1/3/2014, [*] Conflicts
Forum
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu
O presidente libanês, Michel Suleiman (C) reunião com Presidente do Parlamento Nabih Berri (E) e primeiro-ministro designado Salam Tammam no palácio presidencial em Baabda antes de anunciar a formação do novo governo libanês após um vácuo de 10 meses. (Foto: Dalati e Nohra) |
Há novo
governo no Líbano – embora ainda não tenha recebido o voto de confiança do
Parlamento nem tenha feito, de fato, uma Declaração Ministerial de política de
governo. O novo governo tem 30 dias para construir um consenso dos seus
objetivos e declará-los oficialmente (tarefa difícil, nos tempos atuais, tão
polarizados), e obter o apoio do Parlamento – ou o governo será declarado “vacante”
(tecnicamente, o equivalente a governo que renunciou).
Depois de
onze meses sem governo empossado e com poder (o governo administrativo tem
capacidades mínimas), esse desenvolvimento positivo foi muito bem recebido aqui
no Líbano.
Mas, isso
posto, esse governo terá vida curta (e mesmo que obtenha o voto de confiança do
Parlamento): em maio haverá eleições presidenciais no Líbano e ninguém sabe por
aqui se será possível eleger algum presidente – questão muito discutível
atualmente. Mas o importante é que qualquer sucesso, ainda que relativo, desse
governo “experimental”, pode facilitar a eleição do presidente. Ao contrário,
se fracassar, as perspectivas tornar-se-ão ainda mais turvas.
O novo
governo é, realmente, um experimento. E há gente, aqui no Líbano, surpreendida
(e aflita) pelos muitos riscos inerentes a esse experimento. Dito mais
claramente, o novo governo deve ser entendido como um “piloto”, ou um
barômetro, para algum “entendimento” sobre a Síria. Ou, ampliando um pouco mais
a ideia, uma medida para construir confiança com vistas a algum acordo regional
ainda a ser desdobrado.
O Líbano
várias vezes fez esse papel de “canário-de-mina” (para indicar se o ar é seguro
e respirável, ou se há alta concentração de gases venenosos na atmosfera). Esse
governo “canário-de-mina” fará, efetivamente, exatamente a mesma coisa.
Assim sendo,
o que há de tão significativo sobre esse novo governo? [1]
Em primeiro lugar e sobretudo, o novo governo inclui o Hezbollah (que
deliberadamente não procurou obter qualquer pasta peso-pesado no Gabinete, no
atual alinhamento). Não esqueçamos que, há bem pouco tempo, o
ex-primeiro-ministro Saad Hariri havia vetado qualquer arranjo de governo que
incluísse o Hezbollah. Essa flagrante virada não pode ter acontecido sem, pelo
menos, a tácita aprovação de Riad. E em segundo lugar, os partidos do movimento
14 de Março – mas, muito especialmente, Sayed Hassan Nasrallah – concordou com
inverter, completamente, a tradição política libanesa. [2]
Crianças sírias entoam slogans anti-Exército Sírio Livre e portam cartazes com Secretário-Geral do Hezbollah, Hassan Nasrallah e bandeiras iranianas na área de Sayyida Zeinab de Damasco, 10 de fevereiro de 2014. (Foto: Alaa Al-Marjani) |
Ao longo dos
anos, o Hezbollah e seus aliados cuidaram de manter a capacidade para influir
na esfera da segurança (considerada a sempre presente ameaça israelense), enquanto
o campo do Movimento 8 e Março sempre se interessou por controlar as lucrativas
alavancas econômicas e financeiras dos negócios e do Estado. Neste mais recente
arranjo de novo governo, isso tudo aparece invertido.
É
interessante que o Hezbollah e seus aliados tenham-se focado agora mais nos
ministérios da Energia e das Finanças, exatamente quando o Líbano está para
implantar sua Zona Econômica Exclusiva [orig. Exclusive Economic Zone (EEZ)]
em águas territoriais, para exploração de gás e petróleo, na expectativa de que
o Líbano possa usufruir de fatia significativa do imenso potencial da Bacia do
Levante no Mediterrâneo Leste [orig. East Mediterranean Levant Basin].
Interessante
também que, no momento em que o Líbano está sob ameaça de sunitas extremistas,
os postos chaves da segurança, como os ministérios do Interior e da Justiça,
sejam entregue ao Movimento 14 de Março – não só ao Movimento, mas, também, a
um empenhado ativista anti-Assad (como o ministro da Justiça). Não surpreende
que alguns tenham estranhado que Hassan Nasrallah e o Hezbollah tivessem
aceitado tal arranjo.
É um teste;
um experimento. Dá aos sunitas libaneses (do partido de Hariri) a
responsabilidade por enfrentar o extremismo sunita que emana da Síria: caberá a
eles proteger o Líbano contra os suicidas-bomba takfiri que caem sobre o
Líbano como praga. Em apenas dois anos, as vendas de varejo em Beirute caíram
mais de 1/3, porque pouca gente se arrisca a andar pelas ruas. Os sunitas
libaneses darão conta do recado?
