15/2/2013, Chris Arsenault, Al-Jazeera, Qatar
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu
Chris Arsenault |
Após
anos de silêncio, confinados em suas comunidades de base na região sul,
empobrecida, do México, os rebeldes zapatistas reemergiram, com uma série de
declarações nas semanas recentes, tentando reinflamar as paixões em torno de
suas demandas por “terra, liberdade, trabalho e paz”.
Em dezembro passado, 40 mil
apoiadores dos zapatistas marcharam pelas ruas de várias
cidades e vilas na província de Chiapas, reafirmando a própria presença.
Em janeiro e fevereiro, o subcomandante Marcos – porta-voz dos zapatistas, com
os indefectíveis cachimbo, balaclava e boné, branco e não indígena, personagem
muito fortemente “midiático” – lançou uma série
de comunicados em
que vergasta o presidente do México, Enrique Peña Nieto, membro do Partido
Revolucionário Institucional, PRI, que assumiu o poder em dezembro.
Marcha Zapatista silenciosa em Chiapas, México |
“Nossas
dores não diminuirão por nos abrirmos aos que fazem sofrer o mundo” – escreveu
Marcos em janeiro passado, convocando os apoiadores. “Resistiremos. Lutaremos.
Morrer? É possível. Mas, uma, dez, cem vezes, nós sempre venceremos”.
O
grupo surgiu pela primeira vez nas manchetes da mídia internacional dia
1/1/1994, quando tomaram seis cidades no estado de Chiapas, estado do sul do
México e uma das regiões mais pobres do país.
Para a Rand
Corporation, grupo de pesquisa com laços
íntimos com o establishment militar norte-americano, Chiapas é
“caracterizado por profundas diferenças, muito antigas, entre ricos e pobres –
reproduzidas por proprietários de terra que mantêm seus feudos medievais
protegidos por exércitos privados”.
Durante
já quase duas décadas, os Zapatistas trabalham para construir um sistema de
governo autônomo, com destaque para a dignidade dos indígenas e agricultura
coletiva. Al-Jazeera tentou, sem sucesso, em parte porque não há acesso
fácil por telefone, estabelecer contato com membros do grupo.
“Construir
comunidades”
Antes
das ações de dezembro e comunicados recentes, o grupo manteve-se em silêncio por
vários anos. “Estavam ocupados, construindo a base social do movimento no nível
comunitário, mesmo que não tenham aparecido na imprensa” – disse a Al-Jazeera,
Mark Berger, professor visitante de Análise de Defesa na Academia Naval de
Pós-graduação dos EUA –. “Hoje, entre 100 mil e 200 mil pessoas vivem em
comunidades que apoiam os zapatistas”.
Subcomandante Marcos |
Nos recentes comunicados, Marcos
descreveu o governo do México como “estado
zumbi”
controlado pela elite –
declaração que ressoou entre alguns setores da população, num país em que a
corrupção e a mais aguda desigualdade atacam como pragas.
Outras
tentativas de unificar os movimentos sociais no México, de sindicalistas
independentes a feministas, estudantes, punks e outros povos indígenas
levaram sempre a resultados confusos. E, em 2006, os Zapatistas lançaram sua A Outra Campanha – que, embora não tenha
obtido qualquer resultado na unificação do movimento social, mantém-se ativa,
como se vê.
“A Outra Campanha sempre foi crítica
ativa da política eleitoral e provocou uma fratura na esquerda mexicana” – disse
Alán Arias Marín, cientista político da Universidade Autônoma do México. “O
movimento ainda tem apoio local [em Chiapas]”.
A volta
do PRI
Enquanto
isso, o México continua a debater-se com seus muitos outros problemas, a maioria
dos quais associados à violência associada ao tráfico de drogas. Nos últimos 12
anos, o México foi governado pelos conservadores do Partido de Ação Nacional
(PAN), liderado por Vicente Fox e Felipe Calderón. O PAN jamais teve qualquer
interesse em enfrentar, nem os zapatistas, nem as graves questões, mais amplas,
dos indígenas mexicanos. Hoje, o PAN está fora do governo, desenvolvimento que
talvez altere a dinâmica política no que tenha a ver com os Zapatistas.
Marcha de protesto Zapatista |
O
PRI, que governou o México por 71 anos sem interrupções antes de 2000, estava no
poder quando os Zapatistas rebelaram-se. A volta ao poder, ano passado, em
eleições cercadas de acusações de fraude, do que o autor peruano Mario Vargas
Llosa chamou de “a ditadura perfeita”, pode beneficiar os Zapatistas, agora que
parecem interessados em reconstruir algumas alianças com movimentos sociais fora
de Chiapas e renovar sua presença nacional.
“As
forças sociais que ocuparam o Zocalo [praça central na Cidade do México] para
impedir que o governo atacasse com força militar os rebeldes zapatistas [em
1994] continuam ativas” – diz Richard Stahler-Sholk, autor do livro Latin
American Social Movements in the Twenty-First Century. “O governo mexicano
promoveu a militarização do país, estimulado pelo governo dos EUA, para tentar
responder à violência da droga”.
A
guerra da droga já fez mais de 70 mil mortos no México desde 2006, e os EUA
deram mais de $1,4 bilhão em ajuda militar ao México, sob a rubrica de combater
os cartéis do crime.
