1/8/2013, [*] M K Bhadrakumar, Asia Times Online
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu
Ver
também: 1/6/2011, redecastorphoto em: “O
retorno de Bandar” (22/4/2011, John Hannah, Foreign Policy)
traduzido.
Bandar bin Sultan tomando "chá-de-cadeira"... |
Quando
o “príncipe saudita preferido” da CIA – que foi como o jornal israelense
Há’aretz descreveu, semana passada, o chefe da inteligência da Casa de
Saud, príncipe Bandar bin Sultan – aterrissou em Moscou no seu jato particular,
na 4ª-feira, e rumou diretamente para Novo-Ogarevo, subúrbio da capital, para um
encontro com o presidente Vladimir Putin em sua residência, não se viu o
“corre-corre” ao qual esse espião-chefe está habituado e com certeza esperava.
Dmitry Peskov |
A
agência russa de notícias Itar-Tass publicou relato frio, citando o porta-voz do
Kremlin, Dmitry Peskov, que disse que o príncipe saudita e Putin discutiram
“ampla gama de questões das relações bilaterais, da situação no Oriente Médio e
Norte da África”.
Evidentemente,
os russos não querem disparar rumores e especulações, num momento em que surge
nova criticalidade em torno da situação síria – e a mística que cerca Bandar
alimenta-se de rumores. De fato, no mesmo dia em que o jato de Bandar pousava em
Moscou, as forças sírias “libertaram” a estratégica cidade de Homs, que a
oposição, em discurso delirante fantasioso já chamava de sua “capital
revolucionária”.
Com
isso, o governo sírio reconquistou o controle sobre todas as províncias centrais
do país, atravessadas pelas duas rodovias estratégicas que ligam a capital
Damasco, respectivamente, a Aleppo, no norte; e ao porto mediterrâneo de Tartus,
onde a Rússia mantém uma base da Marinha desde o tempo dos soviéticos.
Mapa rodoviário da partecentro-norte da Síria (Clique na imagem para visualisar melhor) |
Nosso
homem em Riad
Martin Dempsey |
Bandar
é o homem chave da Arábia Saudita para a Síria. Recentemente, no último fim de
semana, o rei Abdullah nomeou-o diretor-geral da Agência de Inteligência
Saudita, posto que acumulará com o de secretário-geral do Conselho de Segurança
Nacional. A nomeação está sendo vista por praticamente todos os envolvidos como
indicação de uma nova fase no movimento saudita por “mudança de regime” na
Síria.
Já
é, pois, bem claro, que o governo Obama decidiu envolver-se servindo-se da CIA,
não do Pentágono, na guerra civil síria. Obama optou por operações da CIA, não
por qualquer operação militar direta, depois de alertado pelo comandante dos
Chefes do Estado-Maior das Forças dos EUA, Martin Dempsey, de que intervenção
militar na Síria mobilizaria “centenas de aviões, navios, submarinos e outros
itens”, com custo que se calcula “na ordem de bilhões”.
Os
americanos têm Bandar em altíssima conta, como “gente-que-faz” – praticamente
como um deles; e, como se lê no Há’aretz, “Bandar é considerado o homem
da CIA em Riad”.
Rei Abdullah |
Bandar
foi embaixador saudita em Washington durante 22 anos sem interrupções e
mostrou-se interlocutor inestimavelmente importante para vários presidentes
norte-americanos, a ponto de ter recebido total proteção, pelos serviços
secretos dos EUA como agente da segurança nacional dos EUA – o que é no mínimo
muito estranho, na história da diplomacia universal.
Em
termos claros: a nomeação de Bandar para o posto de espião-chefe significa que o
rei Abdullah o pôs na cadeira do piloto para dirigir o monstro
saudita-norte-americano que tem esperança de avançar pela estrada de Damasco,
inobstantes os atuais (e ainda não superados) obstáculos.
Afinal
de contas, Bandar fez serviço excepcional no Afeganistão nos anos 1980s e
assegurou que os Mujahideen fossem mantidos bem abastecidos por fluxo não
interrompido de dinheiro e/ou de armas para fazer sangrar o Exército Soviético
Vermelho, enquanto seu cunhado, o príncipe Turkei, então encarregado da
inteligência saudita, construía alianças com aquela gente perigosa que, adiante,
se metamorfoseou e ressurgiu como al-Qaeda.
Bashar al-Assad |
Bandar
comanda o rebanho de linhas-duras dentro do regime saudita, que nada aceitam,
senão a derrubada do presidente sírio Bashar Al-Assad. O que o levou a Moscou,
4ª-feira, foi, obviamente, a Síria.
Semelhança
fantasmagórica
De
fato, chegou a cogitar de só dar uma passada e deixar o cartão. Bastaria isso,
porque uma visita de Bandar implica que os sauditas reconhecem, sim, o
importante sucesso da robusta política que Putin construiu para a Síria.
Mas...
Fato é que Bandar tem genuína aversão a revoluções (em terras árabes) e
considera a Fraternidade Muçulmana uma ameaça existencial equivalente à ascensão
do Irã. Ouviu dizer em algum canto que haveria espaço para desenvolver um campo
de interesses comuns com Moscou – que tampouco faz segredo do incômodo que lhe
causam os Irmãos.
