segunda-feira, 18 de fevereiro de 2013

Zapatistas rompem o silêncio: contra a elite mexicana


15/2/2013, Chris Arsenault, Al-Jazeera, Qatar
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu


Chris Arsenault
Após anos de silêncio, confinados em suas comunidades de base na região sul, empobrecida, do México, os rebeldes zapatistas reemergiram, com uma série de declarações nas semanas recentes, tentando reinflamar as paixões em torno de suas demandas por “terra, liberdade, trabalho e paz”.


Em dezembro passado, 40 mil apoiadores dos zapatistas marcharam pelas ruas de várias cidades e vilas na província de Chiapas, reafirmando a própria presença. Em janeiro e fevereiro, o subcomandante Marcos – porta-voz dos zapatistas, com os indefectíveis cachimbo, balaclava e boné, branco e não indígena, personagem muito fortemente “midiático” – lançou uma série de comunicados em que vergasta o presidente do México, Enrique Peña Nieto, membro do Partido Revolucionário Institucional, PRI, que assumiu o poder em dezembro.

Marcha Zapatista silenciosa em Chiapas, México

“Nossas dores não diminuirão por nos abrirmos aos que fazem sofrer o mundo” – escreveu Marcos em janeiro passado, convocando os apoiadores. “Resistiremos. Lutaremos. Morrer? É possível. Mas, uma, dez, cem vezes, nós sempre venceremos”.

O grupo surgiu pela primeira vez nas manchetes da mídia internacional dia 1/1/1994, quando tomaram seis cidades no estado de Chiapas, estado do sul do México e uma das regiões mais pobres do país.

Para a Rand Corporation grupo de pesquisa com laços íntimos com o establishment militar norte-americano, Chiapas é “caracterizado por profundas diferenças, muito antigas, entre ricos e pobres – reproduzidas por proprietários de terra que mantêm seus feudos medievais protegidos por exércitos privados”.

Durante já quase duas décadas, os Zapatistas trabalham para construir um sistema de governo autônomo, com destaque para a dignidade dos indígenas e agricultura coletiva. Al-Jazeera tentou, sem sucesso, em parte porque não há acesso fácil por telefone, estabelecer contato com membros do grupo.

“Construir comunidades”

Antes das ações de dezembro e comunicados recentes, o grupo manteve-se em silêncio por vários anos. “Estavam ocupados, construindo a base social do movimento no nível comunitário, mesmo que não tenham aparecido na imprensa” – disse a Al-Jazeera, Mark Berger, professor visitante de Análise de Defesa na Academia Naval de Pós-graduação dos EUA –. “Hoje, entre 100 mil e 200 mil pessoas vivem em comunidades que apoiam os zapatistas”.

Subcomandante Marcos
Nos recentes comunicados, Marcos descreveu o governo do México como “estado zumbi controlado pela elite – declaração que ressoou entre alguns setores da população, num país em que a corrupção e a mais aguda desigualdade atacam como pragas.

Outras tentativas de unificar os movimentos sociais no México, de sindicalistas independentes a feministas, estudantes, punks e outros povos indígenas levaram sempre a resultados confusos. E, em 2006, os Zapatistas lançaram sua A Outra Campanha – que, embora não tenha obtido qualquer resultado na unificação do movimento social, mantém-se ativa, como se vê.

A Outra Campanha sempre foi crítica ativa da política eleitoral e provocou uma fratura na esquerda mexicana” – disse Alán Arias Marín, cientista político da Universidade Autônoma do México. “O movimento ainda tem apoio local [em Chiapas]”.

A volta do PRI

Enquanto isso, o México continua a debater-se com seus muitos outros problemas, a maioria dos quais associados à violência associada ao tráfico de drogas. Nos últimos 12 anos, o México foi governado pelos conservadores do Partido de Ação Nacional (PAN), liderado por Vicente Fox e Felipe Calderón. O PAN jamais teve qualquer interesse em enfrentar, nem os zapatistas, nem as graves questões, mais amplas, dos indígenas mexicanos. Hoje, o PAN está fora do governo, desenvolvimento que talvez altere a dinâmica política no que tenha a ver com os Zapatistas.
Marcha de protesto Zapatista

O PRI, que governou o México por 71 anos sem interrupções antes de 2000, estava no poder quando os Zapatistas rebelaram-se. A volta ao poder, ano passado, em eleições cercadas de acusações de fraude, do que o autor peruano Mario Vargas Llosa chamou de “a ditadura perfeita”, pode beneficiar os Zapatistas, agora que parecem interessados em reconstruir algumas alianças com movimentos sociais fora de Chiapas e renovar sua presença nacional.

“As forças sociais que ocuparam o Zocalo [praça central na Cidade do México] para impedir que o governo atacasse com força militar os rebeldes zapatistas [em 1994] continuam ativas” – diz Richard Stahler-Sholk, autor do livro Latin American Social Movements in the Twenty-First Century. “O governo mexicano promoveu a militarização do país, estimulado pelo governo dos EUA, para tentar responder à violência da droga”.