Com
a carnificina generalizada que varre grandes porções do território mexicano,
ativistas clamam por uma nova abordagem na guerra às drogas. Com um movimento
estudantil cada dia mais potente, que também faz oposição ao PRI, os Zapatistas
têm, hoje, inúmeros possíveis novos aliados.
“Acho
possível que os Zapatistas e o movimento estudantil ganhem muito mais tração
agora, sob sistema político dominado pelo PRI” – diz Berger.
Enrique Peña Nieto |
Peña
Nieto pode converter-se em chamariz para novos protestos, repondo
em cena o
PRI , tradicional inimigo, histórico, dos Zapatistas. Durante
seu mandado como governador [do estado do México], Nieto foi responsável pela
violenta resposta policial contra manifestantes na cidade de San Salvador Atenco
em 2006. Dois manifestantes foram assassinados, e um grupo de mulheres denunciou
que foram sexualmente aterrorizadas pelas forças de segurança em manifestações
contra a ampliação de um aeroporto.
O
movimento de estudantes #yosoy132 foi
constituído depois que um grupo de alunos de cursos secundários questionaram
Nieto sobre esses ataques, durante a campanha presidencial em 2012. Indignados
com as denúncias de fraude eleitoral e com a longa história de corrupção
associada ao PRI, vários outros grupos estudantis também já se manifestaram na
oposição ao novo governo.
“Rede de guerra” [orig. Net
war]
[1]
Os
jovens mexicanos não estão sós, na oposição ao status quo.
“O que começou como insurgência
armada numa região isolada, converteu-se em pensamento não violento, em uma rede
de guerra não armada, que atrái a atenção de muitos ativistas, alguns de bem
longe do epicentro” – lê-se em relatório da Rand
Corporation , sobre a operação por
internet.
Em meados de janeiro, os Anonymous, movimento difuso de ativistas
da internet, lançou, como se suspeita, um
ciberataque que derrubou a página do Ministério da Defesa do
México, declarando que a ação manifestaria
solidariedade com os Zapatistas.
Marcha indígena Zapatista em Chiapas |
Segundo
alguns analistas, os Zapatistas – os quais, desde o primeiro dia serviram-se da
Internet para buscar apoio – foram os precursores de um novo tipo de movimento
social difuso, em tudo semelhante a movimentos como Occupy Wall Street, #yosoy132 e os protestos planetários
contra a globalização.
Mas
os benefícios tangíveis do ativismo por internet e o apoio que pode gerar são
instáveis. “Os zapatistas fizeram história e muitas iniciativas internacionais
logo os apoiaram” – diz Marín, professor na Cidade do México. Mas adiante, com a
invasão dos EUA ao Iraque, muitas da ONGs que operam também por internet
passaram a ter outras preocupações mais imediatas, diz o professor, para quem as
ONGs são “confusas, sem foco ou coerência”.
Nos
comunicados recentes, o subcomandante Marcos disse que os Zapatistas estão
reavaliando seu relacionamento com inúmeros parceiros estrangeiros e domésticos.
Grupos de ajuda humanitária, em especial serviços caritativos, têm sido
criticados pelos revolucionários sem rosto.
Ideias
revolucionárias
Se
a guerra às drogas e a trilha que deixa, de milhares de cadáveres, contribuíram
para afastar os Zapatistas da agenda internacional, a volta do PRI ao poder pode
facilitar, para eles, o trabalho de se reposicionarem na grande arena dos
debates internacionais.
No
passado, sempre se acreditou que o PRI mantivesse acordos com os grandes cartéis
de droga, para assim preservar a estabilidade no país. “O novo governo do PRI
provavelmente abandonará a tática de guerra infinita contra o crime
organizado” –prevê Berger. “Sem tanta guerra, será mais fácil para todos
observar outras formas de fazer política”.
Ainda
não se pode afirmar que os Zapatistas conseguirão capitalizar a favor deles
todas essas mudanças possíveis, mas o reaparecimento dos rebeldes ante a opinião
pública está sendo acompanhado com muito interesse no México e em outras partes
do mundo.
“Os
comunicados recentes são especificamente orientados para reativar a base
nacional e internacional de apoio” – disse, de Chiapas, um apoiador histórico
dos Zapatistas, que, por motivos de segurança, pediu para não ser identificado.
“Entendo que os Zapatistas esperam que as pessoas criem condições de autonomia e
autossuficiência em seus diferentes contextos e áreas locais. Querem que os
apoiadores carreguem a revolução com eles, p’ra casa”.
Nota
dos tradutores
[1]
A expressão aparece no relatório da Rand
Corporation: “(...) o que está levando a uma nova modalidade de conflito
– netwar [guerra em rede ou rede de guerra] – na qual os protagonistas
dependem de organização em rede, com doutrinação em rede, estratégia em rede e
tecnologia de rede. Muitos atores, em todo o espectro do conflito – de
terroristas, guerrilheiros e criminosos que implicam ameaças de segurança, a
ativistas sociais que podem não implicar qualquer ameaça de segurança – estão
desenvolvendo projetos e capacidades para operar em rede. O movimento Zapatista
no México é caso exemplar de netwar”.
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