27/3/2014, [*] Sergei Markov, The Moscow Times
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu
Dica do prof. Luiz Alberto Moniz Bandeira, por e-mail. Grácias!
Ver também:
9/2/2014, redecastorphoto em: “O
Ocidente e a Ucrânia: cenários possíveis”, Irina Lebedeva, Strategic
Culture.
Barack Obama e Angela Merkel |
Em conversa
com o presidente Barack Obama dos EUA há algumas semanas, a chanceler alemã
Angela Merkel teria dito que tinha a impressão de que o presidente Vladimir Putin
viveria em outro mundo.
A frase,
mal interpretada e fora de qualquer contexto, foi rapidamente repetida na
imprensa-empresa ocidental e foi manchete durante dias.
Mas tudo
sugere que Merkel – se disse o que se diz que teria dito – só o teria feito por
não compreender a realidade da Rússia, o que acontece com muita frequência
entre os “especialistas” ocidentais.
O golpe
ocidental de 22/2 em Kiev foi só o aperitivo. O prato principal virá quando EUA
e União Europeia se alinharem completamente à oposição na Rússia, na tentativa
de mais um golpe, dessa vez tentando derrubar Putin e criar em Moscou um
governo à moda Maidan.
Mas qual é
a realidade russa? Se se fala da natureza dos conflitos na Crimeia e na
Ucrânia, o entendimento que os russos têm desses eventos é em tudo diferente do
que o ocidente vê – e divulga – nos mesmos eventos.
Na
realidade russa, os protestos e o golpe de Maidan não fizeram a Ucrânia
aproximar-se de mais democracia nem de governo legal, mas a empurraram na
direção oposta: rumo à violência mais desbragada contra jornalistas, opositores
políticos e cidadãos comuns. As autoridades do governo de Kiev estão sob
controle de uma minoria extremista armada e violenta, que já planeja campanha
de repressão em grande escala contra russos étnicos e outros grupos.
Do ponto de
vista dos russos, não há governo legítimo na Ucrânia, depois que os “revolucionários”
derrubaram o presidente democraticamente eleito.
Neonazistas ucranianos com braçadeiras estilizadas da suástica |
Para nós,
russos, a Ucrânia não tem autoridade soberana, porque os principais governantes
do país não foram eleitos: foram nomeados, por trás das cortinas, pelos EUA. O
que, se não isso, explicaria que o desconhecido Oleksandr Turchynov seja hoje
presidente da Ucrânia, e Vitaly Klitschko, conhecido aspirante ao posto, mas
não “eleito” pela vice-secretária de Estado dos EUA Victoria Nuland, tenha sido
afastado? E por que e como Arseniy Yatsenyuk chegou a primeiro-ministro, apesar
de não ser popular entre os ucranianos e de só ter sido “eleito”, exclusivamente,
pela mesma sra. Nuland?
Os planos
de Nuland para a Ucrânia tornaram-se afinal conhecidos depois do vazamento de
uma conversa telefônica [“Foda-se a União Europeia”], semanas antes do golpe
que derrubaria o presidente Viktor Yanukovych.
Pelo modo
como os russos veem as coisas, os deputados ucranianos foram ameaçados e
forçados a aprovar ministros que sequer conheciam. O que se vê é que a Ucrânia
é hoje governada por uma junta composta de várias milícias. Além de Turchynov e
Yatsenyuk, aquela junta inclui Andrei Parubiy, chefe do Conselho de Segurança e
Defesa Nacional. Foi também chefe das forças de autodefesa da Praça Maidan,
grupo armado que, em fevereiro, assumiu o controle das manifestações antes
pacíficas, obedecendo ordens de Washington. A junta inclui também Dmitry Yarosh
e Oleh Tyahnybok, chefes, respectivamente, das milícias armadas dos partidos
neonazistas Setor Direita (Pravy Sektor) e Svoboda.
Quem são
esses chefes? O que se ouve é que seriam nacionalistas, mas todos exibem
símbolos neonazistas. Numa referência aos fascistas da IIª Guerra Mundial
apresentam-se como seguidores de Stepan Bandera, Roman Shukhevych e do teórico
fascista Dmitry Dontsov. Bandera e Shukhevych, como os russos sabem, juraram,
ambos, fidelidade a Hitler. Entraram na Ucrânia em 1941 acompanhando a Wehrmacht,
ou, mais precisamente, a SD – a divisão de inteligência dos nazistas
alemães, onde serviam. Essa SD nazista forneceu armas, munição e
empregos administrativos a extremistas ucranianos, nos territórios ocupados.
Sob ordens dos alemães, esses extremistas combateram ativamente contra a
resistência dos partisans soviéticos.
Neonazistas desfilam vestidos com a suástica estilizada e o retrato de Stepan Bandera |
Os russos
sabem também que, durante os três anos que Bandera passou, depois, num campo
alemão de concentração de prisioneiros, sempre teve regalias, tinha um rádio e
acesso à biblioteca. Em 1944, o líder nazista Heinrich Himmler retirou Bandera
da prisão e o pôs de volta no serviço ativo, abastecido com dinheiro e armas.
Durante a
Guerra Fria, os EUA e seus aliados usaram veteranos do grupo de Bandera em sua
luta contra a União Soviética, fingindo ignorar seu passado de colaboradores
dos nazistas. Mas os russos sempre vimos esses banderistas como fascistas e cúmplices de Hitler. Shukhevych, por
exemplo, comandou o conhecido batalhão de execução e castigo Nachtigall,
responsável por assassinato em massa de judeus e outros civis.
