domingo, 10 de fevereiro de 2013

Syriza, Grécia: “Nossa solução para a Europa”


9/2/2013, Alexis Tsipras - Αλέξης Τσίπρας, da Coalizão da Esquerda Radical Grega (Syriza), Atenas.
Traduzido do grego ao espanhol por Ventureta Vinyavella para Tlaxcala
Traduzido para o português pelo pessoal da Vila Vudu

Fevereiro de 1953. A República Federal de Alemanha (RFA) desaba sob o peso das dívidas e ameaça arrastar na tormenta o conjunto dos países europeus. Preocupados com a própria saúde, os credores – a Grécia entre eles – registram um fenômeno que só surpreendeu os liberais: a política de “desvalorização interna”, quer dizer, de redução dos salários, não garante o pagamento das dívidas. É precisamente o contrário.

Reunidos em Londres e durante uma excepcional reunião de cúpula, 21 países decidem revisar suas exigências para ajustá-las às capacidades reais de seu sócio disposto a honrar suas obrigações. Decidem cortar 60% da dívida nominal acumulada pela RFA e concedem-lhe uma moratória de cinco anos (1953-1958); e fixam novo prazo de 30 anos para o reembolso. Instituem também uma “cláusula de desenvolvimento”, que autoriza o país a não comprometer com o serviço da dívida mais que um vigésimo das rendas que obtenha de exportações. A Europa fez exatamente o contrário do que dispunha o Tratado de Versalhes (1919), e assentou as bases do desenvolvimento da Alemanha Ocidental do pós-guerra (2ª Guerra Mundial).

Chanceler alemã, Angela Merkel e seu Ministro das Finanças, Wolfgang Schäuble
Essa, exatamente, é a proposta que a Coalizão da Esquerda Radical Grega (Syriza) faz hoje: agir a contrapelo dos pequenos tratados de Versalhes que estão sendo impostos pela Chanceler alemã, Angela Merkel e seu Ministro das Finanças, Wolfgang Schäuble aos países europeus endividados. Inspiramo-nos em um dos momentos de maior clarividência que a Europa conheceu no pós-guerra.

Os programas de “resgate” dos países da Europa meridional fracassaram, gerando poços sem fundo que, supostamente, caberia aos contribuintes encher. Nunca como hoje foi tão necessário chegar a uma solução global, coletiva e definitiva para o problema da dívida. Não se admite que se escamoteie objetivo dessa importância, só para garantir a reeleição da chanceler alemã.

Alexis Tsipras
Nessas condições, a Coalizão Syriza propõe que se realize uma conferência europeia sobre a dívida, conforme o modelo da Conferência de Londres sobre a dívida alemã em 1953. Essa, no nosso entender, é a única solução realista, que beneficiará todos: uma resposta global à crise de crédito e a constatação do fracasso das políticas postas em ação na Europa.

Eis o que exigimos para a Grécia:

  1. Redução significativa do valor nominal da dívida pública acumulada.
  1. Moratória para o pagamento do serviço da dívida, a fim de que as somas assim conservadas fiquem vinculadas à recuperação da economia grega.
  1. Instauração de uma “cláusula de desenvolvimento”, para que o pagamento da dívida não mate a semente da recuperação econômica.
  1. A recapitalização dos bancos, sem que as somas em questão entrem na contabilidade da dívida pública do país.

Essas medidas deverão ser conectadas a reformas orientadas para uma mais justa distribuição das riquezas. Pôr fim à crise implica, de fato, romper com o passado que lhe serviu de incubadora: fazer justiça social, com igualdade de direitos, com transparência política e fiscal; em uma palavra, implica democracia.

Projeto desse tipo resultará impraticável sem o concurso de um partido independente da oligarquia financeira, esse punhado de chefes de empresa que tomaram o Estado como refém, de armadores construtores de navios solidários entre eles – e, ainda em 2013, isentos de impostos – de proprietários de grupos midiáticos e de banqueiros (todos falidos), responsáveis, todos eles, pela crise; e dedicados cultivadores do status quo.

O relatório anual para 2012 da ONG Transparência Internacional classifica a Grécia como o país mais corrupto da Europa.

Merkel e Tsipras (Reiner Hachfeld, Neues Deutschland, 5 de mayo de 2012)
A proposta acima esboçada constitui, na opinião da Coalizão da Esquerda Radical Grega (Syriza), a única solução, se não se quer que o crescimento exponencial da dívida pública na Europa – que, em média, já se aproxima de 90% do PIB.

Motivos para otimismo: não será possível rejeitar nosso projeto, porque a crise já atinge o núcleo duro da zona do euro.

Qualquer adiamento trará aumento do custo econômico e social da situação atual, não apenas para a Grécia, mas também para a Alemanha e para os demais países que adotaram a moeda única.

