20/2/2013, Marco
Costa, Stato & Potenza (blog), Itália
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu
Marco Costa |
Nesta
campanha eleitoral italiana catatônica, metáfora perfeita e adequada para uma
Itália que passa por momento tão dramático do ponto de vista econômico, quanto
surreal do ponto de vista da representação institucional, vale a pena observar o
modo como entrou em cena, no teatrinho desses patéticos aspirantes ao
Parlamento, um tópico novo (embora sempre datado). Esse tópico – usado hoje como
arma de deslegitimação recíproca – é, contudo, uma das categorias da política
moderna: o populismo.
Não
que seja a primeira vez que forças populistas apresentam-se nas eleições [na
Itália] em décadas. Mas o que parece ter mudado é que, dessa vez, o populismo
parece estar sendo acolhido, e a categoria “populismo” inscreve-se no debate
diário como categoria de pleno direito, a ser ideologicamente circunscrita.
Trata-se aqui de tentar compreender adequadamente, pelo menos, a origem
político-linguística da expressão.
Populismo por Brian Judge |
O
substantivo “populismo” deriva do inglês populism, a qual, por sua vez é
tradução do russo narodnicestvo; o adjetivo populist é tradução do
russo narodníki. O
movimento narodníki foi
movimento político e cultural surgido na metade do século 19 entre intelectuais
russos reunidos em torno da revista Russkoe Bogatsvo, que pregavam a
emancipação dos camponeses e servos da gleba e reformas vastas e radicais do
ordenamento estatal czarista, para levar a socialismo baseado na Obšcina
(comunidade rural), a ser buscado inclusive por meios violentos. De fato, esse
movimento é um dos fatores que levaram ao assassinato, em 1881, do czar
Alexandre II.
Mas
sob a categoria “populismo” sempre se reuniram partidos ou movimentos que se
podiam caracterizar por atitude política genericamente favorável ao povo –
conceito sob o qual se reuniriam os socioeconomicamente mais humildes e quase
sempre considerados culturalmente mais atrasados, mas concebido em termos
genéricos e muitas vezes irrealistas. Daí o traço predominantemente demagógico,
na acepção negativa; ou popular, na acepção positiva. Na verdade, sempre se
tratou de bajular o povo, como depositário de todas as virtudes políticas e
sociais, e de defendê-lo contra os ardis maquiavélicos das classes dominantes.
Quem
faça essa função adulatória sente-se no dever de formular propostas políticas
para satisfazer o desejo de vingança do povo humilhado, contrapondo o povo
humilhado às elites dominantes. Mas nem sempre essas propostas conseguem agir
eficazmente no contexto dos complexos problemas das sociedades contemporâneas.
Muitas
vezes, de fato, desempenham função instrumental, pois visam apenas a conquistar
ou manter o poder da parte que apresenta as propostas em nome do povo. Nesse
sentido então o povo é apenas assunto, num mito de volta atávica a valores
indeterminados que remontam à origem da sociedade ou comunidade nacional na
qual, por tradição, insere-se o povo.
Populismo,
assim, é um mito a ser aceito ou rejeitado no todo. Sem definição precisa da
terminologia, satisfaz-se com concepção quase irracional e emocional para
definir um povo.
De
fato, se se diz que o populismo é uma “síndrome”, pode-se dizer que “o populismo
não corresponde a nenhuma elaboração teórica orgânica e sistemática, dado que é
mais latente que teoricamente explícito” (Ludwig Gravada, 1999); e designa um
amor sentimental e irrealista pelo povo, um humanitarismo de perfil vago,
associado a uma sensibilidade para os problemas sociais nem sempre de extração
popular. Por tudo isso, o termo “populista” designou muitas vezes os que amam o
povo, com um “amor pré-existente ao marxismo ou, em parte, fora do marxismo”
(Carlo Salinari, 1977).
Na
substância, segundo essa interpretação, o populismo é mais próximo do fascismo,
que do socialismo – e no fascismo coexistem sempre, organicamente e
estavelmente, o apelo à nação e o apelo ao povo.
