segunda-feira, 25 de fevereiro de 2013

A Geopolítica dos Pistaches


20/2/2013, Paul R. Pillar, Consortium News
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu


Paul R Pillar

Os dois maiores produtores mundiais de pistache são os Estados Unidos e Irã. Eles se defrontam comercialmente há mais de três décadas. Agora, ficamos sabendo que Israel tem preferência pela variedade iraniana e até o Primeiro-Ministro Netanyahu dispõe de rubrica orçamentária especial para sorvete de pistache, escreve o ex-analista da CIA Paul R. Pillar.



Os pistaches são, há muito tempo, um dos principais itens de exportação do Irã, depois do petróleo. Por isso, quando o governo Clinton, em seu último ano no poder, quis dar um passo de reaproximação com o Irã, lá estavam os pistaches.

Pistache ou Pistachio
Em discurso, a secretária de Estado Madeleine Albright, depois de relembrar alguns dos movimentos que o Irã teria feito contra os EUA, anunciou o fim da proibição de importar pistaches do Irã; além dos pistaches, foram liberadas as importações de caviar e tapetes iranianos. A iniciativa deu em nada, porque os iranianos ofenderam-se com uma referência, naquela fala da secretária, a “mãos não eleitas” que governariam o Irã. Mas serve para lembrar a importância dessa noz esverdeada, de casca castanha, e, sobretudo, a importância, para o Irã, da exportação dos pistaches.

Madeleine Albright
13 anos e uma montanha de sanções depois, não deixa de surpreender que o regime iraniano esteja proibindo – por seis meses – a exportação de pistaches. Pela explicação oficial, a proibição visaria a forçar para baixo os preços domésticos dos pistaches – que subiram muito, no bojo da inflação exacerbada pelas sanções que atormenta a economia iraniana.

O preço doméstico dos pistaches estaria sendo considerado especialmente importante, agora que se aproxima o Ano Novo iraniano, quando muitos iranianos comprarão muitos pistaches para suas festas familiares. Outra explicação, não oficial, seria que o regime estaria tentando forçar os produtores de pistache a aceitar reduções voluntárias no preço, mas não estaria obtendo a cooperação desejada. A proibição de exportar seria um meio de forçar os plantadores recalcitrantes.

Seja porque não funcionou, seja porque o regime concluiu que seria mais danosa para o próprio Irã, fato é que, pouco depois, a proibição foi revogada. Os produtores iranianos temeram que a curta interrupção das importações implicasse perda de espaço no mercado, difícil de recuperar. Seu principal concorrente nesse mercado – o país que é o segundo maior exportador mundial de pistaches e nos últimos anos já ameaça a primazia iraniana – é os EUA. Os dois países, que furiosamente se encaram na questão de um programa nuclear e em gravíssimas disputas de segurança no Golfo Persa, vivem engalfinhados também na disputa pelo mercado mundial de pistaches.

O quadro vai ficando cada vez mais interessante, se se considera também o país que mais consome pistaches per capita em todo o mundo – e que é também o país que mais assopra o fogo sob o caldeirão da questão nuclear iraniana: Israel. Por estranho que pareça hoje, dada a incansável campanha israelense para pressionar e isolar o Irã, há pouco tempo eram os EUA que faziam lobby para que Israel parasse de importar pistaches iranianos.

Oficialmente, Israel nada importa do Irã, já há algum tempo. Mas o comércio do pistache parece incontrolável, e sabe-se que não faltam pistaches iranianos em Israel, lá chegados através da Turquia e por outras rotas. No governo Clinton, voltando a ele, a secretária Albright muito se dedicou ao caso.

Em instruções que enviou à embaixada dos EUA em Israel, três anos antes daquele discurso sobre Irã e pistaches, o Departamento de Estado anotava que:

Relatórios sobre pistaches iranianos à venda em Israel (...) são causa de crescente preocupação. Se se considera o objetivo fixado por Israel, sobre a necessidade de a comunidade internacional pressionar e isolar economicamente o Irã (...), a importação de pistache iraniano é inaceitável”.

Colheita de pistache em San Joaquin Valley, CA
O lobby norte-americano sobre Israel, nesse quesito, não foi motivado apenas, nem basicamente, pela preocupação com agir contra o Irã. O lobby manifestava, exclusivamente a força dos plantadores de pistache no San Joaquin Valley, na Califórnia, interessados em conquistar parte mais substanciosa do lucrativo mercado israelense.

Israel negou que houvesse qualquer problema, mas, pelo sim pelo não, aumentou os esforços para quebrar as pernas, digamos, dos pistaches ilegalmente importados. Israel impôs tarifa especial sobre todos os pistaches não norte-americanos, para tornar mais equilibrada a concorrência entre os preços dos produtores iranianos e norte-americanos.

Apesar dessas medidas, a questão não foi superada. Adiante, já no governo Bush, os EUA ainda discutiam pistaches com Israel. Mesmo sem diferença nos preços, o consumidor israelense continuava a preferir pistaches iranianos. “Todo mundo sabe que o gosto é muito melhor” – disse, em Israel, o atacadista Moshe Mussafi.

Pistache iraniano enlatado para exportação
A cereja do bolo, nessa história, é uma notícia do fim de semana passado, matéria de primeira página na imprensa de Israel, segundo a qual o Primeiro-Ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, gasta, só em pistaches que consome em casa, pagos com dinheiro público previsto no orçamento nacional, o total de $2.700 por ano. O sorvete é fornecido por um restaurante gourmet próximo à residência do Primeiro-Ministro: sempre sabor pistache.

A história está sendo explorada, sobretudo por adversários políticos de Netanyahu: uma extravagância injustificável, sobretudo quando os israelenses são conclamados a observar a mais estrita austeridade. O ponto de vista dos iranianos parece não interessar a ninguém, e artigo do New York Times sobre o tema informa que o sorvete de pistache não é, “presumivelmente”, fabricado com pistaches iranianos.

Mas há aí questões de gosto. E as dificuldades para coibir o comércio de pistaches iranianos, que prossegue em Israel, ininterrupto, há vários anos, tornam bastante duvidoso esse “presumivelmente”.

Netanyahu e seu sorvete de pistache
Muitíssimo mais provável, isso sim, é que Netanyahu, quando relaxa frente ao seu sorvete preferido, depois do jantar, coma pistaches plantados, cultivados e colhidos na província de Kerman.

Não há “moral da história” a extrair disso tudo, mas vêm à cabeça algumas observações:

Primeiro, que se intrometer entre forças do mercado pode levar a consequências estranhíssimas.

Segundo, que sanções, em geral, podem ter efeitos inusitados ou provocar respostas não previstas. Políticas que, ao que se supõe, têm amplos objetivos diplomáticos, respondem, muitas vezes, a interesses bem paroquiais, sobretudo econômicos.

Terceiro, que os pistaches, como a política e a miséria, produzem estranhos parceiros de cama, ou, no mínimo, estranhas linhas de conflito e de cooperação.


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