de
abstinência de mandado da ONU (nunca precisaram de mandado da ONU antes, nem
quando atacaram a Iugoslávia, nem quando ocuparam o Iraque).
Reunião dos Ministros das Relações Exteriores da União Europeia em Vilna, Lituânia |
Em
reunião de embaixadores da OTAN, sequer citaram a palavra Síria. A OTAN, nesse
alto nível, declarou que preferia afastar-se da situação na Síria. Estranha
atitude da organização que prometera ação “em todos os azimutes”. Ao que parece,
a Organização do Tratado do Atlântico Norte decidiu imitar a atitude do
proverbial sábio sábio oriental, que se senta à beira do rio e espera que passe
por ali, trazido por aquelas puras águas, o cadáver de seu inimigo. É possível
que o inimigo por cujo cadáver a OTAN espera seja o presidente Bashar al-Assad
da Síria, mas talvez espere algum outro cadáver, porque todos os líderes da OTAN
também já se puseram a dizer que “não planejam forçar mudança de regime” em
Damasco.
Os
cálculos fracassados dos “estrategistas de guerra”
Em
momentos como os que estamos vivendo, a hipocrisia começa a trabalhar contra os
hipócritas. É claro que os países ocidentais têm feito o diabo para que haja
“mudança de regime” em Damasco, e desde o começo das hostilidades em 2011! Por
que outro motivo derramariam ali tanto sangue e tanta tinta (e bits) e
tanto dinheiro? E é claro que os mesmos países continuam a buscar hoje a mesma
“mudança de regime” em Damasco.
Bashar al-Assad |
Mas
os cálculos fracassados, os erros de cálculo dos estrategistas ocidentais,
esses, sim, já estão aí à vista de todos: o governo do presidente Assad
comprovou ser muito mais estável e resistente do que esperado (a previsão é que
seria derrubado há dois anos, em 2011). Essa resistência explica-se em parte
pela crueldade, pela violência e pelo extremismo da oposição islamista síria –
algo que a imprensa-empresa ocidental e seus “especialistas” jamais noticiaram
ou comentaram satisfatoriamente.
Execuções públicas e interpretações extremistas
da lei da Xaria afastaram o povo sírio, da “oposição” – mudança que, mais uma,
também foi mantida absolutamente ocultada da opinião pública, pela mesma
imprensa-empresa ocidental. (O famoso colunista do New York Times, Thomas
Friedman, disse que, havendo eleições livres e limpas na Síria, Assad seria
eleito; mas só o disse em reunião com jornalistas russos, nunca em sua coluna).
A
situação de Assad permanecer no poder é terrivelmente embaraçosa para o
establishment nos EUA, e essa é uma das razões da atual escalada. A
tentação de corrigir os erros dos especialistas mediante bombardeio cerrado
(bombardear Assad até obrigá-lo a deixar o poder e assim “provar” que os
especialistas acertaram as previsões, embora com pequeno atraso) – é tentação
forte demais. E o tempo voa: vai-se tornando cada vez mais difícil para a
imprensa-empresa e para a comunidade de “especialistas” encobrir os erros e
crimes da oposição síria. (Casos de mercenários da oposição que torturaram
forças leais a Assad e ataques até contra jornalistas ocidentais já apareceram
recentemente, no New York Times). Por tudo isso, de um ponto de vista de
Propaganda & Relações Públicas, chegou a hora de os EUA “agirem”.
Thomas Friedman |
Mas
por que, afinal, Obama e seus aliados europeus encolheram-se? Não é muito
difícil descobrir a linha de pensamento de Obama: se meus especialistas erraram
uma vez, e avaliaram mal a força militar de Assad e sua popularidade entre os
sírios, o que garante que não errem outra vez?
Obama
conhece o real valor dos “conselheiros” que o cercam, saídos de
think-tanks nos quais foram treinados, no tempo de Reagan, para sempre
oferecer previsões otimistas - do tipo que os governantes gostam de ouvir –
sobre o Iraque e a Líbia, a Ucrânia e a Geórgia.
Fato
é que os últimos dez anos viram fracassar inúmeros prognósticos construídos por
“especialistas” da Casa Branca – e não só no Iraque e no Afeganistão. Na Ucrânia
e na Geórgia, repúblicas da ex-União Soviética, que os conselheiros
norte-americanos tentaram converter simultaneamente em repúblicas afluentes e
anti-Rússia, as forças pró-EUA sofreram derrotas eleitorais humilhantes, que a
inteligência dos EUA, mais uma vez, não soube prever. Mas em vez de
responsabilizar os “especialistas” incompetentes (demitindo-os, por exemplo), o
establishment dos EUA usa a ação militar para “corrigir” os erros deles.
O
maior medo de Obama é: e se a sorte abandonar o presidente dos EUA, outra vez? É
quando Obama fraqueja e vacila. Mais uma vez, Obama deixa ver o seu principal
traço de personalidade – a indecisão, a incapacidade para resolver. Mas sorte do
mundo (embora seja caso raríssimo), em que a indecisão e a incapacidade para
resolver talvez poupem o mundo de mais um desastre.
Anthony Zinni |
Obama
é, hoje, um homem dividido entre dois impulsos conflitivos – o desejo de
mostrar-se “durão” frente ao Congresso e parte do público norte-americano, e o
medo das consequências não previstas e não desejadas de sua guerra “limitada”. O
Marine aposentado, general Anthony Zinni, lembrou ao presidente que Não existe gravidez “limitada”, triste
verdade, que o Washington Post publicou. Quem vai à guerra tem de estar
preparado para lutar até o fim.
Tudo
isso pode levar a uma perigosa repetição do início da 1ª Guerra Mundial – todos
os chefes de estado que iniciaram hostilidades naquele momento queriam uma
guerra “limitada”. Todos eles contavam com que o seu próprio país escaparia
impune. Todos só queriam “mandar um recado” que lançaria aos pés de cada um o
espólio geopolítico com que cada um sonhava. O “recado” que a realidade
mandou-lhe de “resposta”, foi terrível: 17 milhões de mortos e três impérios
destroçados.
Obama
deveria ouvir esse “recado”, antes de cogitar de mandar “recados” ao presidente
Assad da Síria.
[*]
Dmitry
Babich
é jornalista russo, com base em Moscou, onde trabalhou para vários jornais
(Komsomolskaya Pravda, Moscow News e Ria Novosti dentre
outros). Atualmente é analista político do jornal Voice of Russia.
Eventualmente produz matérias para o The BRICS
Post.
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