28/3/2014, [*] Pepe Escobar, Rússia Today
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu
Reunião do G7 na residência oficial do Primeiro Ministro
holandês em Haia (24/3/2014) discutem as linhas de contorno do Nuclear Security Summit (NSS).- Foto:
Jerry Lampen
|
O governo Obama não carregará
prisioneiros em sua sanha para tentar “isolar” a Rússia em todos os fronts possíveis – até agora, sem
resultados importantes.
Já listei algumas razões pelas quais a
Ásia
não isolará a Rússia. E também algumas razões pelas quais a União
Europeia não pode isolar a Rússia. Mesmo assim, o governo Obama
prossegue, incansável, e continua a atacar em três grandes fronts – o G-20, o Irã e a Síria.
Primeiro, o G-20. A ministra de Relações Exteriores da Austrália, Julie
Bishop, lançou um balão de ensaio, especulando que a Rússia e o presidente
Vladimir Putin poderiam ser barrados da reunião do G-20 em Brisbane, em
novembro.
A reação dos outros quatro
nações-membros BRICS foi imediata:
A custódia sobre o G-20 pertence a
todos os estados-membros igualmente, e nenhum estado-membro pode determinar,
unilateralmente, sua natureza e caráter.
Austrália, sempre subserviente aos
EUA, teve de calar o bico. Por hora.
Presidentes dos países BRICS em Durban 2013 |
Os BRICS, não por acaso, são a aliança
chave do mundo em desenvolvimento dentro do G-20, que atualmente está
discutindo o que interessa nas relações internacionais. O G-7 – que “expulsou” a
Rússia de sua próxima reunião em Sochi, já transferida para Bruxelas – não
passa de balcão de conversas de autopromoção.
De sanção em sanção
Então, há o Irã. O vice-ministro de Relações
Exteriores da Rússia, Sergey Ryabkov deixou muito claro que se os EUA e
fantoches selecionados insistirem em lançar sanções econômicas por causa do
referendo da Crimeia,“nós tomaremos também medidas de retaliação”. E
falava das negociações do P5+1 sobre o dossiê nuclear iraniano.
Em
“Three
Reasons Why Russia Won't Wreck the Iran Nuclear Negotiations” [Três
razões pelas quais a Rússia não arruinará as negociações nucleares iranianas],
25/3/2014, Suzanne Maloney, Brookings], lê-se uma exposição bem acurada
de o que o establishment norte-americano pensa sobre o papel da Rússia
naquelas negociações.
É verdade que a revelação, em 2009, de
uma instalação iraniana secreta, subterrânea, de enriquecimento de urânio não
agradou a Moscou – a qual, em resposta, cancelou a venda do sistema S-300 de
defesa aérea a Teerã.
Mas mais crucial é o fato de que
Moscou quer que o dossiê nuclear iraniano permaneça sob o guarda-chuva do
Conselho de Segurança da ONU – onde a Rússia pode exercer seu poder de veto;
qualquer solução terá de ser multilateral, não engendrada por neoconservadores
psicótico(a)s.
Facções políticas conflitantes no Irã
talvez ainda duvidem do comprometimento de Moscou a favor de alguma solução justa
– considerando que Moscou não fez grande coisa para aliviar o terrível pacote
de sanções. E, sim, Rússia e Irã são concorrentes, como exportadores de energia
– e sanções que castiguem o Irã são presentes para a Rússia (50% menos petróleo
iraniano foi exportado desde 2011, e o país não se qualifica como grande
exportador de gás natural).
Mas se o frenesi das sanções dos EUA
engolfar também a Rússia, haverá fogos no céu: Moscou acelerará a troca de mais
de 500 mil barris/dia de cru iraniano em troca de a Rússia construir mais uma
usina nuclear; haverá outros movimentos russos para detonar a parede de sanções
ocidentais; e Moscou também pode decidir vender não só os sistemas de defesa
S-300 mas os S-400 ou o futuro e ultra sofisticado sistema de defesa S-500, a Teerã.
É tempo de ataques forjados, sob
bandeiras falsas
Vadim Lukov |
Há, finalmente, a Síria. Mais uma vez, os BRICS estão na
vanguarda. O embaixador russo Vadim Lukov acertou o olho do alvo, quando
disse que:
Falando bem francamente, sem a posição
dos BRICS, a Síria já estaria, há muito tempo, convertida em Líbia.
