20/3/2014, The Saker, Vineyard of the Saker
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu
The Saker |
Não me
darei o trabalho de discutir o tópico das sanções de EUA e UE contra a Rússia,
que não passam de sandices para aplacar alguns lobbies e mostrar ao
público em geral que os líderes ocidentais são “durões”. Mas há dois
desenvolvimentos interessantes a considerar:
1.- Obama declarou
que os EUA não irão à guerra pela Ucrânia. Como sempre, Obama embrulhou as
palavras chaves num pacote de bobagens sem sentido, mas disse,
que interessa, o seguinte:
Não nos envolveremos numa excursão militar na Ucrânia.
O que faremos é mobilizar todos os nossos recursos diplomáticos para assegurar
que tenhamos uma forte correlação internacional que envie mensagem clara.
Em outras
palavras: nada de opção militar. Falando de Putin, Obama disse também que:
Suas [de Putin] decisões estratégicas não se baseiam, de modo algum, em ter suposto que
poderíamos ir à guerra por isso.
Em outras
palavras:
Putin não
está blefando, nem tem medo de nós.
Bom. Alguém
(talvez Dempsey?) afinal conseguiu meter algum juízo na cabeça desse homem.
2. - Um
ex-embaixador dos EUA à União Soviética de 1987 a 1991, John Matlock,
escreveu um editorial para a revista Time
no qual mostra quantidade realmente surpreendente de bom senso básico
(ilustrando mais uma vez a minha tese de que a qualidade dos diplomatas
norte-americanos é hoje infinitamente pior do que ainda se encontrava há 20
anos). Recomendo que todos leiam o editorial – só para avaliar o homem – mas
quero citar aqui a parte que me parece central do editorial:
Embora
talvez seja difícil para as partes relevantes aceitarem, as premissas de uma
solução para a confusão ucraniana são claras:
1) a nova Constituição ucraniana deve oferecer uma estrutura
federal de governo, dando às províncias ucranianas, no mínimo, tantos direitos
quantos têm os estados norte-americanos;
2)
o idioma russo deve ter assegurado status idêntico ao do idioma ucraniano; e
3) a Ucrânia deve oferecer garantias de
que não se tornará membro da OTAN nem de qualquer outra aliança militar que
exclua a Rússia.
E querem
saber de uma coisa? O homem está absolutamente certo! Por um lado, creio
firmemente que a Rússia aceitaria esse programa, se por mais não for, porque,
ao contrário do que tantos parecem supor, a Rússia não tem vontade alguma de
incorporar o leste da Ucrânia à Rússia. Como já escrevi antes, o que a Rússia
quer em sua fronteira leste é uma Ucrânia (a)
estável, (b) próspera e (c) independente e não hostil.
Claro
que o que a Rússia absolutamente não permitirá é a imposição violenta de um
Banderastão no leste da Ucrânia. Isso absolutamente não acontecerá.
Mas uma
Ucrânia independente não é ruim para a Rússia; de fato, essa é, claramente, a
solução preferida dos russos.
E, só para
esclarecer – ainda que as sanções impostas à Rússia não passem de montanhas
de bobagens “políticas” e “marketadas” pelo pessoal de Relações Públicas, isso
não implica que a Rússia queira uma nova Guerra Fria, nem que a Rússia tenha
algo a ganhar de tensões que se criem entre UE e EUA. Hoje, o que a Rússia
mais quer e de que mais precisa é paz, estabilidade e prosperidade. Por tudo
isso, as ideias de bom senso de Matlock certamente receberiam pleno apoio do
Kremlin.
Mas há dois
sérios obstáculos à realização desse plano, no momento:
1) Os
próprios EUA, com sua mania estúpida de falar mais que a boca, se
autoencurralaram numa posição muito fortemente não construtiva, e será muito
difícil dar volta de 180 graus e, de fato, desmentir todo aquele seu vasto
bobajol imperial e pôr-se, afinal, a trabalhar com a Rússia para estabilizar a
situação.
2) Reina
hoje o mais total e irrestrito caos em praticamente todo o Banderastão
(ex-Ucrânia) controlado por nazistas e gangues de bandidos armados que aterrorizam
a população local e saqueiam pequenas (e também as nem tão pequenas) lojas e
estabelecimentos comerciais. De todos os relatos que li, fico com a impressão
de que haja algo da ordem de várias dezenas de milhares de bandidos armados
soltos por todo o Banderastão (20% políticos e 80% bandidos “simples”). Alguém
terá de desarmar essas gangues; número não desprezível deles acabarão sendo
mortos no processo. Tanto a Rússia como a OTAN podem cuidar disso (sim, a
Rússia faria muito melhor e mais rapidamente, mas... deixa p’rá lá), mas, por
razões políticas, nem a Rússia nem a OTAN podem mover-se para lá. Assim sendo,
não vejo quem, agora, possa cuidar disso. Talvez os restos dos militares
ucranianos?
Desgraçadamente,
os doidos que estão no comando do novo regime “revolucionário” não apenas não
estão tentando reconstruir uma força militar nem algum exército real: estão
criando uma “guarda nacional” formada de bandidos armados leais ao regime “revolucionário”
banderista.
Conclusão –
há sinais de que alguns norte-americanos começam lentamente a despertar das
suas grandes alucinações imperiais. Mas já é tarde, muito tarde, talvez tarde
demais. Se Obama e Matlock tivessem declarado há um mês o que declararam hoje,
teria feito enorme diferença, mas... hoje?!
E há
também, desgraçadamente, o espírito grosseiro, nada diplomático e nada
profissional que leva aos chiliques ensandecidos de Samantha Powers no Conselho
de Segurança da ONU. Lá, ela disse
o seguinte:
Samantha Power |
A Rússia é
conhecida pela grandeza literária. O que vocês acabam de ouvir do embaixador
russo mostrou mais imaginação que Tolstoy ou Chekhov. Um ladrão pode roubar
propriedade, mas o roubo não dá ao ladrão direito de propriedade. O que a
Rússia fez é errado em termos da lei, errado em termos da história, errado em
termos da política e perigoso.
Ao que o
embaixador da Rússia Vitaly Churkin respondeu:
Durante as
discussões, alguns colegas infelizmente falaram de modo excessivo e sou
obrigado a retomar, especialmente, o que disse a representante dos EUA. Esses
insultos dirigidos ao nosso país são simplesmente inaceitáveis. Se alguma
delegação dos EUA espera contar com a cooperação da Rússia em outros temas no
Conselho de Segurança, nesse caso a Sra. Powers que cuide de compreender bem
claramente o que estou dizendo. Obrigado.
Se James
Baker ainda comandasse o Departamento de Estado, Samantha Power teria sido
sumariamente demitida daquele posto e mandada ensinar inglês como segunda
língua em Kisangani ou Juba. Hoje, na Casa Branca de Obama, aquele tipo de
atitude é, de fato, rotina.
Seja como
for, agora que o agitar dos sabres parece estar talvez começando a ser
substituído por alguma forma básica de pragmatismo, quero crer que o artigo de
Matlock seja o primeiro vento de racionalidade que volta a soprar, parece, em
Washington DC.
No mínimo,
já é bom sinal encontrar coluna em que lê coisa-com-coisa, assinada
por membro da nomenklatura norte-americana.
The
Saker
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