segunda-feira, 22 de outubro de 2012

Derrotar Romney, sem ilusões sobre Obama


18/10/2012, Daniel Ellsberg*, Commondreams
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu


Entreouvido na Vila Vudu: Isso aí é o retrato acabado do fracasso da “democracia” norte-americana, “democracia” de araque, movida a televisão, jornais, jornalistas, sionismo e “mercado” -- onde nenhum pensamento de esquerda jamais teve vez. Sem pensamento de esquerda, todas as oposições são só firulas e discurso sem rumo. Coitado do cara! É Ellsberg, aos 81 anos, 41 anos depois de ter sofrido O DIABO, por ter divulgado os Papéis do Pentágono, que revelaram aos EUA o que os EUA estavam fazendo no Vietnã, em 1971! Chávez está coberto de razão: cabô. EUA, babaus!

Romney e Obama apontam-se dedos às respectivas caras, no debate da 3ª-feira, 16/10/2012, à noite
A eleição está próxima, e quero pedir aos que cultivam valores semelhantes aos meus – ativistas, sobretudo – que façam do objetivo de derrotar Romney uma de suas prioridades até o dia de votar.

Um ativista amigo meu disse-me recentemente: “Ouvi que você está apoiando Obama”. Levei um susto. Até me senti ofendido: “Apoiando Obama? Eu?!”

Daniel Ellsberg
“O que faço” – disse a ele – “é nunca perder ocasião para demonstrar que Obama se identifica completamente com Wall Street, presidente que legalizou a tortura, é cúmplice de torturadores, assassino que mata civis na guerra dos drones, sujeito que ordenou guerra ilegal contra a Líbia, que apoia sequestros, prisão por prazo indefinido sem processo, e que já processou mais “vazadores” de informação verdadeira (como eu!) que todos os presidentes anteriores somados. E você me diz que eu apoio Obama? Eu?!”.

Meu amigo disse: “Mas em Democracy Now você disse que as pessoas nos estados indecisos votassem em Obama! Como pôde dizer isso? Não moro em estado indeciso. Mas eu, em nenhum caso, sob nenhum argumento, votaria em Obama”.

Respondi-lhe que: em nenhum caso algum governo Romney/Ryan pode ser melhor que o governo Obama – sequer pode ser diferente – em nenhum dos crimes graves que listei, cometidos, todos, pelo governo Obama; nem em qualquer outro setor. Em todos os casos, um governo Romney/Ryan será pior, talvez catastroficamente pior, em várias outras questões importantes: pode atacar o Irã, pode indicar juízes ainda piores para a Suprema Corte, pode fazer ainda mais mal à economia do país, pode agredir ainda mais as mulheres e seu direito de decidir sobre o próprio corpo, pode reduzir ainda mais a assistência pública à saúde, pode agredir ainda mais o meio ambiente, pode nos afundar ainda mais na economia do petróleo.

Expliquei: “Não apoio Obama. Oponho-me completamente ao atual Partido Republicano. Não é eleição entre Barack Obama e algum candidato progressista. Os eleitores, em meia dúzia de estados indecisos, ou em uma dúzia de estados onde a disputa ainda é apertada, vão decidir se Mitt Romney e Paul Ryan terão ou não muito poder pelos quatro, talvez oito, próximos anos, ou não”.

Noam Chomsky
Como Noam Chomsky disse recentemente, “A organização Republicana é hoje extremamente perigosa, não só para os EUA, mas para o mundo. Vale a pena empenhar muito esforço para impedir que cheguem ao poder, mesmo sem alimentar qualquer ilusão sobre as alternativas Democratas”.

Seguindo essa lógica, Chomsky disse a um entrevistador o mesmo que eu disse a Amy Goodman: “Se eu vivesse em estado indeciso, votaria contra Romney/Ryan, o que implica votar em Obama porque não há escolha”.

A eleição, agora, virou loteria. Significa que estamos numa daquelas ocasiões nas quais nós, os progressistas – uma pequena minoria do eleitorado – podemos realmente fazer diferença significativa e influir no resultado de eleição nacional, conforme pendamos para um lado ou para o outro.

O único modo acessível aos progressistas e Democratas, de impedir que Romney chegue ao poder, agora, é convencer gente nos estados indecisos, a votar em Obama: sair de casa, ir votar e votar em Obama. É preciso, agora, mobilizar os votos, naqueles estados, de progressistas e liberais decepcionados que, hoje, estão tendendo a não votar ou a votar em algum dos candidatos dos partidos menores (porque, como eu, estão, além de decepcionados, também furiosos, indignados, com muito do que Obama fez nos últimos quatro anos e, provavelmente, continuará a fazer).

Amy Goodman
Aqueles eleitores têm de ser persuadidos a votar e, nos estados decisivos, votar em Obama, não em qualquer outro candidato, apesar dos feitos terríveis do candidato menos-pior, o presidente. Não é fácil. Como o entendo, aí está precisamente o “esforço” de que Noam falou, que vale a pena fazer agora, para impedir que esses Republicanos cheguem ao poder. É preciso que os progressistas – alguns dos quais lerão isso, espero – façam empenhadamente esse esforço de persuasão.

O mantra sempre repetido do “terceiro” partido (“Não há diferença alguma entre os grandes partidos”) implica, afinal, dizer que os Republicanos não são piores que Obama. Aí está o absurdo. É justificativa que favorece os Republicanos, embora não pensada com essa intenção. E é ideia alucinadamente divorciada da realidade dos EUA, hoje.