Os BRICS aprenderam a lição para o
caso da Síria, quando permitiram, com as abstenções em votação na ONU, que se
abrisse a via para o bombardeio humanitário da OTAN que destruiu a Líbia e
converteu o país em estado arruinado. Subsequentemente, a diplomacia russa
interveio, para salvar o governo Obama de bombardear a Síria por causa de uma
estúpida, sem sentido, autoinfligida “linha vermelha” – com consequências
potencialmente cataclísmicas.
Agora, o enredo novamente se adensa. O
enviado da ONU e da Liga Árabe, Lakhdar Brahimi anda dizendo que o reinício das
conversas de paz de Genebra-2 está “fora de questão” por enquanto. Em briefing
ao Conselho de Segurança da ONU no início de março, Brahimi culpou o governo
sírio pela interrupção.
É completo absurdo. As incontáveis
facções de oposição na Síria, todas oportunistas, jamais quiseram, nunca,
qualquer negociação; só queriam mudança de regime. Para nem falar da nuvem de jihadistas – as quais, até recentemente,
vinham criando fatos em campo com armas fornecidas a todas elas pelos petrodólares
do Golfo.
Agora, abundam os boatos de que o governo
Obama estaria pronto para “isolar” a Rússia – e por extensão os BRICS – também
no caso da Síria.
O governo Obama, servindo-se dos
proverbiais ‘funcionários’ não identificados, anda distribuindo “relatos de desinformação”
sobre ataques de jihadistas contra
interesses ocidentais, partidos do norte e do nordeste da Síria. Pode ser o
prelúdio para um perfeito ataque de “terceiros”, apresentado sob bandeira
falsa, a ser usado como pretexto para “justificar” uma intervenção ocidental –
atropelando, obviamente, a ONU. Os doidos pró-guerra nunca pararam de sonhar
com a tal zona de exclusão aérea sobre a Síria.
Mercenários da al-Qaeda (Frente al-Nusra) em 4/2013, próximo de Aleppo, Síria. Foto: Guillaume Briquet |
Esse cenário articula-se claramente
com o escândalo
em curso no governo Erdogan na Turquia: o que todos
vimos por YouTube é
exatamente uma conversa no plano da segurança regional, sobre como um membro da
OTAN, a Turquia, poderia forjar um ataque, sob bandeira falsa, e atribuí-lo à
Síria.
A conclusão é que a OTAN está longe de
ter desistido da “mudança de regime” na Síria. Há notáveis simetrias em tudo
isso. Putsch na Ucrânia. Ataque
forjado na Síria. Ataque da OTAN à Síria? Ataque russo no leste da Ucrânia.
Pode não ser tão delirante quanto parece. Daí que... abriram-se as apostas.
Todo o Novo Grande Jogo na Eurásia
está sendo de tal modo distorcido, que agora temos Obama, o especialista em
Direito Constitucional, a legitimar
a invasão e a ocupação do Iraque (“os EUA procuramos trabalhar
dentro do sistema internacional, não reivindicamos nem anexamos território
iraquiano”) e os doidos fazedores-de-guerra na Think-tankelândia norte-americana
a pregar embargo de petróleo contra a Rússia, como para o Irã, com Washington a
usar seus fantoches sauditas para completar o serviço.
Depois de dar aulas aos europeus, em
Haia e Bruxelas, sobre os desígnios “maléficos” dos russos, e desfilar em Roma
feito neo-Cesar, Obama encerra seu tour triunfal precisamente lá, em sua
satrapia saudita. Temos de nos preparar para uma imunda caixa de docinhos que
vem por aí.
[*] Pepe Escobar (1954)
é jornalista, brasileiro, vive em São Paulo, Hong Kong e Paris, mas publica
exclusivamente em inglês. Mantém coluna (The Roving Eye) no Asia Times Online; é também analista de política do blog Tom Dispatch e correspondente/ articulista das redes Russia Today, The Real News Network Televison e Al-Jazeera. Seus artigos podem ser lidos,
traduzidos para o português pelo Coletivo de Tradutores da Vila Vudu e João
Aroldo, no blog redecastorphoto.
Livros:
− Globalistan:
How the Globalized World is Dissolving into Liquid War, Nimble Books, 2007.
− Red
Zone Blues: A Snapshot of Baghdad During the Surge, Nimble Books, 2007.
− Obama
Does Globalistan, Nimble Books, 2009.
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