Janeiro de 2013, Comunicado
TRADUÇÕES, Exército Zapatista de Libertação Nacional (EZLN)
Tradução revista pelo pessoal da
Vila Vudu
subcomandante Marcos |
No dia em que o ocidente se preocupava com o “fim do mundo maia”, os
zapatistas reapareceram em várias cidades do estado de Chiapas, México, numa
impressionante marcha silenciosa de 40 mil mascarados, sem armas. Levaram as
tábuas, montaram um palanque, em cada praça, desfilaram por cima do próprio
palanque, desmontaram o palanque, levaram-no com eles e novamente desapareceram.
Assistam a seguir: A Marcha do
Silencio (a mensagem dos maias) - México 21/12/2012
Dizem
os de cima:
“Nós
mandamos. Somos mais poderosos, ainda que em menor número. Não nos
importa o que vocês digam-escutem-pensem-façam. Sempre serão mudos, surdos,
imóveis”.
Podemos
impor como governante alguém medianamente inteligente (ainda que já seja muito
difícil encontrar gente assim entre os políticos profissionais), mas elegemos
alguém que nem consegue fingir que sabe do que se trata.
Por
que fazemos? Fazemos porque podemos.
Podemos
usar o aparato policial e militar para perseguir e encarcerar os verdadeiros
delinquentes, mas esses criminosos são parte vital de nós mesmos. Em troca,
escolhemos perseguir vocês, golpear vocês, prender vocês, torturar vocês,
assassinar vocês.
Por
que fazemos? Fazemos porque podemos.
Inocente
ou culpado? E a quem importa se você é um ou outro? A justiça é uma puta a mais
em nossa agendinha de contatos e, acredite, não é a mais cara.
E
ainda que você faça ao pé da letra como o molde que impomos, ainda que você não
faça nada, ainda que você seja inocente, esmagaremos você.
E
se você insiste em perguntar por que o fazemos, te respondemos: Fazemos porque
podemos.
Isso
é ter Poder. Muito se fala em dinheiro, riquezas e essas coisas. Mas acredite: o
que excita os de cima é este sentimento de poder decidir sobre a vida, a
liberdade e os bens de qualquer um. Não, o poder não é o dinheiro: é o que quem
tem dinheiro pode ter. O Poder não é só o exercício impune do poder. Poder é
também exercitar impune e irracionalmente o poder. Porque ter o Poder é fazer e
desfazer, sem mais motivos que ter poder.
E
não importa quem apareça à frente, a nos ocultar. Isto de direita e esquerda são
só referenciais para que o chofer estacione o carro. A máquina funciona por si
só. Sequer temos de mandar que se castigue a insolência de nos desafiar.
Governos grandes, médios e pequenos, de todo o espectro político, além de
intelectuais, artistas, jornalistas, políticos, líderes religiosos, disputam o
privilégio de nos bajular.
E
você? Você que se dane, que se foda, que apodreça, que morra, que se desiluda,
que se renda.
Para
o resto do mundo você não existe, você é ninguém.
Sim,
temos semeado o ódio, o cinismo, o rancor, a desesperança, o senso teórico e
prático de foda-se-o-mundo, o conformismo do “menos pior”, o medo transformado
em resignação.
Entretanto,
tememos que isto se transforme em raiva organizada, rebelde, sem preço.
Porque
o caos que impomos, nós o controlamos, o administramos, o dosamos, o
alimentamos. Nossas “forças de ordem” são nossas forças para impor o nosso caos.
Porém
o kaos que vem de abaixo…
Ah,
esse… Os de cima não entendemos o que dizem, quem são, quanto custam os de
baixo.
E
são tão grosseiros, que já não mendigam, esperam, pedem, suplicam: só fazem
exercer sua liberdade. Onde já se viu tamanha obscenidade?!
Este
é o verdadeiro perigo. Gente que olha para o outro lado, que sai do molde, que
quebra o rompe, que ignora o molde.
Querem
saber o que nos tem rendido ótimo resultado? Este mito da unidade a todo custo.
Entender-se somente com o chefe, dirigente, líder, caudilho, ou como se chame.
Controlar, administrar, conter, comprar um/a é mais fácil que muitos. Sim, e
mais barato. Ah... E as rebeldias individuais?! São tão comovedoramente inúteis.
Realmente
um perigo, é que cada qual se organize em coletivo, grupo, banda, raça,
organização, e ao lado dos seus comuns aprenda a dizer “não” e a dizer “sim”; e
que façam acordos só entre eles. Porque o “não” deles é apontado contra nós, os
que mandamos. E o “sim”… uf… o “sim”, deles, isto sim, é uma calamidade! Imagine
que cada qual construa seu próprio destino, e decida o que ser e fazer. Seria o
mesmo que declararem que os dispensáveis somos nós! Nós: os que sobramos, os que
estorvamos, os desnecessários, os descartáveis, os que devemos ser encarcerados,
os que devemos desaparecer.
