30/8/2013,
[*] MK Bhadrakumar, Indian
Punchline
Traduzido
pelo pessoal da Vila
Vudu
David Cameron derrotado ontem na Câmara dos Comuns (Parlamento inglês) |
Que
magnífico debate, ontem à noite, na Casa dos Comuns, transmitido ao vivo, que
levou aos votos
contra os ingleses participarem de qualquer ataque militar contra
a Síria!
É
fácil dizer que a Grã-Bretanha ainda não exorcizou os fantasmas do Iraque. Mas o
primeiro-ministro David Cameron entendeu que o povo britânico não quer uma
guerra no Oriente Médio e ergueu-se para declarar, firme e inequivocamente, que
está farto da agenda de guerra contra a Síria. (Se ter, afinal, entendido isso
conseguirá salvar sua carreira política é outro assunto.) Mas o mais
impressionante é que, afinal, o sistema democrático ocidental começa a militar
contra a guerra. Aquelas centenas de milhares de iraquianos que morreram não
morreram em vão. Longa vida à democracia!
É
a primeira vez desde depois da crise do canal de Suez em 1956, que Grã-Bretanha
e EUA não conseguem manter-se juntos num grande projeto internacional. Claro que
os EUA, superpotência militar, ainda podem “avançar sozinhos”, como o governo
Obama parece ainda insistir que fará.
Hans Blix |
Mas
há fortes correntes políticas subjacentes. A Grã-Bretanha é reconhecida pela
extraordinária experiência no cenário de guerra do Oriente Médio e o
desengajamento dos britânicos influenciará o pensamento europeu. O artigo
de Hans Blix,
ex-inspetor-chefe
da ONU para armas no Iraque, publicado no Guardian é um primeiro sinal de
alerta, que ressoará no discurso europeu.
No
pé em que estão as coisas, só a França – e, isso, se o Parlamento francês
aprovar, depois do debate de 4ª-feira – ainda pode mostrar disposição para
envolver-se na Síria. A Alemanha já tomou a iniciativa de forjar posição comum
com a Rússia, favorecendo solução política e diplomática e afirmando
o primado da ONU.
E
a Itália mantém-se desdenhosamente distanciada.
Tampouco
outros aliados chaves – Japão, Austrália e Coreia do Sul – dão sinais de estarem
apaixonadamente envolvidos em mais essa empreitada de guerra dos EUA. A coisa,
assim, aparece como negócio exclusivo entre EUA e seus aliados árabes sunitas (e
Turquia). Israel
foi suficientemente esperta para
antecipar o que vinha vindo.
Barack Obama (por Domket Hotey) |
Na
próxima semana, Obama viajará à Rússia, para participar de reunião do G-20, onde
ouvirá muito ceticismo sobre qualquer ataque contra a Síria. A reunião do G-20
deverá ser evento muito mais teatral do que os “sherpas” planejavam – muito mais
focada na paz mundial, que na economia mundial.
A
melhor coisa que pode acontecer lá será os estadistas do mundo reunidos em São
Petersburgo ressuscitarem a via política e concordarem em trabalhar juntos num
novo mapa do caminho que leve a Genebra-2.
Contudo,
se Obama abandonar a ideia de “punir” o regime sírio, pode dar a impressão aos
aliados sunitas dos EUA que os estaria “abandonando”. A real apreensão dos
sunitas é que Irã e o Hezbollah estejam ganhando em estatura e em influência
regional.
Por
outro lado, o Congresso dos EUA e – interessante! – influentes setores da
imprensa-empresa nos EUA começam a manifestar preocupação, a questionar a razão
de ser de outro ataque militar e o objetivo a que o ataque serviria, e alertam
para os graves riscos envolvidos.
De
fato, se Obama desistir dos planos militares, será acusado ainda mais
ferozmente, de ser “fraco” e “indeciso”. Nesse final de semana, Obama terá de
tomar a mais difícil decisão de toda a sua vida política. Um momento no qual
está em jogo a própria
definição de sua presidência.
Verdade
é que o mundo está diante de uma semana de transformações gigantescas para toda
a política mundial. Por um lado, o papel dos EUA como liderança mundial está sob
pressão sem precedentes que lhe vem de seus próprios aliados: todo o sistema da
aliança ocidental pode nunca mais voltar a ser o mesmo de antes.
Mulheres passeiam com criança em "Diriyah"antiga capital da Arabia Saudita |
Dito
ainda metaforicamente, estamos testemunhando os estertores finais da hegemonia
ocidental no Oriente Médio. A China aguarda nas coxias. O empoderamento dos
xiitas no Iraque e a Primavera Árabe libertaram forças históricas que se vão
tornando incontroláveis.
O
crescimento do Irã não poderá ser contido, o que deixa ver que o confronto
EUA-Irã não poderá continuar a ser adiado por mais muito tempo.
As
implicações disso são extremamente graves para a Arábia Saudita, também, até
agora o estado-pivô de toda a estratégia regional dos EUA no Oriente Médio
muçulmano. Não surpreendentemente, comentaristas
sauditas já
começam a exigir que Obama não use meros mísseis Cruisers, “como ação
disciplinar” contra o regime sírio, mas que também “salve o povo sírio das
garras de um regime criminoso”, para que sírios tenham chance de viver sob
governo que “respeite suas crenças e sua identidade” de sunitas.
[*] MK Bhadrakumar foi diplomata de carreira do Serviço
Exterior da Índia. Prestou serviços na União Soviética, Coreia do Sul, Sri
Lanka, Alemanha, Afeganistão, Paquistão, Uzbequistão e Turquia. É especialista
em questões do Irã, Afeganistão e Paquistão e escreve sobre temas de energia e
segurança para várias publicações, dentre as quais The Hindu,Asia Times Online e
Indian Punchline. É o filho mais velho de MK Kumaran (1915–1994), famoso
escritor, jornalista, tradutor e militante de Kerala
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