sábado, 13 de outubro de 2012

Pepe Escobar: “Rom-Rom-gué-guerra*”


12/10/202, Pepe Escobar, Asia Times Online – The Roving Eye
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu


Pepe Escobar
Hora da pergunta das três da madrugada. Uma crise irrompe – em algum ponto turbulento do mundo – e o, digamos, presidente dos EUA, Mitt Romney tem de reagir à altura. O que um galante servo dos 47% [1] faz para salvar o mundo livre?

Boa pista da visão 47% da política externa de Mitt surgiu no discurso que fez em Virginia, no início da semana. [2] Uns chamaram de Missão: Impossível  [3]. Mas, não. Não é território de Lalo Schifrin, frio demais para isso. [4]

Com o devido respeito ao grande mestre Phil Spector [5], a coisa ali está mais para “Muro de Som” [6].

Eis então como Mitt salvará o Império, do declínio. Mexam-se The Crystals! Digam oi para a versão Mitt de Da Doo Ron Ron  [7]: Rom-Rom-gué-guerra.

Yeah, my heart stood still [8]

Mitt “Muro de Som” bem poderia partir às raízes e pegar uma de Slim Harpo/Yardbirds em Got War If You Want It [Arranje guerra, se você quer tanto]. [9] Mas Rom-Rom-gué-guerra é mais adequado à imagem de homem de família.

Sabem o Iraque? Rom-Rom-gué-guerra neles. Nada dessa besteira de “abrupta retirada de toda a nossa presença de tropa [sic]”. Atirar em tudo que se mova – sunitas, xiitas, al-Qaeda, espiões ai-ranianos [10], sadristas. Quem liga para a lei? Não podemos ficar legalmente? Ficamos ilegalmente. E se alguém achar ruim, reinvadimos.

Sabem o Af (sem o Pak)? Ficamos lá depois de 2014. E com todas as nozes do nosso Império de Bases no bolso. Para Mitt, “a via para evitar mais guerra – e ataques potenciais aqui em nossa casa” é... guerra infinita lá na casa deles. Nada dessas besteiras de “retirada ordenada e com cronograma, que larga lá o pessoal do Afeganistão nas garras dos mesmos extremistas que detonaram o país deles e o usaram para lançar os ataques de 11/9”. Mas Mitt não divulgou detalhes de como planeja levar adiante o seu programa de Liberdade Duradoura Eterna Para Sempre.

Sabem o Irã? Mitt vai “dar o aviso aos líderes do Irã”; vai avisar “que não adquiram capacidade de armamento nuclear” [sic]. Mitt vai “impor novas sanções ao Irã e apertar as sanções que já temos”. Mitt vai “restaurar a presença permanente de forças-tarefas de porta-aviões nos dois, no Mediterrâneo Leste e na região do Golfo” (OK. Já estão lá).

Podem, pois, esperar que Mitt ordene bloqueio naval – para complementar o bloqueio financeiro ordenado por Obama. O passo seguinte será Rom-Rom-gué-guerra total. Afinal, Mitt já jurou fazer toda a guerra possível “em nome da paz”.

Sabem a Síria? É Rom-Rom-gué-guerra (civil). Confiem em Mitt. Mitt vai “identificar e organizar” todos os jihadistas-salafistas do pedaço “que partilhem nossos valores” – talvez, submetendo-os a prova de antiantiamericanismo (“O senhor algum dia participou de organização terrorista?”).

“O presidente fracassou na Síria”, mas Mitt Muro do Som trabalhará “com nossos parceiros para identificar e organizar os membros da oposição que partilham nossos valores e garantir que recebam todas as armas de que carecem para derrotar os tanques, helicópteros e jatos de guerra de Assad”. Esqueçam aquela besteira de “liderar pela retaguarda”. Bem-vindos de volta à jihad-dos-anos-1980s-contra-os soviéticos remix.

Sabem Israel? É Rom-Rom-gué-guerra em câmera lenta, para dar tempo ao seu amigão Benjamin Bibi Netanyahu, para que acabe de esmagar o que resta dos palestinos. O plano de Mitt é “ir levando a bola adiante e esperar que, de algum modo, algum dia, algo aconteça e resolva o negócio” – como disse na reunião 47% com seus doadores de campanha. Talvez Deus Pai Todo Poderoso diga “Agora, chega” e sobrevenha o Armageddon, sabe-se lá. De qualquer modo, esqueçam a ideia de que Mitt sequer tentará vender aos palestinos a ilusão de que algum dia terão estado seu.

Sabem o Império do Meio, China? É Rom-Rom-gué-guerra, mas só a linha vermelha – afinal são credores dos EUA – mas Mitt rugirá contra a “assertividade” deles, que “faz a região tremer de medo”.

Sabem a Rússia – também chamada “União Soviética”? É Rom-Rom-gué-guerra (fria) sem parar, como em abril passado. Mitt não é frangote como aqueles obamistas que “entraram em acordo com os soviéticos, quero dizer, com a Rússia” nas negociações nucleares [11]. O presidente da Rússia Vladimir Putin que comece a tremer de medo por baixo do quimono e da faixa preta de judô: “Não haverá flexibilidade com Vladimir Putin”. 