Sim,
sim, é um pesadelo. Só que, claro, agora é o nosso pesadelo. E como o mundo
viraria coisa de mau gosto... Cheio de índios, de negros, de pardos, de
amarelos, de vermelhos, de rastas, de tatuagens, de piercings, de
rebites, de punks, de gótic@s, de chol@s,de skatistas, dessa bandeira do (A) tão
sem nação para que se a possa comprar, de jovens, de mulheres, de put@s, de
crianças, de idosos, de pachucos, de motoristas, de campesinos, de
operários, de manos, de favelados, de pobres, de anônimos, de… de outr@s. Sem
espaço privilegiado para nós, “the beautiful people“… a “gente de bem” (se você
ainda não entendeu)... Porque, você... Vê-se de longe que você não estudou em
Harvard.
Sim,
este dia seria noite para nós de cima… Se viraria o mundo de cabeça para baixo.
E os de cima? O que faríamos?
Mmh…
não havíamos pensado nisso. Pensamos, planejamos e executamos o que tínhamos de
fazer para que nada acontecesse, mas… não, não previmos tal coisa.
Mas...
se aconteceu... Bom... Nesse caso, pois…mmh… não sei… talvez procurássemos
identificar culpados e, em seguida, sabe-se lá, talvez, não sei, um plano “B”. O
problema é que, se já aconteceu, tudo já é inútil.
Acho
que então os de cima recordaríamos aquele maldito judeu vermelho… não, Marx não,
Einstein, Albert Einstein! Parece que foi ele quem disse: “A teoria é quando se
sabe tudo e nada funciona. A prática é quando tudo funciona e ninguém sabe por
quê.” No caso presente, os de cima combinamos a teoria e a prática: nada
funciona; e ninguém sabe por quê.
É.
Você tem razão: os de cima não obteríamos assunto, sequer, para uma risadinha. O
senso de humor sempre foi patrimônio não expropriável. Não é uma pena?
Sim,
sem dúvida: são tempos de crises.
Ei!
Não vão tirar fotos? Pergunto, para nos arrumarmos um pouco, vestirmos algo mais
apresentável. Nah, este modelito já o usamos em “Hola”[1] [história em quadrinhos mexicana].
Mas... pelo que conversamos, nota-se que você não passou do “libro vaquero” [da
mesma história em quadrinhos mexicana].
Ah!
Mal podemos esperar para contar a noss@s amig@s quem apareceu por aqui, para nos
entrevistar, alguém tão…tão…tão…outro. Eles vão ficar encantados! E, bem... A
entrevista vai nos dar um ar tão cosmopolita!
Não,
claro que não temos medo dos de baixo. E quanto ao que profetizam... Ora! São só
supertições, tão…tão…tão autóctones. Tão, tão... Região 4… Hahahahaha… Que ótima
piada. Anotemos, para contar às crianças de cima.
Como?
O quê? Não é profecia?!
Ah!
É promessa…
(…)
(som de titutata-tatatatá, do smartphone)
E
o quê? Chamamos a polícia? Sim, para denunciar que veio alguém até aqui, para
nos ver. Sim, imaginamos que fosse um jornalista ou algo assim. Veio tão…tão…
tão outro! Não. Não nos fez nada. Não. Também não levou nada. Mas agora, que
saímos para ir ao clube ver noss@s amig@s, vemos que pintaram algo no portão de
entrada do jardim. Não. Os guardas não viram quem foi. Claro que foram
fantasmas. Fantasmas não existem. Bom... Uma coisa pintada assim... com muitas
cores… Não. Ninguém viu lata de tinta por perto… Como estávamos dizendo: uma
coisa pintada com muitas cores. Negócio muito colorido, muito mano, muito outro,
nada a ver com as galerias onde… O quê? Não, não. Não queremos que mandem
patrulha alguma. Telefonamos só para saber se podem investigar e explicar que
coisa é aquela, que pintaram na entrada. Sei lá! Parece um código. Ou coisa
dessas línguas estranhas que os pobres falam. É. Uma palavra só. Ninguém sabe
por quê, mas dá arrepios. Escreveram:
“MARICHIWEU!”
[2]
(continuará…)
De
qualquer lugar, em qualquer dos mundos, EZLN.
Planeta
Terra.
Janeiro
de 2013.
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Vídeos que acompanham esta
postagem:
a)
Pachuco
“Pachuco“, com a Maldita Vecindad y los Hijos del 5to
Patio. Um video que, agora sim, é de uma perspectiva “de abaixo”, ou seja,
do meio do tumulto. Moral da história: Não grave enquanto estiver no trampolim.
E como vai, Maldita? Não seja tão previsível e chegue a um acordo. Ou o que?
Você vai abandonar as pessoas à mercê dos Justin Biebers e outros? Okay então,
um abraço daqui de Solin, porque todos vocês entenderam que as comunidades são a
verdadeira Kalimán [3].
b) “Más por tu
dinero”
Roteiro e direção de Yordi Capó.
Guadalajara, México, Agosto de 2003.
c) “De ratones y
gatos”
Desenhos animados baseados
em palavras de
Thomas C. Douglas (1904-1986).
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Notas de rodapé
[1] Revista
“Hola” é a equivalente à Revista “Quem” no Brasil, que escreve sobre a vida das
celebridades.
[2] Marichiweu
é palavra mapuche. Significa: “Cem vezes venceremos!”
[3] Kalimán é
mais uma antiga HQ mexicana. Solin era o ajudante de
Kalimán.
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