12/10/202, Pepe Escobar,
Asia Times Online – The Roving
Eye
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu
Pepe Escobar |
Hora da pergunta das três da
madrugada. Uma crise irrompe – em algum ponto turbulento do mundo – e o,
digamos, presidente dos EUA, Mitt Romney tem de reagir à altura. O que um
galante servo dos 47% [1] faz para salvar o mundo livre?
Boa pista da visão 47% da política
externa de Mitt surgiu no discurso que fez em Virginia, no início da semana.
[2] Uns chamaram de Missão:
Impossível [3]. Mas, não. Não é território
de Lalo Schifrin, frio demais para isso. [4]
Com o devido respeito ao grande
mestre Phil Spector [5], a coisa ali está mais para “Muro
de Som” [6].
Eis então
como Mitt salvará o Império, do declínio. Mexam-se The Crystals! Digam oi para a versão
Mitt de Da Doo Ron Ron [7]: Rom-Rom-gué-guerra.
Yeah, my heart stood
still
[8]
Mitt
“Muro de Som” bem poderia partir às raízes e pegar uma de Slim Harpo/Yardbirds
em Got War If
You Want It [Arranje guerra, se você quer tanto].
[9]
Mas Rom-Rom-gué-guerra é mais adequado à
imagem de homem de família.
Sabem o Iraque? Rom-Rom-gué-guerra neles. Nada dessa
besteira de “abrupta retirada de toda a nossa presença de tropa [sic]”. Atirar
em tudo que se mova – sunitas, xiitas, al-Qaeda, espiões ai-ranianos [10],
sadristas. Quem liga para a lei? Não podemos ficar legalmente? Ficamos
ilegalmente. E se alguém achar ruim, reinvadimos.
Sabem
o Af (sem o Pak)? Ficamos lá depois de 2014. E com todas as nozes do nosso
Império de Bases no bolso. Para Mitt, “a via para evitar mais guerra – e ataques
potenciais aqui em nossa casa” é... guerra infinita lá na casa deles. Nada
dessas besteiras de “retirada ordenada e com cronograma, que larga lá o pessoal
do Afeganistão nas garras dos mesmos extremistas que detonaram o país deles e o
usaram para lançar os ataques de 11/9”. Mas Mitt não divulgou detalhes de como
planeja levar adiante o seu programa de Liberdade Duradoura Eterna Para Sempre.
Sabem
o Irã? Mitt vai “dar o aviso aos líderes do Irã”; vai avisar “que não adquiram
capacidade de armamento nuclear” [sic]. Mitt vai “impor novas sanções ao Irã e
apertar as sanções que já temos”. Mitt vai “restaurar a presença permanente de
forças-tarefas de porta-aviões nos dois, no Mediterrâneo Leste e na região do
Golfo” (OK. Já estão lá).
Podem,
pois, esperar que Mitt ordene bloqueio naval – para complementar o bloqueio
financeiro ordenado por Obama. O passo seguinte será Rom-Rom-gué-guerra total. Afinal, Mitt
já jurou fazer toda a guerra possível “em nome da paz”.
Sabem
a Síria? É Rom-Rom-gué-guerra
(civil). Confiem em Mitt. Mitt vai “identificar e organizar” todos os
jihadistas-salafistas do pedaço “que partilhem nossos valores” – talvez,
submetendo-os a prova de antiantiamericanismo (“O senhor algum
dia participou de organização terrorista?”).
“O
presidente fracassou na Síria”, mas Mitt Muro do Som trabalhará “com nossos
parceiros para identificar e organizar os membros da oposição que partilham
nossos valores e garantir que recebam todas as armas de que carecem para
derrotar os tanques, helicópteros e jatos de guerra de Assad”. Esqueçam aquela
besteira de “liderar pela retaguarda”. Bem-vindos de volta à
jihad-dos-anos-1980s-contra-os soviéticos remix.
Sabem
Israel? É Rom-Rom-gué-guerra em
câmera lenta, para dar tempo ao seu amigão Benjamin Bibi Netanyahu, para que acabe de
esmagar o que resta dos palestinos. O plano de Mitt é “ir levando a bola adiante
e esperar que, de algum modo, algum dia, algo aconteça e resolva o negócio” –
como disse na reunião 47% com seus doadores de campanha. Talvez Deus Pai Todo
Poderoso diga “Agora, chega” e sobrevenha o Armageddon, sabe-se lá. De qualquer
modo, esqueçam a ideia de que Mitt sequer tentará vender aos palestinos a ilusão
de que algum dia terão estado seu.
Sabem
o Império do Meio, China? É Rom-Rom-gué-guerra, mas só a linha
vermelha – afinal são credores dos EUA – mas Mitt rugirá contra a
“assertividade” deles, que “faz a região tremer de medo”.
Sabem a Rússia – também chamada
“União Soviética”? É Rom-Rom-gué-guerra (fria) sem parar,
como em abril
passado. Mitt não é frangote como aqueles obamistas que
“entraram em acordo com os soviéticos, quero dizer, com a Rússia” nas negociações nucleares
[11]. O
presidente da Rússia Vladimir Putin que comece a tremer de medo por baixo do
quimono e da faixa preta de judô: “Não haverá flexibilidade com Vladimir
Putin”.