A
agenda saudita sempre é criar a maior quantidade possível de desentendimento
entre russos e iranianos; nesse caso, a visita ‘'daria a impressão'’ de que Moscou
poderia estar tentada a abrir ‘'uma segunda trilha'’ política em relação à Síria.
O problema é que, dessa vez, Bandar errou muito grosseiramente no timing
da visita.
Os
russos evidentemente sabem que Bandar participou recentemente de reuniões de
coordenação em Washington e em Tel Aviv, durante as quais todos os presentes
dedicaram-se a inventar novos meios para aumentar a pressão militar sobre o
exército sírio, fornecendo mais armas aos rebeldes (inclusive a grupos ligados à
al-Qaeda no norte da Síria) – e para enfraquecer o Hezbollah, cujos combatentes
lutam ao lado do exército sírio.
Impressionante:
a política de Obama está mostrando semelhança fantasmagórica com a estratégia
que Jimmy Carter e Zbignew Brzezinski cerebraram, depois da intervenção
soviética no Afeganistão – sangrar o Exército Vermelho em guerra clandestina
mantida pelos milhões dos xeiques dos petrodólares.
Enquanto
isso, o foco russo está em pavimentar uma via política que leve as coisas até as
eleições presidenciais sírias, previstas para 2014. Mas o problema de
EUA-Israel-Sauditas é que, nesse projeto, Assad tem alta probabilidade de vencer
as eleições e de vir a governar a Síria com ainda mais legitimidade do que
jamais antes, se se considera a situação atual.
Fato
acima de qualquer discussão é que, para parte muito substancial do povo sírio,
Assad é o último anteparo que ainda resta entre o povo sírio e o dilúvio que se
alastra por todo o Oriente Médio muçulmano.
Então,
Bandar entra em cena. O forte do príncipe saudita está em manobrar os salafistas
como instrumento de política regional, algo que se encaixa perfeitamente nas
geoestratégias norte-americanas mais amplas para o chamado “Oriente Médio
Expandido” (que inclui o Afeganistão e a Ásia Central).
Oriente Médio Expandido (em vermelho área do CENTCOM) Clique na imagem para visualisar melhor |
O
golpe no Egito, apoiado pelos sauditas, reforça o eixo EUA-sauditas na Síria. O
governo de transição no Cairo já reverteu à total cooperação com o
establishment da segurança israelense da era Mubarak, o que muito agrada
a Washington. Mais importante que isso, Riad e Cairo deram uma grande mão para o
reinício das congeladas conversações de paz no Oriente Médio, ação que atende
muito bem à necessidade dos EUA, que precisam, desesperadamente, aparecer como
mediadores benevolentes.
Acima
de tudo, a marginalização do Qatar tirou o bode da sala e fez gorar as
pretensões da Turquia de aparecer como líder dos povos árabes. E, assim, o eixo
EUA-Sauditas tem melhor controle sobre a guerra clandestina na Síria.
“Um
tapa na cara”
Com
certeza, Bandar desejava aferir os humores em Moscou, num momento em que as
relações EUA-Rússia aproximam-se de um impasse – no caso do ex-agente da CIA e
vazador de informações secretas, Edward Snowden.
Em
poucas palavras: é alta a probabilidade de que o conflito sírio ganhe uma nova
dimensão geopolítica, envolvido na rivalidade das grandes potências. O influente
senador John McCain disse, na 5ª-feira, que a decisão de Moscou sobre Snowden é
“um tapa na cara de todos os norte-americanos”; e disse em declaração
oficial:
John McCain |
Agora
é a hora de repensarmos fundamentalmente nossa relação com a Rússia de Putin.
Temos de lidar com a Rússia que há, não com a Rússia que gostaríamos que fosse.
Não podemos permitir que a ação de Putin hoje
[de dar asilo a Snowden por um ano] fique
sem nenhuma repercussão séria. A ação da Rússia de Putin hoje deve acabar com as
ilusões que ainda restem em muitos norte-americanos sobre a Rússia dos últimos
poucos anos. Há muito tempo precisamos adotar abordagem mais realista das nossas
relações com a Rússia, e espero que comecemos
hoje.
Simultaneamente,
a mídia russa noticiou a interceptação de uma mensagem dirigida a “jihadistas”
do Norte do Cáucaso, para que se unam à guerra santa na Rússia, em vez de
avançar para a Síria; e para que “se preparem para os chamados Jogos Olímpicos
em Sochi [fevereiro de 2014].” Desde a “jihad afegã”, o Kremlin sabe que
Bandar é freguês perigoso.
A
agência Itar-Tass fez magnífico trabalho de fotojornalismo: publicou foto
(acima, no topo do artigo) de Bandar, corpulento, sentado numa espécie de trono
dourado, ao lado de trono maior, vazio; está sozinho, pensativo, presumivelmente
numa sala de espera na casa de Putin – tomando um chá-de-cadeira.
________________________________
[*] MK Bhadrakumar foi diplomata de carreira do Serviço
Exterior da Índia. Prestou serviços na União Soviética, Coreia do Sul, Sri
Lanka, Alemanha, Afeganistão, Paquistão, Uzbequistão e Turquia. É
especialista em questões do Irã,
Afeganistão e Paquistão e escreve sobre temas de
energia e segurança para várias publicações, dentre as quais The Hindu, Asia Times Online e Indian
Punchline.
É o filho mais velho de MK Kumaran (1915–1994), famoso escritor, jornalista,
tradutor e militante de Kerala.
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