25/3/2014, [*] Pepe Escobar, Asia Times Online −
The Roving Eye
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu
Reunião do, agora, G7 na Holanda |
Qualquer
dúvida (burocrática) sobre a Nova Guerra Fria em curso teria sido apagada pela
emissão, pelo Grupo dos 7 de uma pomposa autobatizada “Declaração
de Haia”. Abandonem
todas as esperanças os que ainda esperassem que Haia se convertesse em Tribunal
para julgar os crimes de guerra do governo Cheney.
O G-7
também cancelou o próximo encontro de verão em Sochi, como “castigo” aplicado a
Moscou, por causa da Crimeia. Como se fosse medida que tivesse algum valor
prático. O Ministro de Relações Exteriores da Rússia, Sergei Lavrov respondeu com classe:
se não nos querem, temos coisas mais importantes a fazer. Não há quem não saiba que o G-7 não passa
de balcão inócuo, autopromovido, de conversa fiada. O lócus no qual as
questões geopolíticas e geoeconômicas cruciais ganham tração, muito mais
representativo do mundo real chama-se G-20.
A
Declaração de Haia vem completa, incluso o beijo da morte:
O Fundo Monetário Internacional tem papel
central no esforço internacional para apoiar a reforma na Ucrânia, reduzir as
vulnerabilidades ucranianas, e melhor integração do país como economia de mercado
no sistema multilateral.
É
linguagem-código para: “esperem só até o ajuste estrutural começar a doer”.
Sergey Lavrov - Ministro de Relações Exteriores da Rússia |
E também
haverá “medidas para estimular o comércio e fortalecer a segurança energética”
– linguagem-código para: “vamos destruir a indústria de vocês” e “não estamos
nada, nada, nada animados para pagar as contas-gigantes que vocês devem à
Gazprom”.
Tudo isso
em torno de um suposto encontro sobre segurança nuclear nos Países Baixos, onde
o presidente dos EUA,. Barack Obama, no Rijksmuseum, em frente ao quadro “Ronda
Noturna”, [1] de Rembrandt não se cansou de repetir “o apoio de
Washington ao governo da Ucrânia e ao povo ucraniano”. Os mercenários do quadro
de Rembrandt nunca viram tal coisa, em toda sua longa gloriosa vida! Afinal,
ser nazista pode ser bom negócio: é só o nazista estar no governo certo, contra
o governo certo e ser nazista plenamente aprovado pela superpotência.
O rei
Willem-Alexander ofereceu suntuoso jantar aos membros da reunião de cúpula da
segurança nuclear no Palácio Real Huis ten Bosch, em Haia – depois que Obama
reuniu-se com o presidente chinês Xi Jinping, reunião na qual NÃO conseguiu
convencê-lo a “isolar” a Rússia. Mais tarde, confirmado o fracasso na tentativa
de “seduzir” Jinping, a Casa Branca acrescentou que, dado que a Rússia continua
a violar “flagrantemente” a lei internacional, “não há necessidade de que a
Rússia engaje-se com o G-7”.
Claro que se a Rússia de repente começar a fazer sua própria guerra de drones
na Ucrânia, sim, sim, com lista-de-matar e tudo, então, sim, estará plenamente
qualificada.
O rei da Holanda ofereceu suntuoso regabofe aos participantes do G7 |
Trata-se
sempre da OTAN
O Senado
dos EUA – cada dia com números mais soberbos de popularidade – conseguiu a
muito custo preparar ao terreno para debater um empréstimo de US$1 bilhão para
os mudadores de regime em Kiev, mais $150 milhões em ajuda incluindo “países
vizinhos”. Paga 15 dias de contas da Ucrânia.
Entrementes,
no departamento de fatos em campo na vida real, a Crimeia não tardará a
florescer – turismo inclusive – e pode vir a tornar-se até “zona
econômica especial”. Habitantes do Khaganato dos Nulands do agrobusiness-FMI
logo verão, com seus próprios olhos, os resultados.
Prossegue
cada dia mais histérica a histeria da OTAN, que teme que a Rússia invada tudo e
todos que haja nos arredores, mais tardar amanhã mesmo – não esqueçam: Os Russos estão Chegando! [2] – Observadores independentes,
entre os quais se inclui esse The Roving Eye, sempre disseram que se trata
sempre de OTAN, não da União Europeia.
Desde os
dias de go-go da era Bill Clinton, a OTAN foi sempre expandida na
direção das portas da Rússia. Em termos gráficos, é o processo do avanço
hegemonista dos EUA sobre a Europa: a OTAN “anexou” a Europa Oriental antes,
até da União Europeia. E até alguns dos mais certificados Guerreiros da Guerra
Fria pró EUA, como Paul Nitze, sempre disseram que se tratava de desnecessária,
perigosa provocação contra a Rússia.
