24/8/2013, Al-Monitor
Traduzido pelo
pessoal da Vila
Vudu
Ver
também
1/8/2013,
redecastorphoto em: “Um espião tentou escalar o muro do
Kremlin”, M K Bhadrakumar, Asia Times Online
Entreouvido
na Vila Vudu: Mais
um artigo que é uma merda: só fala de petróleo e dinheiro e trabalha a favor de
mais guerra; e põe presidentes e espiões e reis como os protagonistas da
história. Mas é da luta. A conversa dos dois aí interessa, sim, não porque seja
tudo que temos de saber, mas
porque é o mínimo que os pobres
temos de saber. Ou os pobres ficaremos para sempre condenados a dar xiliques
“antiguerra” ou a repetir papim metido a “humanitário” à moda Obama, ou a chorar
mortos sempre pobres.
Bandar bin Sultan numa reunião com Vladimir Putin (Moscou em 2/8/2007) |
Um
relatório diplomático sobre a “reunião tempestuosa” em julho entre o presidente
Putin da Rússia e o chefe da inteligência saudita príncipe Bandar bin Sultan
concluiu que a região compreendida entre o Norte da África e a Chechnya e do Irã
à Síria – em outras palavras, todo o Oriente Médio – resultou sob a influência
de um confronto direto EUA-Rússia e que “não é improvável que a coisas venham a
tomar rumo dramático no Líbano, no sentido político e de segurança, à luz da
decisão central dos sauditas de responder ao envolvimento do Hezbollah na crise
síria”.
Abdullah bin Abdul Aziz |
O
relatório começa por expor as condições sob as quais se realizou o encontro
russo-saudita. Lá se lê que o príncipe Bandar, em coordenação com os EUA e
alguns parceiros europeus propôs ao rei saudita Abdullah bin Abdul Aziz que
Bandar visitasse Moscou e aplicasse a tática de cenoura-e-porreete,
frequentemente usada, e oferecesse aos russos estímulos políticos, econômicos,
militares e de segurança, em troca de concessões em várias questões regionais,
em especial na Síria e no Irã.
O
rei Abdullah aceitou a proposta e fez contato com o presidente Putin dia 30 de
julho. Em conversa de apenas alguns minutos, ambos acertaram a visita de Bandar
e que o que fosse discutido permaneceria secreto. Bandar chegou a Moscou. A
visita foi secreta. A embaixada saudita não seguiu o protocolo usual para altos
funcionários sauditas em visita à Rússia.
Em
Moscou, houve uma primeira rodada de conversas no quartel da inteligência
militar russa entre Bandar e o chefe da Inteligência Militar Russa, general Igor
Sergon. Falaram de cooperação de segurança entre os dois países. Bandar então
visitou Putin em sua residência, nos arredores da capital, onde tiveram reunião
a portas fechadas que durou quatro horas. Discutiram a agenda: questões
bilaterais e várias questões regionais e internacionais nas quais os dois países
têm interesses.
Relações
bilaterais
No
plano bilateral, Bandar transmitiu saudações do rei saudita a Putin falou da
ênfase que o rei dá à importância de desenvolver relações bilaterais. Disse
também a Putin que o rei abençoaria qualquer entendimento firmado naquela
visita. Bandar disse também que “qualquer entendimento a que cheguemos nessa
reunião será não apenas um entendimento saudita-russo, mas, também, um
entendimento EUA-Rússia. Falei com os americanos antes de embarcar para cá e
eles prometeram cumprir qualquer entendimento que firmemos aqui, especialmente
se concordarmos no modo de abordar a questão síria”.
Bandar
destacou a importância de desenvolverem-se relações entre os dois países; disse
que a lógica dos interesses pode demarcar vastas áreas de cooperação. Deu vários
exemplos nas arenas econômica, de investimentos, do petróleo e militar.
Bandar
disse a Putin:
Há
muitos valores e objetivos comuns que nos aproximam, muito especialmente a luta
contra o terrorismo e o extremismo em todo o mundo. Rússia, EUA e os sauditas
concordam em promover e consolidar a paz e a segurança internacionais. A ameaça
terrorista está crescendo, à luz dos fenômenos que a Primavera Árabe disseminou.
Perdemos alguns regimes. E o que recebemos em troca foram experiências
terroristas, como se viu na experiência com a Fraternidade Muçulmana no Egito e
os grupos extremistas na Líbia. (...) Por exemplo, posso dar-lhe a garantia de
que serão protegidos os Jogos de Inverno na cidade de Sochi, no Mar Negro, no
próximo ano. Os grupos chechenos que ameaçam a segurança dos jogos são
controlados por nós, e não se movimentarão na direção do território sírio sem se
coordenarem conosco. Esses grupos não nos assustam. Nós os usamos contra o
regime sírio, mas não terão papel ou influência no futuro político da Síria.
