Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu
Gareth Porter |
WASHINGTON.
Apesar de o aumento no número de “ataques internos” contra as forças dos
EUA-OTAN ser tema dominante na cobertura da guerra no Afeganistão em 2012, há
outra história em andamento lá, ainda mais importante: os EUA estão sendo
derrotados pelos Talibã na guerra-chave, naquele cenário, dos “artefatos
explosivos improvisados” [orig. Improvised Explosive Devices (IEDs)],
explosivos de fabricação caseira.
Circularam
notícias em alguns jornais esse ano, sugerindo que os militares norte-americanos
estariam obtendo progressos na guerra contra os explosivos improvisados dos
Talibã. Mas nada se noticiou sobre o contexto mais amplo, sobre tendências
sazonais, ou as notícias concentraram-se no número de baixas entre os
norte-americanos. A realidade mais ampla, ali, é que a “avançada”
[surge], com aumento no número de coturnos norte-americanos em solo, não
conseguiu reverter o forte aumento no número de ataques com artefatos explosivos
improvisados, com baixas sempre crescentes, que o Talibã promoveu a partir de
2009 e manteve ao longo de 2011.
Ao
longo de 2009-11, os militares norte-americanos sofreram um total de 14.627
baixas, segundo o Sistema de Análise de Baixas da Defesa do Pentágono,
organização não governamental que rastreia as baixas nas guerras do Iraque e do
Afeganistão, a partir de informação publicada.
Guerrilheiros Talibãs típicos |
Desse
total, 8.680, 59%, são mortes resultantes de explosões de artefatos
improvisados, segundo dados divulgados pela Organização Conjunta para Derrotar
os IEDs do Pentágono [orig. Joint IED Defeat Organization
(JIEDDO)]. A porcentagem de baixas norte-americanas provocadas por artefatos
explosivos improvisados continuou a aumentar: de 56% em 2009, chegou a 63% em
2011.
Os
artefatos explosivos improvisados foram elemento central da contraestratégia de
resistência dos Talibã, contra a escalada da guerra que os EUA promoveram. É
tática que absorveu quantidades vastíssimas de tempo e de energia dos soldados
norte-americanos e demonstrou que a luta antiguerrilha à maneira dos EUA não
estava conseguindo reduzir nem o tamanho nem o poder de resistência da guerrilha
local. Também era fonte de inúmeras provas, para a população afegã, de que os
Talibã continuavam presentes e ativos, mesmo nos locais onde soldados dos EUA
ocupavam distritos dados oficialmente por já livres de Talibãs.
Os
estrategistas do Pentágono e lideranças militares norte-americanas usaram duas
abordagens, contraditórias entre elas, na campanha contra os artefatos
explosivos improvisados dos Talibã. Ambas falharam, porque não consideraram nem
refletiram as realidades sociais e políticas no Afeganistão.
Talibãs destroem comboio com IEDs |
A
Organização Conjunta do Pentágono para Derrotar os IEDs gastou mais de
US$18 bilhões em soluções de alta tecnologia para detectar os artefatos
explosivos improvisados antes que fossem detonados – incluindo robôs em terra e
por ar, equipados com câmeras-espiãs. Mas, à medida que a tecnologia ajudava o
comando dos EUA-OTAN a descobrir mais artefatos explosivos improvisados, os
Talibã simplesmente aumentavam a produção e plantavam número sempre crescente de
bombas; assim mantinham os soldados cada vez mais ocupados e aumentavam a
pressão, na guerra dos IEDs.
A
estratégia de contraguerrilha concebida pelo general David Petraeus e
implementada pelo general Stanley A McChrystal, por sua vez, partia do
pressuposto de que as redes de produção e distribuição de artefatos explosivos
improvisados poderiam ser destruídas, desde que a população fosse afastada dos
Talibã. Empurraram milhares de soldados norte-americanos para fora dos veículos
blindados, com ordens para patrulhar a pé e construir relações de confiança com
a população local.
O
principal efeito dessa estratégia, contudo, foi um salto assustador no número de
soldados feridos e mutilados em “incidentes” causados pelos artefatos explosivos
improvisados.
Stanley McChrystal |
Em
avaliação inicial, dia 30/8/2009, McChrystal disse que a Força Internacional de
Assistência à Segurança [orig. International Security Assistance Force
(ISAF)] não poderia ser bem-sucedida, se não se dispusesse a dividir os
riscos, pelo menos “meio a meio”, com o povo. Em entrevista ao jornal USA
Today em julho de 2009, argumentou que o melhor meio para derrotar os
artefatos explosivos improvisados seria derrotar o controle que os Talibã tinham
sobre a população. Conquistada a confiança do povo, disse ele, as pessoas
informariam aos soldados da ISAF sobre a localização dos artefatos
explosivos improvisados.
McChrystal
argumentou que os Talibã usavam os efeitos psicológicos dos artefatos explosivos
improvisados e a preocupação das forças da coalizão com proteger seus soldados,
para obrigar o comando de EUA-OTAN a reforçar “uma postura e uma mentalidade de
guarnição”.
McChrystal
ordenou ênfase muito maior nas patrulhas a pé, no outono de 2009. Os Talibã
responderam com aumento no número de artefatos explosivos improvisados: passaram
de 71, em setembro de 2009, para 228 quatro meses depois, em janeiro de 2010,
segundo dados reunidos pela Organização Conjunta do Pentágono para Derrotar os
IEDs.
David Petraeus |
Evidentemente,
dado o grande aumento dos IEDs,
pode-se inferir que a população sabia mais e melhor sobre a localização de mais
artefatos, o que deveria ter feito aumentar o número de artefatos informados,
nos termos da teoria de contraguerrilha de Petraeus. Os dados mostram que
aconteceu exatamente o contrário. Nos primeiros oito meses de 2009, 3% dos
afegãos contatados notificaram sobre explosivos; de setembro de 2009 a
junho de 2010,
a taxa caiu para 2,7%.