É
muito difícil tentar uma tipologia do populismo hoje, depois de tantas
categorizações ocas. Mas os traços originais do populismo podem ser acompanhados
a partir de três percursos históricos:
1)
o movimento populista dos EUA nas últimas três décadas do século 19, que
manifestava a ansiedade e os temores generalizados numa porção agrária do Oeste
e do Sul, nos confrontos com o capital industrial e financeiro, e que usava tons
milenaristas para invocar, contra o poder do dinheiro, o retorno a uma sociedade
harmônica recriada e renovada, de pequenos proprietários de terra;
2)
o populismo russo, do qual já falamos rapidamente;
3)
o conceito de democracia direta, sem intermediações, saído de algumas fases da
Revolução Francesa, como antítese da democracia representativa de talhe
britânico, a partir do qual se projeta, do sorelismo, pelo socialismo
maximalista, até o fascismo.
Para
resumir, há fundamento histórico para que se fale em três segmentos: o
“nacionalpopulismo”, os populistas revolucionários e os populistas democráticos,
ou pluralistas” (Incisa).
No
grupo do nacionalpopulismo incluem-se todos os movimentos de tipo fascista ou
militarista, do nacional-socialismo alemão talvez, até, o peronismo na Argentina
e o getulismo no Brasil.
No
grupo dos populistas revolucionários incluem-se todos os movimentos
filo-Stalinistas, nos quais o elemento dominante é quase sempre
social-patriótico, mais que algum coletivismo. São partidos criados por
imitação, a partir do Partido Populista Americano (1891-1912),
antiprotecionistas, pluralistas dentro do partido, nacionalistas na imagem que
projetam para fora dele. Exemplos, aqui, são os partidos que tradicionalmente
governaram na Índia, em Israel, no México. Nesses casos, o elemento nacionalista
aparece fortemente associado ao populismo. Mas, periodicamente, também as
grandes democracias ocidentais conheceram fases populistas-imperialistas, como
sob Disraeli, na Grã-Bretanha e Crispi na Itália.
Nos
nossos dias, e voltando à misérrima cena política na Itália, hoje, Marco Tarchi
parece ser um dos mais atentos estudiosos dos fenômenos do populismo italiano.
Em seu livro
L ’Italia populista (Il Mulino, 2003), Tarchi
cuida de depurar o termo populismo (já convertido em palavrão, na
linguagem política contemporânea, em termo, por si só, de desqualificação), de
todos os preconceitos:
...tirar
do conceito de populismo as
conotações valorativas quase todas negativas que o acompanham no uso corrente,
para devolver ao conceito a função descritiva que já teve, cuidando para não ser
apanhado na armadilha da demagogia antipopulista.
Essa
atitude parece absolutamente apropriada para descrever a grande trampa
“mediática” que se vê hoje. A imprensa-empresa argumenta pela força [da
repetição], sempre parcialmente, sempre homologando a retórica do “politicamente
correto” nos mais diferentes campos, aproximando termos disparatados (política
econômica comunitária, soberania monetária, etc.). E todos os disparates vêm
sempre acompanhados do adjetivo “populista”, como adjetivo de desqualificação.
Pelo
que se vê hoje, agitar a bandeira do antipopulismo parece ser o recurso mais
acessível aos populistas. Essa parece ser a última trincheira ideológica ainda
ereta – embora precariamente ereta – de uma classe dirigente (política,
industrial, financeira, judiciária) que arrastou a Itália à ruína e à miséria, à
humilhação de ser hoje a última e mais desesperada das províncias do império, em
ocaso acelerado.
O
antipopulismo é o último argumento dos que passaram 60 anos, de fracasso em
fracasso, em todos os tópicos possíveis de discussão
política
Nota
dos tradutores
[1]
Apodíctico.
adjetivo (1789)
1
fil
que exprime uma necessidade lógica, e não um fato empírico, apresentando uma
natureza evidente e indubitável (diz-se de proposição) [ex.: 2 + 2 =
4]
2
p.ext.
que não pode ser refutado, contradito, contestado; indiscutível
3
p.ext.
que se mostra convincente em função das evidências, que convence; evidente f.
geral não pref.: apodítico
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