Putin
agradeceu a saudação do rei Abdullah e a exposição que Bandar lhe fizera, mas
disse a Bandar:
Nós
sabemos que vocês apoiaram durante uma década os grupos terroristas chechenos. E
aquele apoio, do qual você acaba de falar francamente, é absolutamente
incompatível com os objetivos comuns de combater o terrorismo global a que você
se referiu. Temos interesse em desenvolver relações de amizade segundo
princípios claros e firmes.
Bandar
disse que a questão não se limita ao reino e que alguns países infringiram as
regras que o reino definira, como o Qatar e a Turquia. Acrescentou que:
Dissemos
isso diretamente aos qataris e aos turcos. Rejeitamos o apoio que dão à
Fraternidade Muçulmana no Egito e em outros pontos. O papel dos turcos hoje se
tornou semelhante ao do Paquistão na guerra afegã. Não favorecemos regimes
religiosos extremistas, e queremos estabelecer regimes moderados na região. Vale
a pena prestar atenção e acompanhar a experiência do Egito. Continuaremos a
apoiar o exército [egípcio] e apoiaremos o Ministro da Defesa general Abdel
Fattah al-Sisi, porque está disposto a ter boas relações conosco e com vocês.
Sugerimos que vocês fiquem em contato com ele, que o apoiem e lhe deem todas as
condições para que tenha sucesso em seu experimento. Estamos prontos a firmar
negócios de armas com vocês, em troca de apoio àqueles regimes, especialmente ao
Egito.
Cooperação
econômica e no petróleo
Bandar
então passou a discutir a potencial cooperação entre os dois países, para o caso
de chegarem a um bom acordo em várias questões, especialmente a Síria. Expôs
longamente a questão da cooperação do petróleo e de investimentos, dizendo:
Vamos
examinar um modo de implantar uma estratégia unificada russo-saudita para o
petróleo. O objetivo e concordar sobre o preço e as quantidades de produção e
manter estável o preço nos mercados globais de petróleo. (...) Entendemos o
grande interesse da Rússia no petróleo e no gás que há no Mar Mediterrâneo, de
Israel a Chipre através do Líbano e da Síria. E entendemos a importância do
gasoduto russo para a Europa. Não temos interesse em competir com isso. Podemos
cooperar nessa área, bem como nas áreas de estabelecer refinarias e indústrias
petroquímicas. O reino pode prover investimentos de muitos bilhões de dólares em
vários campos no mercado russo. O que importa é concluir um bom entendimento
político em várias questões, particularmente a Síria e o Irã.
Putin
respondeu que as propostas sobre petróleo e gás, cooperação e investimentos
econômicos poderiam ser estudadas pelos ministérios relevantes, nos dois países.
Primeiro
a Síria
Bandar
discutiu longamente a questão síria. Explicou como evoluiu a posição do reino
sobre a crise Síria, desde o incidente de Daraa, até o que está acontecendo
hoje. Disse que:
(...)
o regime sírio está acabado, no que tenha a ver conosco e com a maioria do povo
sírio. [O povo sírio] não permitirá que o presidente Bashar al-Assad permaneça
no comando. A chave para as relações entre nossos dois países começa por
compreender nossa abordagem para a questão síria. Os russos têm de parar de dar
apoio político [ao regime sírio], especialmente no Conselho de Segurança da ONU,
além de apoio militar e econômico. E garantimos que os interesses russos na
Síria e na costa mediterrânea não serão afetados em nada. No futuro, a Síria
será governada por regime moderado e democrático que será diretamente
patrocinado por nós e que será compreensivo ante os interesses russos e o papel
da Rússia na região.
A
intransigência da Rússia beneficia o Irã
Bandar
também expôs a visão da Arábia Saudita sobre o papel do Irã na região,
especialmente no Iraque, Síria, Líbano, Palestina, Iêmen, Bahrain e outros
países. Disse que esperava que os russos compreenderiam que os interesses russos
e os interesses dos estados do Golfo são os mesmos, face à ganância dos
iranianos e ao desafio nuclear.
Putin
expôs a posição de seu país sobre os desenvolvimentos da Primavera Árabe,
especialmente sobre o que aconteceu na Líbia. Disse que:
(...)
estamos muito preocupados com o Egito. E entendemos o que o exército egípcio
está fazendo. Mas estamos sendo muito cautelosos na abordagem do que está
acontecendo, porque tememos que as coisas deslizem para uma guerra civil no
Egito, que custaria muito cara aos egípcios, aos árabes e à comunidade
internacional. Quis fazer uma rápida visita ao Egito. E a questão ainda está em
discussão.