Sabem
o Iêmen, a Somália, a África Central e até, sabe-se lá, a Venezuela? É Rom-Rom-gué-guerra (de drones).
Em
resumo, os chinas, soviéticos, ái-ranianos, êi-rabes só respeitam uma coisa:
porrete. Muro de Som. Rom-Rom-gué-guerra.
Não,
o nome dele não é Bill.
O
homem que Bill Clinton chama agora de “Mitt Moderado” provou que é um ás da
política externa mais loucamente sem moderação alguma. Recapitulemos. Para Mitt,
apoiado num muro de guerreiros neoconservadores de poltrona, a União Soviética,
“quero dizer, a Rússia”, é o inimigo número 1 dos EUA.
Os
palestinos – basicamente, que morram. Os britânicos, não passam de bando de
trombadinhas mimados; ninguém, sabe se conseguirão fazer Jogos Olímpicos padrão
Salt Lake City. A Espanha é terra
desperdiçada dos 47%; trombadinhas de carteirinha, junto com, quem sabe, o resto
do universo que fala espanhol; e, por falar nisso, a dureza, na Espanha, foi
culpa do governo (embora, de fato seja derivada de uma bolha imobiliária do
setor privado).
Como avaliar tal desempenho digno
do “Hall of Fame”? Falou a voz da razão, pela boca do coronel Lawrence
Wilkerson, ex-chefe de gabinete de Colin Powell. Comentando as realizações
passadas e futuras da política exterior de Mitt, Wilkerson disse que é
“Absolutamente inacreditável...” [Romney está] “cantando com partitura da Guerra
Fria!”
[12].
Guerra Fria, mesmo. Resta a nós,
ainda sobreviventes, entrar na dança. Vai aí a trilha instrumental original,
enquanto Phil Spector a concebia para Da Doo Ron Ron. [13]
Sintam-se à vontade, todos, para meter aí o discurso que quiserem – e no melhor
espírito do Muro de Som da Guerra Fria, vamos todos ajudar a desmontar, até não
restar pedra sobre pedra, essa iminente Rom-Rom-gué-guerra.
Notas
de rodapé e dos tradutores (NT)
*Orig.
“Romney sings Da-doo-ron-ron”, intraduzível, porque inclui (a) um trocadilho com o nome do
candidato Romney, (b) a expressão
“da-doo-ron-ron” que tem conteúdo sexual, algo como “rola-rola”, em português do
Brasil , e (c) dá
título a um clássico, quase um hino, da história do rock dos anos 60 nos
EUA, mais conhecido, evidentemente, por uma geração, mais velha. A tradução
equivale aí a traduzir, para qualquer outra língua, uma metáfora que inclua “O
calhambeque” de Roberto Carlos, por exemplo limitado. Para complicar ainda mais,
(d) em Da-doo-ron-ron o
eu-lírico é uma voz feminina, que conta um evento de “rola rola” com alguém que
viu na rua, o que, nos anos 60, não era discurso frequente. O resultado dessa
química complexa só existe em inglês dos EUA e quase que só
para uma geração. O que fizemos aqui é tradução tentativa, que pode ser
melhorada. Todas as sugestões e correções são bem-vindas [NT]
[1]
Mitt Romney disse, em reunião com doadores de sua campanha, que 47% da população
dos EUA frauda o fisco e não paga impostos. O vídeo, divulgado pela internet, de
onde chegou a vários blogs influentes e foi muito divulgado em meados de
setembro, provocou forte incômodo à campanha [NT].
[2]
Íntegra do discurso de Romney, sobre política externa, em:
“Full
text of Romney's foreign policy speech in Virginia” (em
inglês).
[3] Pode ser ouvida em: “Music
From Mission Impossible” [NT].
[4] Assistir/ouvir “Mission Impossible - Original Intro ( 1966
- 1973 )” a seguir:
[5]
“Phil
Spector”:
produtor musical norte-americano. [NT]
[6]
Orig. Wall of
Sound. Estilo de arranjo musical e gravação, criado por Phil
Spector: “Para obter o som-assinatura de Spector, seus arranjos exigiam grandes
conjuntos, com instrumentos não comuns em conjuntos musicais, como guitarras
acústicas e elétricas com muitos instrumentos em várias pontos da partitura,
para criar som mais rico, mais cheio. Spector também incluía instrumentos de
orquestra – cordas, metais, percussão – antes jamais lembrados na pop
music orientada para jovens. O próprio Spector falava de sua técnica como
“rock & roll com abordagem wagneriana: sinfoniazinhas para a
rapaziada”. [NT]
[7] Gravação das The
Crystals, 1963 (som) a seguir: [NT]
e com imagens, a seguir: [T]
[9] I Got Love If You Want It [Se você quiser amor, tenho aqui] a
seguir:
[10]
Orig. Eye-ranian spies. Romney pronuncia /ai-ran/, para /irã/. Cria-se um
trocadilho, em inglês com eye [olho] e “espião”, intraduzível. [NT]
[11] 26/7/2012, MSNBC,
em: “Why
do some Republicans keep calling Russia the Soviet Union?”.
[12] 8/10/2012, MSNBC, em: “Ex-Powell
aide on Romney's foreign policy team: These people make me sick”.
[13]
Ouvir (é apenas som) a seguir:
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