Raul Longo |
Enviado por Raul Longo
“Uma discussão política” – Pedro
fez questão de notar.
Sem dúvida! E a decisão é
sintomática: a noite, enquanto os demais dormem, Aguirre alveja os que circulam
no crítico movimento das águas. Sem mais motivos para atrasos os exploradores
prosseguem até serem tolhidos, um a um, pelos agravos da selva.
Aguirre, último sobrevivente,
imagina-se o único a desfrutar das riquezas com as quais os naturais do novo
continente por muito tempo iludiram a ganância dos exploradores, enviando-os
para os rincões mais terríveis das selvas e desertos. Dourados ou Eldorado são
as palavras que denominam cidades e regiões do Canadá à Patagônia, marcando o
rastro de por onde o desvario europeu extinguiu civilizações.
Klaus Kinsky como Aguirre em "A Cólera dos Deuses" |
Finalizando a saga, delirando um
poder maior do que Pizarro a quem servia e exterminou os Incas, maior do de
Cortez, exterminador dos Astecas, maior até do que o do rei de Espanha; o
germânico Klaus Kinski interpreta o delírio de Aguirre exultando-se: “Que grande
traição!”
Em Fausto, outro alemão, Goethe,
já havia traçado a mesma metáfora. Depois de firmar um pacto com Mefisto, o
protagonista da história ordena a demolição do único abrigo domiciliar de um
casal de velhos que o acolhera quando em dificuldades. Fausto não titubeia em
desalojar seus protetores para a passagem de seu egoísmo e
interesses.
No mesmo dia em que a imprensa
internacional divulga o levantamento que aponta as dificuldades de sobrevivência
de 72%, da população da Grécia; como Aguirre o Comitê Nobel da Noruega alveja
portugueses, espanhóis, italianos e ¾ do povo que deu origem a cultura e
civilização ocidental.
Johann Wolfgang von Goethe |
Não são as únicas vítimas dos
faustos do capitalismo que hoje promove na Europa e na América do Norte a
miserabilidade que em décadas recentes desalojou milhares de famílias,
adolescentes e crianças por toda a América Latina e na África, continua
promovendo um dos maiores crimes da história da chamada civilização cristã. Mas
a resolução do Comitê que em Oslo confere o principal Prêmio Nobel acaba de
reafirmar o que há muito se vem questionando sobre essa instituição, outrora das
poucas ainda conceituada.
Em 2009 o Comitê entregou o Nobel
da Paz para o atual presidente dos Estados Unidos que assumira em janeiro
daquele mesmo ano e sequer tivera tempo de realizar algo que o justificasse.
Talvez a intenção tenha sido estimular o principiante, mas o discurso de
agradecimento do afrodescendente, Barack Obama decepcionou pelo velho diapasão de
todos os que dirigiram sua branca e bélica nação, constituindo-se numa
declaração de guerra ao mundo que não deixou dúvidas sobre quais os pactos
assumidos pelas grandes potências do Hemisfério Norte.
Se na ocasião as palavras de Obama
desprestigiaram a premiação a ele conferida, agora o Comitê Nobel da Noruega
desqualifica a instituição do prêmio em si, provocando ainda maior repúdio a
cada notícia sobre promoção de guerras para contrabando de pedras preciosas e
tráfico de armas ou desesperos coletivos que levam muitos indivíduos ao
suicídio, à venda de órgãos, a entrega de seus filhos para adoção ou para a
prostituição. Multidões de desempregados, desalojados, famintos. Desesperados
sem saída para o redemoinho provocado pelos planos de austeridade impostos pela
União Europeia.
José Manuel Durão Barroso |
O português José Manuel Durão Barroso que
preside a Comissão Executiva da União Europeia considerou a premiação uma grande
honra. Durão que durante a Revolução dos Cravos se dizia socialista, em 2003
hospedou na Ilha Terceira do arquipélago dos Açores a George Bush, Tony Blair e
o espanhol Aznar. Mais tarde a estes quatro juntou-se a quinta besta do atual
apocalipse econômico: Berlusconi. E se deu a invasão do Iraque, apesar das
advertências de Sadam Hussein profetizando que as mães do ocidente chorariam
sangue.
Hussein também foi imposto aos
iraquianos pelos mesmos que o mataram, na tentativa de atingir o Irã em
represália à deposição de um dos mais cruéis entre os tiranos apoiados pelas
nações capitalistas do ocidente: o xá Reza Pahlevi.
No governo de Ronald Reagan o
episódio da guerra Iraque x Irã teve reflexos no outro lado do mundo, quando com
o apoio de Israel a CIA furou o embargo de armas aos Aiatolás proposto pelo
próprio Estados Unidos. O lucro obtido financiou a ação dos Contras que
pretendiam derrubar o governo Sandinista, por sua vez também substituto de outra
hereditária tirania aliada aos Estados Unidos: a dos Somoza, levados ao poder
desde que marines invadiram a Nicarágua em 1912.
Com o apoio das corporações
financeiras sionistas, Estados Unidos e Inglaterra de alguma forma vêm se
equilibrando entre os efeitos da crise internacional, mal contendo o desemprego
em massa e o aumento incontrolável do número de desabrigados. Mas essas grandes
corporações sediadas no Reino Unido, na Holanda e Suíça não vêm razão de manter
o malogro das pretensões dos demais consorciados ao encontro dos Açores.
Werner Herzog |
E o que a Grécia tem a ver com
isso tudo? Por que as nações europeias beneficiadas pela previdência de seus
então presidentes Schröder e Chirac -- quando se recusaram a participar da orgia
neoliberal – cobram dos gregos os custos de uma Troia que não invadiram? Por que
esse presente de alemão?
Na Europa crescem as cogitações
sobre informações não oficiais de existência de grande bacia de petróleo no Mar
Egeu, a justificar as pressões de hoje para garantir futuras maiores
participações na exploração de um provável Eldorado negro.
De fato, o Egeu fica logo acima da
Líbia, onde há bem pouco, por traição de Berlusconi, Sarkozy e outros dirigentes
Europeus se executou Muammar Kadafi, garantindo o saqueio do petróleo líbio à
Europa. Mas ainda é Pedro
Machado quem faz uma leitura mais ampla, considerando que não
seja no petróleo do Oriente Médio, na mão de obra barata e no mercado de consumo
do Extremo-Oriente, no ouro das Américas e nos diamantes de África onde se possa
justificar a prepotência e desfaçatez da civilização ocidental e cristã que há
meio milênio se expande em destruição do que há de humano no mundo.
Concordo com Pedro e concluo que à essa
autofagia que ameaça a toda a humanidade e a si mesma, a civilização ocidental
foi condenada pela cólera de seus deuses que não falam pela pena de Goethe, pela
câmera de Herzog ou pela dramaticidade de Kinski. Mas pela boca de outra alemã
que declara a resolução do Comitê Nobel da Noruega como “decisão maravilhosa”: a
da chanceler Angela Merkel.
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