Sobre
o Irã, Putin disse a Bandar que o Irã é país vizinho, que Rússia e Irã são
ligados por relações seculares e que há interesses comuns e partilhados entre os
dois países. Putin disse que:
Hassan Rouhani |
(...)
apoiamos a aspiração dos iranianos de produzir combustível para finalidades
pacíficas. E ajudamos os iranianos a desenvolver suas instalações nessa direção.
Evidentemente, reiniciaremos as negociações com eles como parte do grupo 5P+1.
Vou-me reunir com o presidente Hassan Rouhani à margem das reuniões da cúpula da
Ásia Central e discutiremos várias questões bilaterais, regionais e
internacionais. Informaremos o presidente Rouhani que a Rússia opõe-se
completamente a o Conselho de Segurança da ONU impor novas sanções contra o Irã.
Entendemos que as sanções impostas contra o Irã e os iranianos são injustas e
não repetiremos outra vez a experiência.
Erdogan
visitará Moscou em setembro
Sobre
a questão turca, Putin falou de sua amizade com o Primeiro-Ministro Recep Tayyip
Erdogan:
Recep Erdogan |
A
Turquia também é país vizinho, com o qual temos interesses comuns. Estamos
dispostos a desenvolver nossas relações em vários campos. Durante a reunião
turco-russa, examinamos as questões sobre as quais concordamos e outras, nas
quais discordamos. Descobrimos que temos mais ideias convergentes, que ideias
divergentes. Já informei os turcos e reiterarei minha posição quando encontrar
meu amigo Erdogan, que entendo que o que está acontecendo na Síria exige dos
turcos uma abordagem diferente. A Turquia não será imune ao banho de sangue na
Síria. Os turcos devem empenhar-se mais para encontrar uma solução política para
a crise síria. Estamos certos de que o acordo político na Síria é inevitável e,
portanto, eles têm de reduzir os danos. Esse desacordo com os turcos na questão
síria não compromete outros acordos entre nós, no nível econômico e da
cooperação em investimentos. Informamos recentemente aos turcos que estamos
prontos a cooperar com eles para construir dois reatores nucleares. Essa questão
estará na agenda do primeiro-ministro turco, que visitará Moscou em setembro.
Putin:
Nossa posição sobre Assad não mudará
Sobre
a questão síria, o presidente russo respondeu a Bandar:
Bashar al-Assad |
Nossa
posição sobre Assad nunca mudará. Acreditamos que o regime sírio é quem melhor
pode falar na defesa do povo sírio, não aqueles comedores de fígado. Durante a
Conferência Genebra-1, firmamos com os EUA um pacote de entendimentos, e eles
concordaram com que o regime sírio participasse de qualquer tipo de discussão e
acordo. Pouco depois, os EUA renegaram Genebra-1. Em todas as reuniões de
especialistas russos e norte-americanos, reiteramos nossa posição. Em sua
próxima reunião com sua contraparte norte-americana, John Kerry, o Ministro
russo de Relações Exteriores, Sergey Lavrov destacará a importância de que se
empreendam todos os esforços para que se alcance um rápido acordo que ponha fim
à crise síria e que impeça que o banho de sangue prossiga.
Ao
final da fala de Putin, o príncipe Bandar alertou que, à luz do rumo das
conversações, as coisas provavelmente piorarão, especialmente na arena síria,
embora apreciasse e agradecesse que os russos compreendam a posição dos sauditas
no Egito e a prontidão com que apoiaram o exército egípcio, apesar do temor que
lhes inspira o futuro do Egito.
O
chefe dos serviços de inteligência saudita disse que qualquer disputa em torno
da questão síria leva à conclusão de que:
(...)
não há como escapar da opção militar, porque é a única escolha disponível
atualmente, uma vez que o acordo político acabou em impasse. Disse que entende
que a Conferência Genebra-2 será muito difícil, à luz dos acontecimentos em
curso.
Ao
final da reunião, o russo e o saudita concordaram em continuar a conversar,
desde que aquela reunião fosse mantida secreta. Isso, antes que um dos dois
lados vazasse esse relatório através da imprensa russa.
_________________
Nota dos tradutores
[1] Em 21/8/2013: Al-Safir Publishes a Comprehensive Report about
Bandar’s Meeting with Putin: “You Get the Investments and the Oil Price ... But
Give Us Syria!” [trad. ar.ing., Rani Geha e Sahar Ghoussoub]. Al
Monitor.
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