sábado, 9 de fevereiro de 2013

Kawô Kabiesile! De Xangô a Joaquim Barbosa: a distância entre o rei e o escravo

Raul Longo

Escrito e enviado por Raul Longo
Ilustrações: redecastorphoto (colhidas na internet)

Estou terminando de revisar o seriado “ORIXÁS” e em breve o distribuo completo a todos meus correspondentes e outros também. Resolvi dar cabo do projeto de Édison Braga e por essa razão tenho deixado de produzir crônicas e considerações sugeridas pelos acontecimentos nacionais, internacionais ou regionais daqui desta Santa Catarina que adotei.

Vez por outra algo comove ou provoca a indignação e não há jeito de não me manifestar, mas tenho ocupado a maior parte do tempo me concentrando exclusivamente no cumprimento do compromisso assumido em memória do amigo.

Nem mesmo as manifestações do escandaloso desnível da balança da justiça brasileira têm me demovido desse objetivo. Pudera! Embora permaneça como motivo de grande indignação, entre nós esse desnível é tão vulgar que há muito já não comove mais ninguém. E esse é o grande perigo.


Uma nação onde ninguém reage à impunidade, promovida pela mais alta corte do país, de estelionatários como Naji Nahas, Salvatore Cacciola, Paulo Maluf, Nicolalau dos Santos Neto, Daniel Dantas e tantos outros. Estupradores em série como Roger Abdelmassih. Assassinos como Pimenta Neves que atirou em uma mulher desarmada pelas costas, ou os jovens delinquentes que queimaram vivo o índio Galdino, ou ainda aquele que matou a Irmã Dorothy; dificilmente será encarada como digna pela comunidade internacional.

Econômica e socialmente a imagem do Brasil perante o mundo nunca foi melhor, mas em termos de justiça continuamos sendo equiparados às terras de ninguém da África e do Oriente, para onde se evadem os piores bandidos e escroques do Hemisfério Norte.

Pois pior ainda ficará a imagem da justiça brasileira quando a imprensa internacional, que vem se informando a respeito, concluir quem foram alguns dos recentes condenados pelo nosso Supremo Tribunal Federal.

Uma amiga da Suécia, por exemplo, me escreveu espantada estranhando informações que lhe pareceram desencontradas. Conhece os preconceitos racistas de nossa sociedade e é sobejamente informada sobre os crimes de nossa ditadura militar de orientação inconfundivelmente nazifascista. Também sabe que José Genoíno e José Dirceu foram heroicos líderes da luta contra aquele regime e por isso me escreveu atônita e desconfiada dos elogios dessa sociedade acintosamente racista ao juiz negro que condenou destacados combatentes em prol da liberdade do povo brasileiro.

Tive de colher algumas informações para lhe explicar quem é Joaquim Barbosa. Orgulhosa de seus conhecimentos sobre o Brasil, que realmente são muitos, apenas me retornou a pergunta como se não encontrasse qualquer relevância no que lhe consegui passar: “Quem é Joaquim Barbosa?”

De fato! Hoje é o presidente do STF, mas do STF que garantiu a impunidade dos internacionalmente mais rumorosos crimes de corrupção e estelionato público e político aqui praticados. Aliás, os mesmos juízes que exigiram prisão imediata de Dirceu e Genoíno foram os que concederam habeas corpus facilitando a fuga ou mantiveram a impunidade todo aquele rol de comprovados criminosos acima citados.


A nossa mídia já não é considerada como fonte de informação confiável sobre o Brasil pelos seus próprios colegas do resto do mundo. Uma publicação inglesa chegou a apontar a principal revista tida de informações no Brasil como “one gossip magazine”, ou uma revista de fofocas. O que não dirão de nosso sistema judiciário quando se derem conta do que realmente foi o julgamento da AP 470 que condenou por literatura, indícios e gossips ou fofocas da desqualificada imprensa brasileira, a heróis da luta contra um regime nazifascista?

A coisa é tão vergonhosa e disparatada que prefiro concentrar meu tempo e atenção nos roteiros do seriado “ORIXÁS”, mas ao finalizar o último episódio em que trato de Xangô, o Orixá da Justiça, me veio à lembrança a pergunta da amiga da Suécia: “Quem é Joaquim Barbosa?”

Tardiamente concluo que ao invés de pescar informações pela internet e já que não há nada no histórico do juiz que o compare a grandeza do histórico de um Genoíno ou Dirceu, deveria ter respondido à amiga que afora ser o primeiro presidente negro do STF, não há nada mais de relevante a respeito desse personagem. E para despistar ou escamotear minha insuficiência ou a daqueles que apontam o relator da AP 470 como herói, poderia tergiversar sobre Xangô, que foi o rei de Oyó, principal centro da civilização ioruba. E contaria que também orixá da justiça, Xangô usava um machado de dois gumes para representar o equilíbrio de sua justiça que tanto poderia condenar os de um lado como, se fosse o caso, igualmente condenaria os do outro lado. Diferentemente da balança da justiça brasileira que só garante impunidade aos do prato das elites político/financeiras, como todos aqueles criminosos acima citados.

Ou alguém já ouviu falar de não criminosos que tenham sido beneficiados pela justiça brasileira?

Mas contaria para minha amiga da Suécia que o cabo do machado de Xangô era feito de galho de ayan, árvore da região de Xangô.

Ayan – árvore de tronco muito duro que não é derrubada com machado. 
É consagrada à Xangô

Por fim contaria que por ter julgado mal ao seu povo, Xangô cumpriu com o significado de seu machado de dois gumes condenando-se a si mesmo. Condenou-se e foi seu próprio carrasco se enforcando num galho do ayan, árvore da foto que aí copio.

Pensava sobre isso tudo quando recebo a postagem do Antonio Fernando Araujo que também copio logo adiante, mas antes devo comentar que essa postagem e as inquirições da Suécia me fizeram avaliar as diferenças e semelhanças entre o orixá da Justiça do panteão dos cultos afro/brasileiros e o presidente do STF.

Reis como Xangô, mas lembrados por péssima reputação, existem muitos. Escravos que se tornaram lendários por seus feitos, também existem muitos. Esopo, o fabulista, foi um deles. Spartacus, que liderou o primeiro movimento de trabalhadores de que se tem notícia na história, foi outro.

Daqui a um século ou meio, quando se estudar os piores períodos da história do Brasil, sem dúvida se terá informações sobre os lideres dos que tiveram coragem e disposição para lutar contra a ditadura militar e sem dúvida se citará José Genoíno por sua luta nos interiores e José Dirceu por sua luta nos centros urbanos. Assim como hoje estudamos sobre Zumbi, o escravo que foi rei em Palmares no vergonhoso e longo período da escravidão.

Mas, e Joaquim Barbosa? Quem será Joaquim Barbosa? Quem é Joaquim Barbosa?

Depois de ler a postagem do Antonio Araújo, cheguei a conclusão de que a única semelhança entre o juiz Barbosa e Xangô, o orixá da Justiça, é que os dois são negros.

Não sei de quem é Joaquim Barbosa, mas na liberdade de Xangô eu acredito.

Um comentário:

  1. Apesar de estar de "mal' com Longo não há como negar - êta texto bom siô!!!

    Jair Alves

    São Paulo - Brasil

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