Depois
que Petraeus substituiu McChrystal como comandante das forças de EUA-OTAN
(ISAF) no Afeganistão, em junho de 2010, ordenou aumento ainda maior no
número de patrulhas a pé, sobretudo em Helmand e Kandahar , onde
os soldados dos EUA tentavam ocupar território que, em anos anteriores, fora
controlado pelos Talibã. Em cinco meses, a taxa de notificação de artefatos
explosivos caiu para menos de 1%.
No
mesmo período, o número de ataques de artefatos explosivos improvisados contra
as patrulhas a pé e que causaram baixas, saltou de 21 em outubro de 2009 para
uma média de 40, no período de março a dezembro de 2010 – segundo registros da
Organização Conjunta do Pentágono para Derrotar os IEDs. O número de
soldados dos EUA feridos por artefatos explosivos improvisados saltou para uma
média de 316 por mês, naquele período, 2,5 vezes mais que a média dos dez meses
anteriores.
Guerrilheiro Talibã com arma antitanque |
Os
ataques dos Talibãs na guerra de artefatos explosivos improvisados contra
soldados a pé foram a principal causa de baixas no exército dos EUA: o número
saltou de 1.211 feridos e 159 mortos em 2009, para 3.366 feridos e 259 mortos em
2010.
Mas
o dano provocado pelos dispositivos explosivos improvisados foi de fato ainda
muito mais grave do que esses números mostram, porque os ferimentos em soldados
a pé levaram a quadro dramático de amputação de membros – braços e pernas – e
outros ferimentos, todos muito mais graves do que os registrados antes de os
soldados receberem ordem para não usar os veículos blindados.
Em
junho de 2011, relatório de uma força-tarefa do Exército descreveu um novo tipo
de ferimento em combate – Dismount
Complex Blast Injury [ferimentos complexos
provocados por explosão, em combatente a pé]. Foi descrito como uma combinação
de amputação por trauma de pelo menos uma perna; ferimentos, de leves a severos,
na perna não amputada; e vários tipos de ferimentos na região pélvica, abdominal
ou urogenital. Esse relatório confirmou que o número de amputações de três
membros, só em 2010, foi o dobro de todas as amputações desse tipo nos oito anos
de guerra anteriores.
Estudo
de 194 amputações em 2010 e nos três primeiros meses de 2011 mostrou que o maior
número de feridos estava entre soldados do Marine Corps, concentrados na província
de Helmand; e que 88% dos casos eram resultado de ataques com artefatos
explosivos improvisados contra soldados a pé, segundo o mesmo relatório. Em
janeiro de 2011, o diretor da Organização Conjunta do Pentágono para Derrotar os
IEDs, general John L Oates, reconheceu aumento alarmante, entre soldados
norte-americanos em
Helmand e Kandahar , de ferimentos que levaram a amputação de
uma ou duas pernas, provocados por artefatos explosivos improvisados.
Número
muito mais alto de soldados dos EUA sofreram graves ferimentos na cabeça e
cérebro, em ataques de dispositivos explosivos improvisados, a maioria dos
quais, nesse caso, contra veículos blindados. As estatísticas dos totais de
amputações de membros e de ferimentos traumáticos na cabeça e cérebro no
Afeganistão foram extraídas do relatório daquela força-tarefa.
Estatísticas de mortos e feridos dos EUA nas suas várias guerras Clique na imagem para aumentar |
Em
2011, as baixas norte-americanas por ataque de artefatos explosivos improvisados
caíram para 204, depois de alcançarem 259 em 2010, e o número de mortos caiu, de
499 para 418. Mas o número de feridos por artefatos explosivos improvisados de
fato aumentou 10%, de 3.339 para 3.530; o total de feridos em ação foi quase o
mesmo que em 2010, segundo dados de iCasualties.
O
total de feridos nos oito primeiros meses de 2012 é 10% menor que no mesmo
período de 2011; e o número de mortos é 29% menor, na mesma comparação.
A
redução no número de feridos parece refletir em parte a retirada de milhares de
soldados dos EUA, transferidos das províncias de Kandahar e Helmand, onde
ocorreu vasta proporção das baixas, para o leste do Afeganistão. O número de
ataques de artefatos explosivos improvisados contra soldados a pé, de meados de
julho de 2011
a meados de julho de 2012, foi 25% inferior ao número do
mesmo período do ano anterior, segundo dados da Organização Conjunta do
Pentágono para Derrotar os IEDs.
Mapa político do Afeganistão Clique na imagem para aumentar |
O
Pentágono já sabia, no início de 2011, que não conseguiria fazer o que estava
planejado antes e durante a “avançada”. Em comentário revelador ao Washington
Post em janeiro de 2011, o chefe da Organização Conjunta do Pentágono para
Derrotar os IEDs, general Oates, insistiu em que a ideia de que “estamos
perdendo” a “guerra dos dispositivos explosivos improvisados” no Afeganistão não
seria “acurada”, porque “O plano geral não é destruir toda a rede. Isso talvez
seja impossível”.
O
objetivo, explicou, teria passado a ser romper a rede. É mover de lugar as
traves do gol, para não ter de admitir a derrota dos EUA na guerra dos
explosivos de fabricação caseira.
Reconhecimento implícito de que a
ordem de Petraeus para que mais soldados patrulhassem a pé já não é vista com
reverência no comando das forças EUA-OTAN: aquela ordem, de agosto de 2010, foi
excluída da página do general, na Internet.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Registre seus comentários com seu nome ou apelido. Não utilize o anonimato. Não serão permitidos comentários com "links" ou que contenham o símbolo @.