sábado, 9 de fevereiro de 2013

John Brennan, a CIA e uns tais “cidadãos norte-americanos”


9/2/2013, Amy Davidson*, The New YorkerClose Read blog 
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu


John Brennan mentindo no Senado dos EUA
“Um dos problemas é que, se o programa dos drones se generalizar, e um norte-americano for apanhado, ninguém jamais saberá o suficiente sobre esse tal “cidadão norte-americano’” – disse a senadora Dianne Feinstein, ao arguir John Brennan, indicado pelo presidente Obama para dirigir a CIA (John Cassidy has more on the hearing). 

Anwar al-Awlaki
A senadora referia-se a Anwar al-Awlaki, assassinado num ataque de drone no Iêmen em 2011, e que era “suposto cidadão norte-americano” porque nasceu nos EUA, no Novo México. “Ninguém sabe o que ele fazia” – Feinstein continuou. “Ninguém sabe do seu trabalho de aliciamento. Gostaria que o senhor falasse um pouco sobre o Sr. Awlaki e o que fazia”.

Brennan tentou esquivar-se, porque a pergunta envolvia comentário sobre uma “operação”...

Feinstein aproveitou a deixa: É aí que está o problema! Quando as pessoas ouvem falar de “um norte-americano”, todos supõem que seja pessoa de bem. E esse homem absolutamente não era pessoa de bem.
Brennan: É.
Feinstein: Entendo que o senhor não possa comentar o caso, porque ouvi dizer que o homem seria problema sério.

Dianne Feinstein
Brennan concordou. Disse que al-Awlaki “estava intimamente envolvido em atividades que visavam a matar homens, mulheres e crianças inocentes, a maioria dos quais norte-americanos. Não era só agente de propaganda”. (Omitiu, no comentário, que o filho norte-americano de al-Awlaki, adolescente, também foi assassinado, num segundo ataque de drone.) Feinstein fez referência a vários outros incidentes; em alguns casos, Brennan concordou que al-Awlaki seria “um organizador”; em outros fez comentários oblíquos sobre “inspirar” e “incitar pessoas”.

Feinstein resumiu a troca de palavras numa linha, que talvez seja a mais perturbadora das três horas de sabatina, pior, até, que a “piadinha” que o senador Burr contou, minutos depois, sobre simulação de afogamento:

“Portanto, o senhor está dizendo que o Sr. Awlaki não era cidadão norte-americano dos quais os EUA possam orgulhar-se”.

Richard Burr
“Orgulhar-se de alguém”, “cidadão de bem”, “suposto cidadão dos EUA”... são esses os critérios pelos quais o Senado dos EUA avalia questões fundamentais dos direitos dos cidadãos e sobre o que seja o devido processo legal?

Antes da sabatina, surpreendi-me pensando sobre o que passaria pela cabeça dos norte-americanos quando ouvem dizer que o Presidente dos EUA deu-se a ele mesmo o direito de assassiná-los. Feinstein não poderia ter dado resposta mais angustiante, menos tranquilizadora.

Quando, por quais critérios, qualquer de nós vira “suposto cidadão” e alvo legal de assassinato premeditado? Exatamente porque, talvez, houvesse grande quantidade de provas contra al-Awlaki é que o caso deveria ter sido objeto de inquérito e processo. Haver provas não é motivo para evitar-se o inquérito e o processo e decidir pelo assassinato sumário. Que fim levou a ideia segundo a qual quando nos vemos tomados pela ira, quando estamos por baixo na cadeia da popularidade, é quando, precisamente, mais cuidados temos de tomar?

Angus King
O governo Obama, na medida em que se possa avaliar por um documento do Departamento de Estado que vazou, está construindo argumento viciado de muitas contradições: por um lado, diz que é atento e cuidadoso, que só assassina para salvar vidas. Mas, quando é contraditado, desce para o mais baixo plano das emoções e esquece completamente o que a lei lhe impõe. Angus King, o novo senador independente, do Maine – sujeito simpático, de bigodes brancos, que gosta de citar sentenças da juíza Sandra Day O’Connor – perguntou por que não se poderia criar algo semelhante a uma corte de Supervisão da Aplicação da Lei da Inteligência Externa [orig. something like a Foreign Intelligence Surveillance Act court] para examinar provas antes de o executivo ordenar um assassinato. (Em outras palavras: que tal criar mecanismos para impedir o presidente de agir baseado em acusações sem provas ou baseado em inteligência falhada?).

