25/3/2014, [*] Pepe Escobar, Rússia Today
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu
A nova
Ucrânia de “Yats”, Tyahnybok e Yarosh assinou, na maior correria, os itens
políticos de um acordo de associação com a União Europeia (EU) em reunião em Bruxelas,
na 6ª-feira passada (21/3/2014).
Nada menos
de 30 burocratas (nomeados, não eleitos) da UE também assinaram o documento,
entre os quais o presidente do Conselho Europeu, Herman Van Rompuy e o
presidente da Comissão Europeia (CE) Jose Manuel Barroso.
É o mesmo
negócio que o ex-presidente Viktor Yanukovich decidira rejeitar em novembro
passado – rejeição que, na sequência, levou aos protestos na Praça Maidan, a um
putsch apoiado pelos EUA apesar de recheado de atores fascistas e
neonazistas, o que levou Moscou a assumir o controle da Crimeia sem disparar um
tiro.
Assim, em
teoria, é o negócio que deu início a tudo. Essa não-entidade sem cara, ao
estilo de Magritte, que atende pelo nome Van Rompuy, disse que “reconhece as
aspirações do povo da Ucrânia, que quer viver em país governado por valores,
por democracia e sob o império da lei”.
Muita calma
nessa hora. Contenham os cavalos (mongóis). Como mostra a história,
“democracia” e “império da lei” nada têm a ver com o governo dos
mudadores-de-regime, do Setor Direita (Pravy Sektor) ou do Partido Svoboda em
Kiev.
Yanukovich
rejeitou o negócio com a UE por duas razões essenciais:
(1) o negócio destruiria a indústria
ucraniana (abrindo a porta à invasão por produtos ocidentais e o saque dos
ricos solos agricultáveis da Ucrânia, pelo agronegócio ocidental); e
(2) o negócio forçaria a Ucrânia a
obedecer aos protocolos militares da OTAN.
O que foi
assinado na 6ª-feira (21/3/2014) não é o xis da questão; é só uma integração
comercial (leia-se: “Agora, podem saquear a Ucrânia”). A UE deixou a parte
essencial para depois. Antes, o FMI terá de polir os detalhes mais mortíferos
de próximo “ajuste estrutural”. Mas o Conselho
Europeu já está prometendo um jardim de rosas
Trata-se,
sempre, da OTAN
“Especialistas”
acadêmicos e midiáticos em surto histérico repetem, 24 horas por dia, sete dias
por semana, que, amanhã cedo, a Ucrânia já estará integrada à União Europeia
(já praticamente em bancarrota). Nada disso. O negócio final não passará de um
acordo de associação; depois, ainda haverá estrada longa e sinuosa até o país
ser admitido na UE (admissão que, por falar dela, a maioria absoluta dos estados-membros
da UE não querem).
O artigo
7.2. do acordo de associação determina que a Ucrânia terá de submeter-se à
política externa e de segurança comum (PESC) [orig. common foreign and
security policy (CFSP)] e à
política europeia de segurança e defesa (PESD) [orig. European security and
defense policy (ESPD). As
condições podem ser lidas nos próprios
documentos.
Essa
obscura – inclusive para muitos europeus – PESD é, nada mais nada menos, que o
pilar europeu chave da OTAN. Tradução: ali se detalha o modo como a União
Europeia é e permanece subordinada aos EUA (que controlam a OTAN). Por exemplo:
a UE só pode agir em algum determinado caso DEPOIS de a OTAN decidir não agir.
Além disso, o acordo de
março de 2003 +Berlim permite que a União Europeia use maquinário
e softwares da OTAN para
operações militares, se e somente se a OTAN declinar de usá-los.
Tudo isso significa,
essencialmente, isso sim, que a Ucrânia já está com o pé na estrada na direção
de ser legalmente subordinada ao projeto da OTAN. Como outros analistas
independentes, também tenho escrito, desde o início, que todo esse drama
geopolítico visa, em primeiro lugar e sobretudo, à anexação
da Ucrânia pela OTAN, não por alguma União Europeia.
Presidente
interino da Ucrânia, Olexandr Turchynov (D) e a Subsecretária de Estado dos EUA para Assuntos Políticos, Wendy Sherman (E), durante uma reunião em Kiev em 20/3/2014 (Foto: AFP) |
O
pervertido caso de amor entre OTAN e Ucrânia começou no início dos anos 2000s.
Depois de muito discutir-a-relação, ficou resolvido que OTAN-sim ou OTAN-não
seria algum dia votado em referendo nacional. No encontro de Bucarest em 2008, a OTAN abriu os
braços: declarou que a Ucrânia poderia vir e unir-se, no instante em que
cumprisse as exigências. Em 2010 Yanukovich anunciou que a Ucrânia mudara de
ideia, que perdera o interesse. Mesmo assim, a Ucrânia foi mantida como membro
muito forte de uma Parceria para a Paz [orig. Partnership
for Peace (PfP)],
iniciativa da OTAN.