Não é difícil
compreender a significação mais ampla desse movimento: a Arábia Saudita afinal
concordou com a formação de um governo de unidade. Hassan Nasrallah e o general
Aoun (que teve papel importante em tudo isso), estão agora respondendo ao gesto
dos sauditas, reconhecendo os temores dos sunitas e a posição vulnerável em que
são postos, por conta do envolvimento dos xiitas na Síria – o que não implicará
em o Hezbollah ter de desistir do seu envolvimento na Síria. [3]
O Hezbollah retribuiu, concordando em dar aos sunitas do Movimento Futuro
controle efetivo sobre o próprio ambiente deles. É notável gesto de
inteligência política para tranquilizar os sunitas do Líbano, mas também é
medida para construir confiança, apostando que Riad pode vir a pensar sobre um
acordo na Síria.
Claro, o
risco é que o experimento pode ser mal usado – pode acontecer de não facilitar
acordo nenhum na Síria, e, para piorar, pode levar a uma escalada da violência
no Líbano. Mas, se esse “canário” iraniano-saudita permanecer vivo e com boa saúde,
pode servir para pavimentar a via para compreensão semelhante na Síria. Dão-se
garantias de segurança aos sunitas sírios (aqui, falamos dos sunitas sírios não
alinhados com o governo e que temem a influência dos xiitas; de fato, a maioria
dos sunitas sírios não se sente vulnerável aos xiitas, nos quais, em alguns
sentidos, veem aliados; eles só temem os extremistas takfiri). Nesse
quadro, a evidência de que passa a caber à comunidade sunita dominante na
região a tarefa de combater os jihadistas, pode bem ser o movimento
que leve a um “entendimento” político também na Síria. Teremos de esperar para
ver o que acontece.
Há alguma
possibilidade de tudo isso tornar o Líbano mais estável? infelizmente,
não.
O primeiro-ministro Salam Tammam do Líbano (C) entra no palácio presidencial em Baabda, perto de Beirute, 15 de fevereiro de 2014. (Foto: Mohamed Azakir) |
Aqui, é
importante entender como o jihadismo na Síria está evoluindo.
Os salafistas
estão no processo de uma definição radical da doutrina. É um desenvolvimento
que, se se mantiver, os põe, diretamente, em confronto com a autoridade
estabelecida – seja a autoridade do rei Abdallah ou qualquer outra autoridade
sunita formal. Em resumo, aquele ramo dos jihadistas takfiri não dará
importância alguma a nenhum acordo que por acaso possa ser construído entre Riad,
Damasco e Moscou ou Teerã. Eles estão em guerra contra todos os símbolos de
autoridade estabelecida na esfera sunita.
Esses
movimentos estão-se movendo por uma linha “revisionista” da história do “Estado
Islâmico”. Ele não teria surgido em virtude da liderança do Quraish, nem pelos
trabalhos do tradicionalismo árabe; nem pelos esforços de qualquer pessoa (um
Salahidin, por exemplo). Historicamente, em vez disso, o Estado Islâmico teria
surgido como pequenos grupos separados de muçulmanos lutando pelo Islã, que
finalmente se teriam unido para formar o Estado Islâmico. Essa rede de “imãs”-combatentes
teria representado o legítimo Estado Islâmico, até que se fundiram, para formar
uma Umma unificada.
O movimento Da’ish
ou ISIS define-se, precisamente, como um estado – seu líder é o líder
dos que creem. Combate contra outros movimentos islamistas, porque é um
estado, vendo seus rivais potenciais como, simplesmente, uma rebelião
contra um braço do Estado Islâmico. Os pilares tradicionais da autoridade
saudita (a descida do Quraish, os guardiões de Meca; a mesquita estabelecida,
ou al-Azhar) absolutamente nada significam para eles. Não reconhecem a
legitimidade de nenhum rei saudita, para falar em nome de “muçulmanos”.
Paradoxalmente,
com a Arábia Saudita a fazer guerra contra a Fraternidade Muçulmana por sua
doutrina de que a soberania brota do povo, a real ameaça contra a autoridade
saudita foi, de fato, incubada dentro do wahhabismo. A família Al-Saud já não
controla “sua” esfera, como antes. Aquela esfera está fora de qualquer
controle.
Notas de rodapé
[1] 17/2/2014, Al-Akbar, em: “Lebanon’s
government: A ticking time bomb with regional and international controls”
(Governo do Líbano: bomba-relógio com controles regionais e internacionais).
[2] 18/2/2014, Al-Monitor, em: “Lebanon’s new government based on
mutual oversight” (Nova
composição governista do Líbano está baseada em pontos de vistas mútuos)
[3]
10/2/2014, Al-Monitor, em: “Nasrallah:
Hezbollah has “right” to wage “pre-emptive war” in Syria” (Nasrallah:
Hezbollah tem o direito de fazer guerra preventiva na síria”
__________________________
[*] Conflicts Fórum visa mudar a opinião ocidental em
direção a uma compreensão mais profunda, menos rígida, linear e compartimentada
do Islã e do Oriente Médio. Faz isso por olhar para as causas por trás
narrativas contrastantes: observando como as estruturas de linguagem e interpretações
que são projetadas para eventos de um modelo de expectativas anteriores
discretamente determinam a forma como pensamos - atravessando as
pré-suposições, premissas ocultas e até mesmo metafísicas enterradas que se
escondem por trás de certas narrativas, desafiando interpretações ocidentais de
“extremismo” e as políticas resultantes; e por trabalhar com grupos políticos,
movimentos e estados para abrir um novo pensamento sobre os potenciais
políticos no mundo.
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