Pouca gente
lembra como “Bubba” Clinton para assegurar que Boris Yeltsin, alcoólatra em
fase terminal, fosse reeleito em 1996 adiou por um ano a expansão da OTAN.
Depois, a expansão foi turbinada, com a OTAN − travestida de Robocop global –
dos Bálcãs à intersecção de Ásia Centra e sul da Ásia, e ao Norte da África.
Bombardeio "humanitário" dos EUA-OTAN na Iugoslávia em 1999 matou milhares de civis |
O
bombardeio “humanitário” da OTAN contra a Iugoslávia – 36 mil ataques; 23 mil
bombas e mísseis – cujo 15º aniversário é “celebrado” essa semana, codificou as
novas realidades. A OTAN jamais teve algo a ver com defesa: sempre foi cão de
ataque (transformer) multiletal. Foi o epítome da guerra limpa;
guerra-relâmpago, blitzkrieg, sem baixas. E foi totalmente legitimado
por causa dos “direitos humanos” à soberania nacional. Era o imperialismo
humanitário em formação, abrindo caminho para a “responsabilidade de proteger”
e a destruição da Líbia.
Moscou sabe
muito bem dos alinhamentos do monstro neobárbaro junto às suas portas, no
formato de bases da OTAN na Ucrânia – pressupondo que os mudadores de regime em
Kiev permaneçam no poder. E a resposta deles nada tem a ver com “agressão por
Putin”. Nem com alguma suposta “Doutrina Medvedev”, com a Rússia expandindo
para todos os lados, teoricamente, sua proteção militar. Como se a Rússia fosse
começar de repente a “ameaçar” seus interesses comerciais no Cazaquistão,
Quirguistão, Turcomenistão, Tadjiquestão ou Mongólia. O que a Casa Branca chama
de “a comunidade internacional” – mal e mal os G-7, mais alguns sabujos europeus
– absolutamente jamais admitiriam tal coisa.
A Ásia, por
outro lado, identifica claramente o movimento. China, Japão e Coreia do Sul,
para começar, identificam a Rússia a suprimento estável de petróleo e gás e
muitos outros negócios. Mesmo considerando que Japão e Coreia do Sul não
passam, essencialmente, de protetorados dos EUA, nada seria mais anacrônico,
pelas contas deles, que alguma nova Guerra Fria provocada pelo ocidente.
A Ásia
absolutamente não “isolará” a Rússia – e asiáticos e russos sabem disso, tanto
quanto a Casa Branca vive surto de cegueira histérica. A abstenção de Pequim na
votação pela “condenação” de Moscou no Conselho de Segurança da ONU – aquele
clube de política de bedéis de escola zangadinhos – é estilo Deng Xiaoping clássico,
de “mantenha perfil discreto”. China e Rússia são parceiros estratégicos e
ambos trabalham pela emergência de um mundo multipolar. Para nem falar da
rejeição total, por Putin, contra as tais “revoluções coloridas” à moda EUA e
operações de mudação de regimes –
além daquela operação “pivotear-se-para-cercar” a Ásia.
Ah, ser uma
mosquinha regulada pela União Europeia, bem ali, na parede da sala em Haia onde
conversavam Xi, o cool, e Obama, a pivotear-se em torno de si mesmo.
Notas dos tradutores
[1] A foto de Obama pode
ser vista a seguir:
O quadro no fundo da foto é
famosíssimo. Mas o título correto não é o que Pepe Escobar cita, mais
conhecido, mas “O Regimento de Frans Banning Cocq e Willem van Ruytenburch”; o
quadro nada tem de “ronda ou vigia noturna”: mostra Frans Banning Cocq
(milionário dono de milícias mercenárias) e Willem van Ruytenburch, comandante
dos mercenários, com todos os soldados mercenários em traje de gala ou passeio.
Mais sobre o quadro, em: “Rembrandt’s
Night Watch”. Melhor pano de fundo, para Obama,
impossível [risos, risos].
O quadro completo pode ser visto a seguir:
Para aumentar clique em "Rembrandt' Night Watch" |
[2] Filme de 1966: “Os russos estão cehegando! Os
russos estão chegando!”. Trailer (em inglês) a seguir:
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[*] Pepe Escobar (1954)
é jornalista, brasileiro, vive em São Paulo, Hong Kong e Paris, mas publica
exclusivamente em inglês. Mantém coluna (The Roving Eye) no Asia Times Online; é também analista de política do blog Tom Dispatch e correspondente/ articulista das redes Russia Today, The Real News Network Televison e Al-Jazeera. Seus artigos podem
ser lidos, traduzidos para o português pelo Coletivo de Tradutores da Vila Vudu
e João Aroldo, no blog redecastorphoto.
Livros:
− Globalistan:
How the Globalized World is Dissolving into Liquid War, Nimble Books, 2007.
− Red
Zone Blues: A Snapshot of Baghdad During the Surge, Nimble Books, 2007.
− Obama
Does Globalistan, Nimble Books, 2009.
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