É verdade que as diferenças entre os grandes partidos não são, nem de longe, tão grandes quanto apregoam os candidatos, e menores, também, do que eles gostariam que fossem. Pode-se dizer, como disse Gore Vidal, que os dois partidos “são duas alas (e já se disse, também, “duas alas direitas”) do mesmo partido, o Partido da Plutocracia, o Partido da Propriedade ou, como diz Justin Raimondo, “o Partido da Guerra”.

Ainda assim, a realidade política é que são alas distinguíveis entre elas, e uma é consistentemente pior que a outra; hoje, é muito pior. Entrar em modo de negar a realidade ou agir com displicência ante a realidade só induzirá a vitória do pior.

E propagar aquela falsidade absurda não é ato sem consequências. Implica a consequência de estimular os progressistas, também nos estados indecisos, a não votar ou votar contra Obama e, ainda mais grave, influenciar outros a fazerem o mesmo. Essa é atitude que só ajuda os Republicanos e, no limite, os 1%.

Estar indignado com o governo Obama não é apenas compreensível: é adequado. Eu estou indignado. Obama cometeu crimes, o que é mais grave do que agir “timidamente” ou ter-nos “decepcionado”. Se um impeachment fosse politicamente imaginável em termos legais, Obama já teria feito por merecer (como George W. Bush, e muitos dos seus antecessores!) É humano desejar punir Obama, não “recompensá-lo” com a reeleição ou com um voto que poderia ser tomado como voto de confiança, esperança ou aprovação.

Mas a ira não é boa conselheira. E não raras vezes opera contra vítimas inocentes, como aconteceria aqui, hoje, nos EUA, se muitos decidirem nem votar e disso resultar vitória de Romney nos estados indecisos que decidirão o resultado eleitoral.


Qualquer ideia de punir Obama negando-lhe a reeleição – negando-lhe os votos de que precisa nos estados indecisos e entregando assim a presidência a Romney e Ryan – puniria, sobretudo, os mais pobres da sociedade norte-americana, trabalhadores e também a classe média, e não só nos EUA, mas em todo o mundo, em termos econômicos (creio firmemente que os Republicanos ainda podem converter a atual recessão, em Grande Depressão). Rapidamente significaria atacar o Irã (ataque contra o qual Obama conseguiu resistir, contra pressões, até, de seu próprio partido). E marcaria o fim, mediante indicações de nomes para a Suprema Corte, até dos ocasionais empates ou decisões apertadas sempre que, na Suprema Corte dos EUA, voltarem a ser atacadas a Constituição dos EUA e os direitos civis.

A reeleição de Barack Obama, ela própria, não implicará nenhuma mudança progressista, nem o fim do militarismo com ambições imperiais, nem restaurará nos EUA o respeito à Constituição ou ao Estado de Direito. Essas são tarefas que caberão a nós, depois da eleição e pelo resto de nossas vidas – mediante organização, com agitação, com os movimentos.

Em oito dos 12 estados em que a disputa está apertadíssima – especialmente na Florida, Ohio e Virginia, mas também no Colorado, Iowa, Michigan, Nevada, New Hampshire, North Carolina, Pennsylvania, Virginia e Wisconsin – progressistas que encorajem outros progressistas a votar em candidatos dos partidos “pequenos” aceitam – digo-lhes eu – ser cúmplice na eleição de Romney e Ryan, com todas as consequências que daí advirão.

Pensar nisso como se implicasse que as pessoas nos estados indecisos “têm o direito de votar conforme a própria consciência” é, me parece, ideia perigosamente enviesada. Eu diria aos progressista que, se sua consciência lhe diz que, em estado indeciso, vote voto que não seja em Obama, você precisa ouvir uma segunda opinião. Sua consciência o aconselha mal.

Repito sempre uma linha de Thoreau que teve impacto forte na minha vida: “Ao votar, use seu voto inteiro: não apenas um pedaço de papel, mas toda a sua influência”. Naquele ensaio, referia-se à desobediência civil ou, como Thoreau sempre preferiu, à “resistência contra a autoridade civil”.

Para mim, significa exatamente isso e nada mudou. Mas esse ano, para gente que pensa como eu e que, diferentes de mim, vota nos estados indecisos, o “pedaço de papel” também é importante. E usar “toda sua influência”, até as eleições, para convencer outros a votarem em Obama é ainda mais importante.

Isso significa para os progressistas, nas próximas semanas – além das manifestações, passeatas, petições, lobbying (principalmente contra as políticas atuais e futuras do presidente Obama, inclusive o orçamento de “austeridade”, mês que vem), ação nos movimentos e para novos movimentos e ações de desobediência civil, indispensáveis o ano inteiro, todos os anos – usar também a voz, o e-mail, todos os lugares onde se possa escrever e publicar e as mídias sociais para estimular os cidadãos, nos estados indecisos, a votar contra a vitória de Romney, votando na única alternativa objetivamente existente: Obama.



Nota dos tradutores
*Daniel Ellsberg, 81 anos, é ex-analista militar norte-americano, ex-empregado da RAND Corporation e depois funcionário do Pentágono, que, em 1971, entregou ao jornal The New York Times, documentos secretos do Departamento de Defesa dos EUA contendo detalhes ignorados nos EUA sobre as atividades das Forças Armadas dos Estados Unidos durante a Guerra do Vietnã [Ellsberg e os Pentagon Papers]. 

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