Não
surpreende que a OTAN esteja agora fazendo horas-extras no serviço de vender ao
mundo a noção de que a Ucrânia está(ria) “sob ameaça” – e que deve unir-se “à
aliança” o mais rapidamente possível. O secretário-geral da OTAN – aquele
espantosamente medíocre poodle dos EUA, Anders Fogh Rasmussen – disse
que estaríamos vivendo hoje a mais grave ameaça à segurança da Europa desde o
fim da Guerra Fria: “Esse é o toque de despertar. Para a comunidade
euro-atlântica. Para a OTAN. E para todos que se sintam comprometidos com uma
Europa una, livre e em paz.”
Esqueceu de
acrescentar: uma Europa livre e pacificamente submetida ao Pentágono.
O principal
comandante militar da OTAN – não surpreendentemente, é norte-americano – o
general Philip Breedlove, anda espalhando por aí a “notícia” de que a Rússia
teria reunido força militar “muito, muito, muito considerável e muito, muito,
muito pronta” nas fronteiras leste da Ucrânia. Moscou nega e repete que todos
esses soldados lá estão conforme os exatos termos de acordos
internacionais.
Alguém, é
claro terá de ceder. O Ministro de Defesa da Rússia, general Sergey Shoigu
conversou pelo telefone com Chuck Hagel, el supremo do
Pentágono. Estão discutindo uma “desescalada das tensões”. Mas parece que
burocratas e políticos da União Europeia e empregados da OTAN não foram
informados.
Agora...
será a vez da Transdnístria?
A conversa
da imprensa-empresa ocidental e dos “especialistas” midiáticos na UE é que o
incansavelmente demonizado presidente Putin deseja(ria) “desestabilizar” a
Ucrânia e criar uma esfera de influência russa no sul e leste da Ucrânia até
Odessa. Claro. Oh yes. E quer também anexar a Transdnístria.
Nada disso.
De fato, foi o presidente do parlamento da Transdnístria, Mikahil Burla, quem
pediu que Moscou incorporasse à Federação Russa a região de língua russa, no
oeste da Moldávia. Afinal de contas, já em 2006, 97,2% dos que votaram em
referendo então realizado declararam exatamente o mesmo desejo. Qual é o
problema?
O problema
é que a Moldávia – exatamente como aconteceu à Ucrânia – está às vésperas de
assinar um acordo de associação e livre comércio com a União Europeia. E a
Transdnístria (como, há poucos dias, a Criméia) não quer ser incluída no tal
acordo.
Falta agora
ver como a UE – essencialmente mediante o FMI – conseguirá “salvar” a
monstruosamente falida economia ucraniana. Um acordo de associação só tornará
as coisas ainda piores e mais sombrias para os ucranianos médios. Venha o
dinheiro que vier para Kiev, virá necessariamente condicionado a fatídicas
cláusulas de “austeridade”.
Moscou não
precisa “anexar” ou “invadir” coisa alguma. Moscou só precisa recostar-se à
poltrona, relaxar e assistir aos movimentos do ocidente que tenta gerir a
confusão monstro que o próprio ocidente criou. Exceto a retórica metida a feroz
da OTAN e o papel assinado em Bruxelas na 6ª-feira (21/3/2014), que não é
importante, há poucos sinais de que os EUA (perdidos eles mesmos na confusão de
tantos “pivôs” que inventaram, para lá e para cá) e uma depauperada União
Europeia terão capacidade, habilidade e disposição para cumprir o difícil
trabalho de apoiar sem interrupção o governo dos mudadores-de-regime em Kiev.
Todos esses
15 anos que transcorreram depois que a OTAN
bombardeou a ex-Iugoslávia – levaram a surto serial de
mudação de regimes; à balcanização do país; e a um “grande prêmio” (Kosovo
convertido em Mafialândia; e a principal instalação imobiliária do país, “Camp
Bondsteel”, item chave do Império Norte-americano de Bases). Agora, Rasmussen
quer na Ucrânia um replay da OTAN na Iugoslávia?! Só imbecis entram
correndo onde até os anjos temem tropeçar. A Rússia não é o Kosovo.
_____________________
[*] Pepe Escobar (1954) é jornalista,
brasileiro, vive em São Paulo, Hong Kong e Paris, mas publica exclusivamente em
inglês. Mantém coluna (The Roving Eye) no Asia Times Online; é
também analista de política do blog Tom Dispatch e correspondente/
articulista das redes Russia Today, The Real News Network Televison
e Al-Jazeera. Seus artigos podem ser lidos, traduzidos para o
português pelo Coletivo de Tradutores da Vila Vudu e João Aroldo, no blog redecastorphoto.
Livros:
− Globalistan: How the
Globalized World is Dissolving into Liquid War, Nimble Books, 2007.
− Red Zone Blues: A Snapshot of
Baghdad During the Surge, Nimble Books, 2007.
− Obama Does Globalistan, Nimble Books, 2009.
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