Nada noviços, nada
rebeldes
6/2/2013, Pepe Escobar,
Asia Times Online – The Roving
Eye
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu
Pepe Escobar |
As
colinas (geopolíticas) vibram ao som da... não, não é música; é esse tipo de
ruído pós-industrial, mais Kraftwerk*
que Schubert, que nos chega, zumbindo, da 49ª edição, recém encerrada, da
Conferência de Segurança de Munique.
Quem
não pagaria bônus de Goldman Sachs para ser informado sobre o que se cochichava,
sempre muito privadamente, naquele seleto coquetel de políticos, ministros,
generais e espiões que confraternizam pelos ricos corredores e desvãos do Hotel
Bayerischer Hof em Munique?!
Sabe-se,
pelo menos, a versão oficial. E as estrelas do show não são estrelas musicais. É mais
como Bayern versus Barcelona
em jogo da
Liga dos Campeões. Pode-se chamar, simplificando, de “A peleja
Biden versus Lavrov”.
O
que eu digo, vale
Joe Biden |
Comecemos
com o vice-presidente dos EUA Joe Biden:
Os
EUA são a potência do Pacífico. E a maior aliança militar [a Organização do
Tratado do Atlântico Norte, OTAN] ajuda a fazer de nós também a potência do
Atlântico. Como nossa nova estratégia de defesa deixa claro, assim
continuaremos: como potência do Pacífico e como potência atlântica.
Mais um bônus de Goldman Sachs
para saber o que nossos amigos no Zhongnanhai em
Pequim pensaram ao ouvir isso.
Biden
repetiu a mesma ideia também em termos da estratégia de “liderar pela
retaguarda” do governo Obama 2.0: a “abordagem ampla” implica usar “todos os
instrumentos à nossa disposição – inclusive nossos militares”.
Subiu a aposta e atreveu-se até a
elogiar os becos-sem-saída/casos-catástrofes do Iraque, Afeganistão e Líbia como
modelos; e deixou subentendido que a Guerra Global ao Terror (GWOT), sim,
sim, prosseguirá para sempre (ver 22/1/2013, redecastorphoto em: “Guerra
ao Terror forever”), com
os EUA dando-se “claramente conta da ameaça crescente que são vários afiliados
[da al-Qaeda] como AQAP no Iêmen, al-Shabaab na Somália, AQI no Iraque e Síria e
AQIM no Norte da África”.
Ali Akbar Salehi |
E,
além do mais, o Irã... A turma da geopolítica da luz no fim do túnel pode ter
dado destaque ao reconhecimento, por Biden, de que o governo Obama 2.0 não
descarta a possibilidade de diálogo direto com Teerã, mas mesmo assim, Biden
insistiu que “nossa política não é de contenção”. Não surpreende que o ministro
de Relações Exteriores do Irã, Ali Akbar Salehi, tenha dito que, sim, podemos
conversar, é claro; mas só se Washington for “séria”.
“Séria”,
no contexto, significa que Washington terá de suspender as precondições de
proporções himalaicas – entre as quais a proibição de que Teerã enriqueça
urânio, direito que o Irã tem, como signatário do Tratado de Não Proliferação
Nuclear, além das sanções mantidas ad infinitum.
Finalmente,
sobre a Síria, Biden repetiu o mesmo velho roteiro gasto: Bashar al-Assad seria
“um tirano, que não se separará do poder por vontade própria”, que “já não é
adequado a liderar o povo sírio” e que “tem de sair”. Mas, na língua dura do
liderar-pela-retaguarda, tudo isso significa que não haverá intervenção militar
direta dos EUA... para grande desespero da mais recente “coalizão nacional
síria” inventada por Washington-Doha.
Sergei Lavrov |
O que
vocês dizem não vale nada
Agora,
quanto ao ministro das Relações Exteriores da Rússia, Sergei Lavrov. Reuniu-se,
sim, com Moaz al-Khatib, líder da nova coalizão de oposição síria, o qual – e
seria impensável há algum tempo – também se reuniu com Salehi, ministro das
Relações Exteriores do Irã.
Nos
dois casos, sobre Irã e sobre Síria, Lavrov foi direto, focado e reto como
laser. Para o Irã, insistiu na necessidade de “incentivos” para atrair o Irã
para conversações sérias: “Temos de convencer os iranianos de que não se cogita
de mudança de regime”. Para a Síria,
insistiu que a “continuada tragédia” é resultado da persistência dos que dizem
que a prioridade absoluta seria remover o presidente Assad”.