Sabem o Iêmen, a Somália, a África Central e até, sabe-se lá, a Venezuela? É Rom-Rom-gué-guerra (de drones).

Em resumo, os chinas, soviéticos, ái-ranianos, êi-rabes só respeitam uma coisa: porrete. Muro de Som. Rom-Rom-gué-guerra.

Não, o nome dele não é Bill.

O homem que Bill Clinton chama agora de “Mitt Moderado” provou que é um ás da política externa mais loucamente sem moderação alguma. Recapitulemos. Para Mitt, apoiado num muro de guerreiros neoconservadores de poltrona, a União Soviética, “quero dizer, a Rússia”, é o inimigo número 1 dos EUA.

Os palestinos – basicamente, que morram. Os britânicos, não passam de bando de trombadinhas mimados; ninguém, sabe se conseguirão fazer Jogos Olímpicos padrão Salt Lake City. A Espanha é terra desperdiçada dos 47%; trombadinhas de carteirinha, junto com, quem sabe, o resto do universo que fala espanhol; e, por falar nisso, a dureza, na Espanha, foi culpa do governo (embora, de fato seja derivada de uma bolha imobiliária do setor privado).

Como avaliar tal desempenho digno do “Hall of Fame”? Falou a voz da razão, pela boca do coronel Lawrence Wilkerson, ex-chefe de gabinete de Colin Powell. Comentando as realizações passadas e futuras da política exterior de Mitt, Wilkerson disse que é “Absolutamente inacreditável...” [Romney está] “cantando com partitura da Guerra Fria!” [12].

Guerra Fria, mesmo. Resta a nós, ainda sobreviventes, entrar na dança. Vai aí a trilha instrumental original, enquanto Phil Spector a concebia para Da Doo Ron Ron. [13] Sintam-se à vontade, todos, para meter aí o discurso que quiserem – e no melhor espírito do Muro de Som da Guerra Fria, vamos todos ajudar a desmontar, até não restar pedra sobre pedra, essa iminente Rom-Rom-gué-guerra.




Notas de rodapé e dos tradutores (NT)

*Orig. “Romney sings Da-doo-ron-ron”, intraduzível, porque inclui (a) um trocadilho com o nome do candidato Romney, (b) a expressão “da-doo-ron-ron” que tem conteúdo sexual, algo como “rola-rola”, em português do Brasil, e (c) dá título a um clássico, quase um hino, da história do rock dos anos 60 nos EUA, mais conhecido, evidentemente, por uma geração, mais velha. A tradução equivale aí a traduzir, para qualquer outra língua, uma metáfora que inclua “O calhambeque” de Roberto Carlos, por exemplo limitado. Para complicar ainda mais, (d) em Da-doo-ron-ron o eu-lírico é uma voz feminina, que conta um evento de “rola rola” com alguém que viu na rua, o que, nos anos 60, não era discurso frequente. O resultado dessa química complexa só existe em inglês dos EUA e quase que só para uma geração. O que fizemos aqui é tradução tentativa, que pode ser melhorada. Todas as sugestões e correções são bem-vindas [NT]

[1] Mitt Romney disse, em reunião com doadores de sua campanha, que 47% da população dos EUA frauda o fisco e não paga impostos. O vídeo, divulgado pela internet, de onde chegou a vários blogs influentes e foi muito divulgado em meados de setembro, provocou forte incômodo à campanha [NT].

[2] Íntegra do discurso de Romney, sobre política externa, em:Full text of Romney's foreign policy speech in Virginia(em inglês).


[3] Pode ser ouvida em: “Music From Mission Impossible” [NT].

[4] Assistir/ouvir “Mission Impossible - Original Intro ( 1966 - 1973 )” a seguir:

[5] Phil Spector: produtor musical norte-americano. [NT]

[6] Orig. Wall of Sound. Estilo de arranjo musical e gravação, criado por Phil Spector: “Para obter o som-assinatura de Spector, seus arranjos exigiam grandes conjuntos, com instrumentos não comuns em conjuntos musicais, como guitarras acústicas e elétricas com muitos instrumentos em várias pontos da partitura, para criar som mais rico, mais cheio. Spector também incluía instrumentos de orquestra – cordas, metais, percussão – antes jamais lembrados na pop music orientada para jovens. O próprio Spector falava de sua técnica como “rock & roll com abordagem wagneriana: sinfoniazinhas para a rapaziada”. [NT]

[7] Gravação das The Crystals, 1963 (som) a seguir: [NT]

e com imagens, a seguir: [T]

[8] Verso de Da-doo-ron-ron (nota 7): “meu coração parou” [NT]

[9] I Got Love If You Want It [Se você quiser amor, tenho aqui] a seguir:

[10] Orig. Eye-ranian spies. Romney pronuncia /ai-ran/, para /irã/. Cria-se um trocadilho, em inglês com eye [olho] e “espião”, intraduzível. [NT]

[11] 26/7/2012, MSNBC, em:Why do some Republicans keep calling Russia the Soviet Union?”. 



[13] Ouvir (é apenas som) a seguir:

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