Brennan respondeu que estaria interessado em discutir a questão. Mas, em seguida, fez um comentário que mostrou claramente o que há de mais perturbador nas políticas do governo Obama que lhe permitem assassinar – e nem importa quem seja o assassinado:

Nenhuma dessas ações visam a determinar culpas passadas por ações passadas. As decisões [de assassinar com premeditação, usando os drones] são tomadas para impedir ações futuras – para proteger vidas norte-americanas. E essa é função inerente do Executivo.

Quer dizer então que o presidente mata por palpite? Que decide por palpites, que ordena o assassinato, talvez, porque alguém não lhe parece ser “pessoa de bem”?

Ron Wyden
E a coisa ficou ainda mais confusa, quando Ron Wyden, do Oregon, perguntou a Brennan se cidadãos norte-americanos cujos nomes apareçam em alguma “lista para matar” [orig. “kill list”] têm chance de render-se, antes de serem assassinados. Brennan respondeu que quem quer que se alinhe com a Al Qaeda “tem de saber perfeitamente bem que, de fato, é parte da força inimiga que luta contra nós”. Sugeriu que bastaria, para ser alvo de assassinato por drones, qualquer associação passada, por remota e não provada que tenha sido.

O documento vazado do Departamento de Justiça apoia essa interpretação, com o “conceito” de “gente que vive conspirando” e – como vários analistas observaram – introduz “definições” de “ação iminente”, de prevenção de “ações futuras”, definições tão elásticas a ponto de nada significarem, porque nada excluem. O documento do Departamento de Justiça sequer limita a resposta-retaliação só ao poder de destruição da própria Al Qaeda: inclui também, sem nada definir, umas tais “forças associadas”.

Se algo se aproveita daquela sabatina, é que já se vê claramente que não há nível satisfatório de transparência ou de supervisão. Brennan demonstrou-o, ele mesmo, na arguição sobre as consequências da tortura e o dano que têm causado aos EUA. Disse, de um relatório secreto da Comissão de Inteligência do Senado, que teria sido “perturbador” e que o teria levado a questionar-se sobre boa parte do que pensava que sabia. (Falou, literalmente, de “informação pouco acurada que foi passada adiante”).  

Jay Rockefeller
Se um homem na posição em que está Brennan diz tal coisa, da próxima vez a opinião pública terá de ter pleno acesso ao tal relatório secreto, antes de admitir novos assassinatos “legais”. Chama a atenção também que a Casa Branca tenha liberado o acesso aos senadores, que leram as decisões secretas do Departamento de Justiça, mas não tenha autorizado que fossem distribuídas para os gabinetes dos senadores.

Brennan está indignado por não ter informação confiável sobre tortura? Ao longo da sabatina, nada fez além de oferecer, como justificativa, suas paixões pessoais: “Vou dormir à noite, sem ter certeza de ter feito o bastante” – disse ele. (As paixões, em seguida, foram ilustradas com piadinhas sobre ele ser “de New Jersey”.) Os norte-americanos não compreendem, disse ele, “a agonia que padecemos”, cuidando para que não haja mortes colaterais nos ataques dos drones.

Carl Levin
É possível, sim, que padeçam terrível agonia, mas é agonia muito menos importante, ou relevante, ou considerável, ou preocupante, que o trabalho de ir criando precedentes que aí ficam, à disposição de futuros presidentes – mais vingativos, ou assassinos mais frios, ou que sejam colhidos em crises que os desestabilizem e assustem mais. Como disse o senador Jay Rockefeller, “os drones só aumentarão”.

Mas, sim, houve um ponto em relação ao qual Brennan deixou de lado qualquer sentimento pessoal. Perguntado por Carl Levin se a simulação de afogamento [orig. waterboarding] seria tortura, Brennan respondeu que, embora no plano pessoal considere a prática “repreensível”, não podia responder: “Não sou advogado”.





Amy Davidson* é editora sênior da revista The New Yorker. Ingressou na publicação em 1995, escreve o blog Close Read no site da revista, além das contribuições na edição impressa. Nasceu e cresceu em Nova York e se formou em Harvard. Antes de ingressar na The New Yorker viveu e trabalhou na Alemanha.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Registre seus comentários com seu nome ou apelido. Não utilize o anonimato. Não serão permitidos comentários com "links" ou que contenham o símbolo @.