A guerra da droga já fez mais de 70 mil mortos no México desde 2006, e os EUA deram mais de $1,4 bilhão em ajuda militar ao México, sob a rubrica de combater os cartéis do crime.

Com a carnificina generalizada que varre grandes porções do território mexicano, ativistas clamam por uma nova abordagem na guerra às drogas. Com um movimento estudantil cada dia mais potente, que também faz oposição ao PRI, os Zapatistas têm, hoje, inúmeros possíveis novos aliados.

“Acho possível que os Zapatistas e o movimento estudantil ganhem muito mais tração agora, sob sistema político dominado pelo PRI” – diz Berger.

Enrique Peña Nieto
Peña Nieto pode converter-se em chamariz para novos protestos, repondo em cena o PRI, tradicional inimigo, histórico, dos Zapatistas. Durante seu mandado como governador [do estado do México], Nieto foi responsável pela violenta resposta policial contra manifestantes na cidade de San Salvador Atenco em 2006. Dois manifestantes foram assassinados, e um grupo de mulheres denunciou que foram sexualmente aterrorizadas pelas forças de segurança em manifestações contra a ampliação de um aeroporto.

O movimento de estudantes #yosoy132 foi constituído depois que um grupo de alunos de cursos secundários questionaram Nieto sobre esses ataques, durante a campanha presidencial em 2012. Indignados com as denúncias de fraude eleitoral e com a longa história de corrupção associada ao PRI, vários outros grupos estudantis também já se manifestaram na oposição ao novo governo.

“Rede de guerra” [orig. Net war] [1] 

Os jovens mexicanos não estão sós, na oposição ao status quo.

“O que começou como insurgência armada numa região isolada, converteu-se em pensamento não violento, em uma rede de guerra não armada, que atrái a atenção de muitos ativistas, alguns de bem longe do epicentro” – lê-se em relatório da Rand Corporation, sobre a operação por internet.

Em meados de janeiro, os Anonymous, movimento difuso de ativistas da internet, lançou, como se suspeita, um ciberataque que derrubou a página do Ministério da Defesa do México, declarando que a ação manifestaria solidariedade com os Zapatistas.

Marcha indígena Zapatista em Chiapas
Segundo alguns analistas, os Zapatistas – os quais, desde o primeiro dia serviram-se da Internet para buscar apoio – foram os precursores de um novo tipo de movimento social difuso, em tudo semelhante a movimentos como Occupy Wall Street, #yosoy132 e os protestos planetários contra a globalização.

Mas os benefícios tangíveis do ativismo por internet e o apoio que pode gerar são instáveis. “Os zapatistas fizeram história e muitas iniciativas internacionais logo os apoiaram” – diz Marín, professor na Cidade do México. Mas adiante, com a invasão dos EUA ao Iraque, muitas da ONGs que operam também por internet passaram a ter outras preocupações mais imediatas, diz o professor, para quem as ONGs são “confusas, sem foco ou coerência”.

Nos comunicados recentes, o subcomandante Marcos disse que os Zapatistas estão reavaliando seu relacionamento com inúmeros parceiros estrangeiros e domésticos. Grupos de ajuda humanitária, em especial serviços caritativos, têm sido criticados pelos revolucionários sem rosto.

Ideias revolucionárias

Se a guerra às drogas e a trilha que deixa, de milhares de cadáveres, contribuíram para afastar os Zapatistas da agenda internacional, a volta do PRI ao poder pode facilitar, para eles, o trabalho de se reposicionarem na grande arena dos debates internacionais.

No passado, sempre se acreditou que o PRI mantivesse acordos com os grandes cartéis de droga, para assim preservar a estabilidade no país. “O novo governo do PRI provavelmente abandonará a tática de guerra infinita contra o crime organizado” –prevê Berger. “Sem tanta guerra, será mais fácil para todos observar outras formas de fazer política”.  

Ainda não se pode afirmar que os Zapatistas conseguirão capitalizar a favor deles todas essas mudanças possíveis, mas o reaparecimento dos rebeldes ante a opinião pública está sendo acompanhado com muito interesse no México e em outras partes do mundo.

“Os comunicados recentes são especificamente orientados para reativar a base nacional e internacional de apoio” – disse, de Chiapas, um apoiador histórico dos Zapatistas, que, por motivos de segurança, pediu para não ser identificado. “Entendo que os Zapatistas esperam que as pessoas criem condições de autonomia e autossuficiência em seus diferentes contextos e áreas locais. Querem que os apoiadores carreguem a revolução com eles, p’ra casa”.



Nota dos tradutores
[1] A expressão aparece no relatório da Rand Corporation: “(...) o que está levando a uma nova modalidade de conflito – netwar [guerra em rede ou rede de guerra] – na qual os protagonistas dependem de organização em rede, com doutrinação em rede, estratégia em rede e tecnologia de rede. Muitos atores, em todo o espectro do conflito – de terroristas, guerrilheiros e criminosos que implicam ameaças de segurança, a ativistas sociais que podem não implicar qualquer ameaça de segurança – estão desenvolvendo projetos e capacidades para operar em rede. O movimento Zapatista no México é caso exemplar de netwar”. 

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