25/2/2013, Pepe Escobar,
Asia Times Online – The Roving
Eye
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu
Nem nesse mundo chapado, tempos de
doidos varridos, Jack Nicholson algum dia imaginou que faria duplinha com a Primeira Dama
dos EUA para apresentar um Óscar de Melhor Filme.
Está mais para Hunter S
Thompson que
para Academia – e nada tem de presidencial. Mas marcou – lindamente – o
casamento de Washington com Hollywood. Se George Clooney casa-se com o Sudão
(mas não com a Palestina), por que Jack não poderia trocar fofoquinhas com
Michelle? Depois disso, virá o quê? Obama partilhando inteligência com Jessica
Chastain?
Michelle Obama apresenta, no telão, o Óscar de melhor filme |
O casamento que realmente conta –
doravante – pode estar no coração do complexo militar-industrial-Hollywood-de
segurança, como em A hora mais escura e em infindáveis variações do etos
Marvel (ver “Óscar
hora mais escura”). Mas por hora, em termos de
justiça poética, nada faz mais sentido que o Óscar para Argo, dirigido
por Ben Affleck (e coproduzido por Clooney).
Aqueles
mais de 6.000 votantes da Academia simplesmente não puderam resistir a um
roteiro só muito frouxamente apoiado em fatos, no qual uma Hollywood cheia de
recursos salva a CIA. E com certificado de aprovação by Hollywood, de
bônus. Assim, como se poderia prever, foi Hollywood premiando-se, ela mesma, com
um Óscar, premiando o hiper nacionalismo, heróis dos EUA e, claro, a vitória dos
bons (americanos) sobre os péssimos (iranianos).
E
o quanto se torna monumentalmente poética essa justiça, quando um filme sobre
filme falso, que engana iranianos revolucionários durante a crise dos reféns que
se arrastou por 444 dias, é coroado como Melhor Filme, só dois dias antes de os
EUA e outros membros do Conselho de Segurança da ONU mais a Alemanha voltarem à
mesa para discutir se o Irã os estaria enganando – e construindo uma bomba
atômica.
Argo obra
para provar que o Irã odeia o Satã norte-americano, mas os iranianos amam
Hollywood. Três décadas depois, os iranianos não são tão facilmente
engambeláveis. Conversáveis. Vão até filmar seu contra-Argo. E a absoluta
maioria da população – apesar das duríssimas sanções impostas por EUA e União
Europeia – apoia um programa nuclear civil. Paralelamente, será engraçado
observar a performance de Argo de Karachi a Caracas.
Voltando a Hollywood: como Orson
Welles ensinou, é tudo falso. Até o ex-presidente Jimmy Carter admitiu, na CNN,
que tudo que se vê no roteiro de Argo foi obra dos canadenses – ajudados
pelo então embaixador no Irã, Ken Taylor. No Canadá, todo mundo sabe que foi
trabalho dos canadenses. Obviamente, ninguém sabe de nada, nos EUA.
Pergunte
a Christoph Shultz
O
que realmente interessa nos Óscars é o tapete vermelho – e a frase imortal “O
que você está vestindo?”. Num festival de desastres de guarda-roupa que bem
valeriam uma investigação do FBI, havia pelo menos Charlize Theron
em Dior, Naomi
Watts em Armani Privé e Anne Hathaway em Prada para alegrar
pupilas fatigadas. É o que rodará pelo mundo digital por todo o planeta – com a
maioria os vencedores já esquecidos.
Não
houve surpresas. Se Daniel Day-Lewis encarnando o Deus dos EUA, também conhecido
por Lincoln, não levasse seu (3º) Óscar, a culpa seria de um ciberataque chinês.
Na verdade, houve, sim, uma surpresa: o Zeus de Hollywood, Steven Spielberg, foi
descartado, para beneficiar Ang Lee, diretor de Life of Pi. Os mais
céticos imediatamente se puseram a dizer que teria a ver com Hollywood estar
pivoteando-se na direção do lucrativo mercado asiático.
Quentin
Tarantino disse que foi o ano dos escritores, no Óscar. Foi mesmo. Faz total
sentido que seu clássico de vingança, Django liberto, tenha recebido os
prêmios de Melhor Roteiro e Melhor Ator Coadjuvante (o mestre vienense Christoph
Waltz).
Para
Tarantino, só um número gigante de cadáveres pode levar-nos à Justiça. Pode-se,
vez ou outra, desgostar de seus excessos. Mas fato é que a sua receita para os
EUA – quando o mal está à sua frente, olho no olho, você sai e manda bala – é
crível, porque seus personagens são tão esplendidamente escritos. Não surpreende
que o lobby das armas e fanáticos de vários calibres da National Rifle Association estejam
usando Django como material de divulgação entre os afro-americanos. Se
seguissem Django (“o D é mudo”) ao pé da letra, os EUA pós-apocalipse seriam bem
parecidos com essa paródia de Django Sem Freios.
A Academia pode, sim, ter-se
redimido, pelo menos em parte, do caso de amor com a CIA, ao dar o prêmio de
Melhor Roteiro a Tarantino, não a Tony Kushner pelo totêmico Lincoln.
Afinal, Kushner – e Spielberg – construíram seu épico antiescravidão sem sequer
um olhar na direção de Frederick Douglass
ou de
Black
Reconstruction in America de W E B DuBois,
onde se
lê, bem claramente, que “foram os escravos fugidos que forçaram os donos de
escravos a encarar a alternativa de render-se ao Norte ou render-se aos negros”.
Com
pelo menos 200 mil negros no Exército e outros 200 mil como coadjuvantes, o
norte teria perdido a guerra. Ou, no mínimo, o sul branco suprematista teria
continuado como antes – escravos e tudo. Nada disso se vê em Lincoln.
O
que os dois Óscars de Django provam mais uma vez é que Hollywood é doida
por vingança. Mesmo que venha sob a forma de um western-spaghetti cripto-psicodélico que
faria John Ford vomitar. Bem... ainda é um Oeste Selvagem. Mais selvagem que os
mais selvagens sonhos selvagens de Jack Nicholson.
Tarantino
talvez não seja o roteirista mais qualificado para decodificar Barack Obama, o
neo-Lincoln. Que tal um western-gourmet que mostre a transição da
Guerra Global ao Terror para a guerra invisível, de sombras, enquanto, no plano
interno, o neo-Lincoln faz, do controle de armas misturado com drones de
vigilância, meio de vida.
Ou
Christoph Waltz, no papel do transviado John Brennan – confessor do então
diretor da CIA, George Tenet, absolutamente bem informado e atualizado sobre
“fatos e inteligência adaptados em torno da política” para justificar a guerra
contra o Iraque e, depois, definindo os parâmetros para a tortura e buscando,
para eles, a aprovação do Departamento de Justiça .
Imaginem
uma cena, com Waltz, e o talento que é sua marca registrada – em depoimento ante
a Comissão de Inteligência do Senado – como Brennan, no início desse mês –
dizendo que “os regimes em Teerã e Pionguiangue continuam empenhados em construir armas atômicas e sistemas de transporte e
disparo de mísseis balísticos intercontinentais”.
Argo é para
mariquinhas. O negócio agora é Obamabomber Desembestado.
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