23/10/2012, Mohammad Aslam*, Palestine
Chronicle
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu
Soldados do Hezbollah desfilam |
O
conflito que se arrasta já por 19 meses na Síria, entre o governo e forças
rebeldes, está durando muito mais do que a maioria previu e carrega carga pesada
de eventos potencialmente perigosos.
A
extensão da tragédia não poderia ser exemplificada mais dramaticamente que na
recente explosão de um carro-bomba que matou o chefe da inteligência do Líbano,
brigadeiro-general Wisam Al-Hassan.
O
Primeiro-Ministro ameaça renunciar, políticos da oposição libanesa rápidos a
acusar Damasco, demonstrações sectárias pelas ruas e rumores de novos ataques –
o Líbano parece estar à beira da convulsão.
À
parte a violência e a confusão generalizada, um movimento, na região parece
estar correndo o risco de ver-se inadvertidamente arrastado para dentro do olho
do furacão, por efeito direto da crise em curso: o Hezbollah.
Bashar al- Assad |
A
aliança tripartite de Turquia, Arábia Saudita e Qatar, apoiada pelo ocidente que
lhe fornece dinheiro e equipamento não letal, cuida de assegurar que os que
combatem contra o regime de Bashar al Assad tenham acesso aos meios necessários
para continuar a luta, pelo menos no futuro imediato.
Do
ponto de vista do Hezbollah, essa aliança é analisada como tentativa coordenada
para atacar o “eixo da resistência” que combate contra o governo de Israel
apoiado por EUA, eixo de que o Hezbollah participa, com o Irã, a Síria e o Hamás
em Gaza.
O
cálculo estratégico que o Hezbollah desenvolve parte da premissa de que uma
vitória da oposição a Assad não só privaria o movimento de uma via importante
para o apoio político e militar que o Hezbollah sempre recebeu do governo sírio,
mas ameaça, também, o delicado equilíbrio entre grupos religiosos que há no
Líbano e na Síria – países nos quais vivem várias minorias de muçulmanos não
sunitas.
A
ação dos rebeldes, que têm sequestrado cidadãos iranianos e libaneses, os
ataques violentos ao movimento, que já ultrapassam o que se conhecia como
disputas entre oposições religiosas, e a infiltração de combatentes sunitas
extremistas ligados à Al-Qaeda, já dá sinais claros de que visa a envolver
politicamente também Irã e Líbano na chamada “questão síria”.
Bandeira do Hezbollah |
O
Hezbollah reconheceu recentemente que combatentes seus foram mortos em combates
para defender vilas e cidades habitadas por libaneses em territórios de
fronteira, do lado sírio, o que fez aumentar o temor, no Líbano, de que o
movimento e o país possam estar sendo arrastados para ampla confrontação
sectária.
Além
das dificuldades na Síria, o Hezbollah também enfrenta pressões resultantes do
confronto entre o Irã, que insiste em fazer avançar seu programa nuclear
nacional, e Israel, que não se cansa de ameaçar e promover cada vez mais
declaradamente o confronto militar, como meio alegado para impedir quaisquer
avanços no Irã.
O
Hezbollah, que vê no Supremo Líder iraniano autoridade religiosa supranacional,
é trunfo com o qual o Irã conta, como força de defesa, no caso de o Irã ser
atacado por Israel.
Essa
evidência apareceu muito claramente há alguns dias, quando o líder político do
movimento anunciou que, sim, o Hezbollah enviara um drone, avião-robô, de
reconhecimento, projeto iraniano e montado no Líbano por especialistas do
Hezbollah, para recolher informações sobre pontos estratégicos do território
israelense – e que o dispositivo transmitiu informações, antes de ser abatido
pela aviação israelense.
Internamente,
a oposição libanesa passou a acusar o Hezbollah de tentar distrair a atenção
regional, desviando-a da situação síria, e de estar “provocando” Israel para
confronto direto. Esse discurso, de fato, não faz sentido algum.
A
luta contra Israel, vista como força ocupante de territórios palestinos, nada
tem de novidade e é a raison d’être do Hezbollah; em 2000, o movimento
conseguiu expulsar forças israelenses do sul do Líbano, onde a ocupação
israelense já durava 22 anos; e a atitude de resistência contra a existência na
região da entidade sionista foi também ratificada mais recentemente, em 2006 –
em ação na qual o Hezbollah impôs derrota tática a Israel, a única derrota que o
exército israelense jamais sofreu.
Em
segundo lugar, “provocar” Israel para confronto direto, em momento
em que a
Síria está sob ataque, e o “eixo da resistência”, portanto,
também sob ataque, seria ideia militarmente ilógica e inconcebível.
Considerando
que Israel ainda ocupa vastas porções das colinas de Golan, a menos de
50 km de
distância de Damasco, sem obstáculo natural que impeça o avanço das tropas
israelenses, qualquer movimento contra Israel naquela região só tornaria ainda
mais difícil a ação do muito ineficiente exército sírio e facilitaria o avanço
dos que combatem o regime.
Conclusão
disso tudo é que quem se interesse por enfraquecer e fragilizar o Hezbollah tem
de atacar a capacidade de sobrevivência do movimento dentro do quadro político
libanês, porque o Hezbollah sempre demonstra grande capacidade política para
usar o Líbano como ponta de lança em sua luta contra Israel; em outras palavras,
quem queira fragilizar o Hezbollah tem de atacá-lo no front legal, como membro do governo
libanês, dentro do Líbano.
Saad al-Hariri |
Isso
parece ser exatamente o que estão fazendo os principais inimigos do Hezbollah
dentro do governo libanês – a aliança pró-sauditas, pró-Israel e pró-EUA
liderada por Saad al-Hariri.
O
projeto e cálculo estratégico da aliança sauditas-Israel-EUA liderada por Hariri
é que, enquanto os assassinatos massivos vão dando cabo do regime de Assad em
Damasco, os amigos de Assad no Líbano vão ficando “órfãos” e, assim, menos
capazes de resistir aos ataques da oposição.
Usaram
o conflito na Síria como uma espécie de grande cerimônia de estoicismo, na qual
extravasam (tanto quanto promovem e fazem aumentar) a própria fúria, para assim
fazer avançar a campanha para desarmar o Hezbollah e as ameaças de golpe contra
o atual governo libanês eleito. Membros do círculo íntimo de Hariri, inclusive,
financiam diretamente grupos rebeldes que combatem contra o governo de Assad.
O
Hezbollah, contudo, não dá sinais de estar muito preocupado com os efeitos
internos da campanha comandada por Hariri.
Da
última vez que o mesmo Hariri tentou limitar as atividades do Hezbollah, em
2008, num momento em que Hariri conseguira fazer o primeiro-ministro, o
Hezbollah – em movimento político brilhantemente concebido e executado, que
envolveu decisões executivas dos seus representantes eleitos e ação de massa de
milhares de seus militantes nas ruas – precisou de apenas 20 minutos para por
fim à tentativa de golpe de Hariri. E, dias depois, o governo libanês revogou
todas as leis anti-Hezbollah que o ministro de Hariri conseguira
aprovar.
Mohammad I.
Aslam* é pós-graduando da
Escola de Ciência Política, Departamento de Estudos do Oriente Médio e
Mediterrâneo, King's College, Londres.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Registre seus comentários com seu nome ou apelido. Não utilize o anonimato. Não serão permitidos comentários com "links" ou que contenham o símbolo @.