Durante 12 anos, a zona do euro – inspirada nos dogmas liberais – funcionou como mera união monetária, sem equivalente político e social.

Os déficits comerciais dos países do Sul constituíram imagem especular dos excedentes registrados no Norte.

A moeda única, além do mais, serviu para que a Alemanha “esfriasse” sua economia, depois da custosa reunificação de 1990.

Mas a crise da dívida transtornou esse equilíbrio. Berlim reagiu, exportando sua receita de austeridade, o que trouxe consigo o agravamento da polarização social no seio dos estados meridionais e as tensões econômicas no coração da zona do euro.

Aparece agora um eixo norte-credor/sul-devedor, nova divisão do trabalho orquestrada pelos países mais ricos.

O Sul se especializará nos produtos e serviços com forte demanda de mão de obra com baixos salários; o Norte, numa via rumo à qualidade e à inovação, com salários mais elevados (para alguns).

Hans-Peter Keitel
A proposta do Sr. Hans-Peter Keitel, presidente da Federação Alemã da Indústria (al. BDI), em entrevista concedida a Der Spiegel, de transformar a Grécia em “zona econômica especial” [1] revela claramente o verdadeiro objetivo do Memorandum[2] 

As medidas propostas naquele documento e que se estendem, pelo menos, até 2020, já se revelaram sonoro fracasso, reconhecido até pelo FMI.

Contudo, para os que as conceberam, o acordo teria a vantagem de pôr a Grécia sob tutela econômica, com o país convertido em colônia financeira da zona do euro.

A anulação dessas medidas constitui, portanto, o prólogo necessário a qualquer saída da crise: o que mata é a droga, não a dose, como alguns se atrevem a sugerir.

Mas também é preciso perguntar quais as demais causas da crise financeira na Grécia. As causas que se veem no desperdício de dinheiro público não mudaram: o custo de construção por quilômetro de estradas é o mais alto da Europa, por exemplo. Outro exemplo: a privatização das rodovias pelo modelo “pré-pagamento” de novos eixos, cuja construção foi interrompida.

A extensão das desigualdades não pode ser reduzida a efeito colateral da crise financeira na Grécia. O sistema fiscal grego é reflexo da relação clientelista que une todas as elites do país. Como uma peneira, está furado de muitas exceções e de alvarás de passagem recortados pelo molde do cartel oligárquico. O pacto informal que, depois da ditadura, atua como solda que une o patronato e a hidra bicéfala do bipartidarismo – Nova Democracia e PASOK – garante sua perpetuação.

Uma das razões pelas quais o Estado renuncia hoje aos recursos necessários que teria de obter dos impostos: optaram pela contínua redução dos salários e das aposentadorias.

Mas o establishment, que só por um triz sobreviveu às eleições de 17 de junho passado, [3] porque semeou o medo de uma possível saída da Grécia da zona do euro, só sobrevive com a ajuda de um pulmão artificial: a corrupção.

Sísifo (Tela de Ticiano)
A difícil tarefa que consiste em quebrar a colusão entre os meios políticos e econômicos – assunto que só diz respeito aos próprios gregos – será uma das prioridades de governo popular comandado pela Coalizão da Esquerda Radical Grega (Syriza).

Exigimos, portanto, uma moratória para o pagamento do serviço da dívida, para mudar a Grécia.

Sem isso, qualquer nova tentativa de saneamento financeiro nos converterá em Sísifos  antecipadamente condenados ao fracasso. E, dessa vez, o drama não afetará só a antiga cidade de Corinto: afetará toda a Europa.



Notas de rodapé
[1]  10/9/2012, Spiegel Online, Von Roland Nelles e Severin Weiland em: BDI-Chef will Griechenland zur Sonderwirtschaftszone machen”.
[2]  Acordo assinado em maio de 2010, que impunha austeridade a Atenas, em troca de seu “resgate” financeiro [Nota de Le Monde Diplomatique].
[3]  Com 29,66 % dos votos, o “partido Nova Democracia” (de direita) foi forçado a formar uma coalizão com o PASOK (12,28% dos votos) e “Esquerda Democrática” (6,26 %). Em segundo lugar no número de votos, “Syriza” obteve 26,89 % (dez pontos percentuais a mais dos resultados eleitorais de maio de 2012), e o partido neonazista “Aurora Dourada” obteve 6,92% (sem alteração em relação a maio de 2012) [Nota de Le Monde Diplomatique].

Um comentário:

  1. (comentário enviado por e-mail e postado por Castor)

    É bom guardarmos bem arquivadas as advertências e fórmulas do Tsipras. Só por acaso...É bem verdade que nosso País é bem mais fornido de riquezas naturais que a Grécia e suas ilhas. Mas nem sempre essas riquezas garantem...(cf. anos-80/90, até 2003).

    Abraços do
    ArnaC

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