Hoje, os
partidos Setor Direita e Svoboda atualizam muitas das ideias e práticas dos
nazistas, usam símbolos nazistas estilizados, bandeiras nazistas e saudações
nazistas (“Glória à Ucrânia – Glória aos Heróis”, saudação associada ao
movimento dos nazistas bandeiristas).
Esses dois grupos extremistas ucranianos pregam o antissemitismo, o ódio a
outras etnias e povos, a russofobia, a glorificação de veteranos nazistas e são
ativos “negadores” (negam que os nazistas tenham cometido qualquer crime).
Resultado
disso tudo, os russos sabemos que os partidos Svoboda e Setor Direita não são “apenas”
nacionalistas radicais, mas neonazistas de linha duríssima, que chegaram ao
poder e agora controlam o governo e as principais forças policiais da Ucrânia.
Já havia
dúzias de prisioneiros políticos na Ucrânia, mesmo antes de esses grupos tomarem
o poder. No primeiro dia de “governo”, esse novo “governo” supostamente
pró-Europa tomou a decisão de suspender a vigência da Carta Europeia para
Idiomas Regionais e Minoritários; na sequência, fecharam todas as páginas do
governo ucraniano distribuídas em língua russa; e proibiram as aulas dadas em
russo, nas escolas. Quando a Corte Constitucional recusou-se a reconhecer o
golpe, as autoridades neonazistas dissolveram a Corte e emitiram acusações
contra todos os juízes.
Na Rússia,
todos sabemos de tudo isso e, também, que militantes neonazistas mataram a
tiros cidadãos que se manifestavam pacificamente em Carcóvia; sabemos também
que os mesmos matadores receberam salvo-conduto para retornar a Kiev.
Quem
conheça de perto essa realidade, vê que EUA e União Europeia agem
irracionalmente quando abandonam o povo ucraniano à sanha das autoridades
extremistas em Kiev e apoiam aqueles criminosos que hoje ocupam postos de
governo em Kiev.
Quanto às
sanções... Quem no mundo entenderá por que Andrei Fursenko, assessor do
presidente Putin e ex-ministro, aparece naquela lista? Talvez... porque é
proprietário de uma dacha na cooperativa Ozero?!
Os russos
percebemos também que a lista de nomes “sancionados” foi diretamente copiada do
artigo que o “vazador” Alexei Navalny publicara semana passada no The New
York Times, imediatamente antes de as sanções serem anunciadas. A única
explicação que os russos vemos para tudo isso é que o Departamento de Estado
dos EUA está interessado em inflar o “prestígio” e a “influência” de Navalny na
Rússia...
Barack Hitler, montagem de Maurício Porto (2014) |
Aos olhos
dos russos, ante a realidade da Rússia, a conclusão óbvia é que EUA e União
Europeia tentam ajudar a oposição russa interessados, todos, em derrubar Putin
e em implantar em Moscou um governo à moda neonazista de Maidan.
O plano
para um golpe na Rússia? É simples: primeiro, instalarão em Kiev algum
governante semelhante ao ex-presidente da Geórgia Mikheil Saakashvili –
anti-Rússia cabeça quente e ambicioso, disposto a fazer o que o ocidente o
mandar fazer. Depois, pagarão para rearmar o exército ucraniano [operação que
muito interessa ao big business da indústria fabricante de armas]. Em
seguida, em 2017 – às vésperas das eleições presidenciais na Rússia –
despacharão para a Crimeia e também para outros pontos da Rússia, aquele
exército ucraniano rearmado. Foi exatamente o que se viu acontecer em 2008, com
o deslocamento de tropas georgianas.
Mas... será
que o ocidente realmente crê que o presidente Putin receberá sem reagir essa
agressão militar contra a Rússia?
A Rússia
exige providências imediatas e acordo claro: que se constitua imediatamente uma
nova coalizão de governo na Ucrânia; que os extremistas, ultranacionalistas e
fascistas sejam desarmados; que se institua nova Constituição federalista e
novo federalismo; que se deem garantias constitucionais de igualdade de
direitos aos falantes de russo e de ucraniano; e que se realizem eleições limpas,
livres e justas.
Mas, em vez
disso, EUA e União Europeia só fazem ameaçar e insistir que a Rússia aceite sem
qualquer reação o status quo.
Será que
algum líder ocidental realmente supõe que Putin algum dia venha a aceitar o
modo distorcido como o ocidente está apresentando as realidades em campo na
Ucrânia?
De fato, ao
insistir que Putin capitule, o ocidente vai, aos pontos deixando-o sem
alternativas; só lhe restará a via de responder militarmente. E a história
ensina claramente que diante desse tipo de dura realidade, a Rússia nunca
escolheu a capitulação: sempre escolheu a guerra.
[*] Sergei Alexandrovich
Markov (nascido na Rússia em 1958) é cientista
político, jornalista e ativista social. Doutor em Ciência Política,
professor assistente do departamento de Políticas Públicas da Faculdade de
Filosofia da Universidade Estatal de Moscou, professor da Faculdade de
Ciências Políticas no Instituto Estatal de Moscou de Relações Internacionais (MGIMO-University), diretor do Instituto
de Estudos Políticos. Foi membro da "Comissão
para combater tentativas de prejudicar os interesses russos por falsificar a
história", que existiu entre 2009 e 2012. Atualmente é vice-presidente do
Fórum Público de Assuntos Internacionais. Markov
serve como co-presidente do Conselho Nacional Estratégico da Rússia e é membro
do Conselho Presidencial para Facilitar o Desenvolvimento da Sociedade Civil e
Instituições de Direitos Humanos da Federação Russa.
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