Ouçam então o buzzing, ao
estilo do Kraftwerk, vindo de Munique, que resultou da reunião de representantes
da oposição síria co os dois principais apoiadores de Assad – Irã e Rússia. Só
no mais longo prazo se verá o que realmente significa esse notável
desenvolvimento. Por hora, só se sabe que aconteceu bem poucos dias depois que
al-Khatib declarou-se disposto a conversar com o regime de Assad – sob a
condição de que 160 mil prisioneiros políticos sejam libertados (onde será que
guardam toda essa gente? Num imensíssimo calabouço por baixo do
[castelo-fortaleza] Crac des
Chevaliers dos
Cruzados, talvez?).
Krak des Chevaliers, Síria - Patrimônio mundial da UNESCO |
Seja
como for, no esquema do grande choque de placas tectônicas na Eurásia, o futuro
da Síria é apenas um detalhe, se comparado ao Terremoto Final, o “Big One”: o
que fazer para penetrar o Muro de Desconfiança que separa Washington e Teerã?
Aiatolá Khamenei |
Qualquer
negociação real tem, imperativa e necessariamente, de envolver o Supremo Líder
Aiatolá Khamenei – ou, no mínimo, alguém que goze de sua confiança
incondicional. Um primeiro passo é o que o mundo inteiro acompanhará como cena
de suspense radical, preparando para o capítulo seguinte: a reunião entre o P5+1
(os cinco membros permanentes do Conselho de Segurança + a Alemanha) e o Irã,
dia 25 de fevereiro, no Cazaquistão.
Alguns
poucos atores geopolíticos já sonham com encontro bilateral entre
norte-americanos e iranianos, naquele momento, em Astana, que assinalaria o
começo do fim de uma excepcionalmente repugnante Guerra Fria. Não por acaso, já
circulam boatos de que Ali Larijani, presidente do Parlamento iraniano
(Majlis) – candidato mais do que definido à presidência do Irã, para as
eleições de junho próximo; e protege do Supremo Líder – esteve duas vezes
em visita secreta aos EUA, reunido com negociadores norte-americanos.
Assumindo-se
que se trate do início de uma détente – e mesmo que, realisticamente,
ainda esteja a anos-luz de distância –, podem todos já começar a temer confusão
vinda dos suspeitos de sempre, Israel e aqueles campeões da democracia do Clube
Contrarrevolucionário do Golfo (CCG) também conhecido como Conselho de
Cooperação do Golfo (CCG).
Rei Abdullah (Arábia Saudita) |
A
Casa de Saud, por sua vez, entrará em surto de piração total se houver qualquer
tipo de acomodação nas relações Washington-Teerã. Toda a estratégia da Casa de
Saud – em termos de sua ultrarreacionária contrarrevolução contra a Primavera
Árabe – consistiu sempre em converter todos os confrontos em guerra de sunitas
contra xiitas. É projeto plenamente apoiado e corroborado por Washington:
sunitas “virtuosos” (especialmente os wahhabistas, no papel dos EUA) contra um
“eixo do mal” de apóstatas: Teerã, Assad e o Hezbollah.
Para tornar mais arenosa a
tempestade de areia, a Casa de Saud vive – para simplificar – confusão real das
maiores. Basta ler essa deliciosa
crônica do que
está acontecendo no processo de definir a sucessão nepotista do rei Abdullah. Em
seguida, é só verificar o que é
vendido como “inteligência” dos EUA, cortesia de Strarfor –
“instituto” que, afinal, já admite o que Asia Times Online noticia há
mais de um ano sobre jihadistas salafistas na Síria: todos ainda defendem a Casa
de Saud.
Resumo
da ópera: ainda que o governo Obama 2.0 empreenda real esforço para penetrar o
Muro de Desconfiança, o próprio esforço pode levar a nada, não só por ação dos
“amigos” israelenses e sauditas, mas, também, por ação deliberada do inimigo
interno.
Nota dos
tradutores
Kraftwerk* é um
influente grupo musical alemão de música eletrônica. O grupo foi formado por
Ralf Hütter e Florian Schneider em 1970, em Düsseldorf e liderado por ambos até
a saída de Schneider, em 2008. Pode-se assisti-los a seguir no I Love Techno festival Gent (Belgium) 21th october 2006
Nafoute TV: [NTs].
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