23/10/2012, Pepe Escobar,
Asia Times Online – The Roving Eye
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu
Pepe Escobar |
LOS
ANGELES – Prazo apertado. Terrivelmente apertado. Mas, bem longe do surto de
pesquisite maníaco-obsessiva que se constata em cada rua, avenida, beco e fundo
de beco desse circo multibilionário das eleições nos EUA – combinado à Máquina
de Fazer Doidos, a televisão, cuja vomitação de monstros apavorantes e
muito-loucos nunca pára – eis aqui alguns fatos nus e crus.
Para
tornar-se presidente dos EUA [ing. President of the United States,
POTUS], Mitt Romney tem de vencer nos estados de Ohio, Flórida, Colorado,
Virginia e Arizona.
No
pé em que estão as coisas nesse instante, horas antes do debate sobre política
exterior, nessa 2ª-feira, em Boca
Raton, Flórida, Barack Obama mantém pequena vantagem, de 3 a 2
(Ohio, Colorado e Arizona versus Virginia e Flórida onde, até há pouco
tempo, Obama também liderava. Agora, segundo as estimativas de Nate Silver, há
66% de probabilidades de Romney vencer na Flórida).
Obama
continua à frente em Iowa (66%), New Hampshire (63%), Nevada (73%), Pennsylvania
(89%) e Wisconsin (80%).
A
queda de Obama tem sido ininterrupta, constante, desde o primeiro debate; nos
três últimos dias parece que, afinal, voltou a subir. Mesmo assim, Romney deve
vencer em todos esses estados indecisos, mesmo que não consiga abalar Ohio que,
hoje, tende a Obama (70%).
Mitt “Pastas cheias de
mulheres”
[1] Romney aparecerá
armado até os dentes (armas líbias!) no último debate, porque não pode perder em
nenhum dos estados indecisos. Em outras palavras: se não atrair aquelas senhoras
indecisas de Ohio, elas voarão, como enxame de bruxas, contra ele.
Ouvir o quê, numa hora dessas?
Pode ser qualquer coisa, de The Star
Spangled Banner [Hino dos EUA] (na versão de Jimi Hendrix [2]) – a We Shall Overcome [3]. Bom... aqui na Califórnia está
mais para Time Is Tight [tempo
apertado] com Booker T & os MG's
[4]. Já está adotada como tema
oficial do telefone celular desse seu colunista errante nômade – que viaja a
bordo de um Mustang cinza feito na
Detroit noir (apoiando quem garante
emprego para norte-americanos [5]) cruzando e recruzando o sul da
Califórnia à procura de alguma pista, de algum fóssil, de qualquer remanescente
do sonho americano.
Los
Angeles, La noir
Los
Angeles, LA,
Hollywood , chame como preferir, é cidade que fez da mentira
meio de vida – e não é má metáfora tanto para o governo dos EUA como para Mitt
“Pastas cheias de mulheres”. Chegue com trilha sonora adequada, design
caprichado de cenários e figurinos e algumas linhas de fala que não comprometam
– o roteiro, de fato, pode ser qualquer um e, até, nenhum – e Hollywood mentirá
sem parar a seu favor até morrer ou, melhor dizendo, enquanto continuar
sobrevivendo a incontáveis cálices de Tequila Sunrise.
O jornal LA Weekly
organizou um concurso para eleger o melhor romance sobre LA de todos os tempos,
que tem de ser obra-prima noir. [6]
Esse
seu colunista nômade e errante – ex-habitante de Hollywood e fanático perene da
literatura não se envolverá. Votaria em qualquer coisa, do psicodélico Vício
inerente de Thomas Pynchon [São Paulo: Companhia das Letras] a O sono
eterno [Porto Alegre: L&PM] de Raymond Chandler (mais noir, nem o
inferno), passando por O último magnata [Porto Alegre: L&PM] de Scott
Fitzgerald, e qualquer coisa de James Ellroy, especialmente A dália negra
[Lisboa: Editorial Presença].
Mitt versus Obama |
Claro
que sempre se pode interpretar Obama X Mitt como saga noir de amor de
perdição, traição e crime (financeiro, militar, imperial dentre outras
modalidades). Deixemos para roteiro de filme-catástrofe ainda não concluído.
De
volta ao mundo real. Parafraseando o grande Ginsberg, vi as melhores e as piores
cabeças de gerações passadas, famintas, silenciosas, praticamente despidas – ou,
mesmo, bem respeitavelmente trajadas – vagando pelos becos e ruelas de LA, à
noite, não à procura de drogas, mas de uma cozinha e um prato de sopa.
Para
verificar como anda o fundo do saco dos 47%, bastou dirigir à noite pelo centro
de LA, até o fim da rua Los Angeles, e dali seguir as nuvens escuras que descem
sobre o rio Los Angeles.
Teria
sido impossível não ver um veterano da Força Aérea, 55 anos, vestido com
decência, mendigando perto da Universidade da Califórnia em Los Angeles, subindo
na direção de Brentwood. Ajudei-o como pude, perguntei “por quê?”, ele respondeu
“pergunte ao governo dos EUA”. Os prédios fulgurantes do complexo industrial
militar – da Boeing à Lockheed Martin – não ficam muito longe daqui, contornando
por LAX.
No
mundo de Mitt Romney, esse veterano da Força Aérea dos EUA não paga impostos
suficientes, faz-se de vítima e não assume responsabilidade pessoal sobre a
própria vida. Por falar nisso: no mundo de Mitt, aquele veterano é acompanhado
pelos soldados dos EUA em missões de combate, bombeiros, metalúrgicos, agentes
de segurança, oficiais de polícia e, sim, sim, professores do segundo grau – que
ganham em média salários mensais de 4,5 mil dólares, quase sempre a única fonte
de renda para manterem famílias de quatro ou cinco dependentes.
Também
andei pela trilha do surfe, de Laguna
Beach a Dana Point e San Clemente – onde pequenas empresas
ainda vendem roupas de praia, produtos de primeira categoria made-in-USA,
que me despacharam de volta aos anos da minha adolescência, quando todos os
adolescentes sonhavam com uma barco Hobie
cat, um skate Gordon & Smith ou uma prancha Dewey Weber de surfe.
Parei
para comprar camisetas. Comprei camisetas americanas – James Perse, empresa de roupas nova,
chique, loja sofisticada em LA, que está competindo com sucesso com os monstros
deslocalizados para cá. Foi quase um choque encontrar ali a etiqueta Made in
USA, em vez de, claro, é inevitável – Made in China.
LA,
é claro, vive tanto na Ásia quanto nos EUA. A lavanderia que uso é cantonesa; a
padaria que uso, em Brentwood, é coreana; o restaurante onde como comida
tailandesa ainda está ali, na Tailândia. Ali se encontra 1/10 do 1% da Ásia, o
que prova que a Califórnia ainda é a Terra Prometida, graças, essencialmente, ao
Vale do Silício e a Hollywood.
E
foi quando o vi em pessoa,
Mr. 1% da China, na Rodeo Drive, fotografando alegremente um
espetacular Bugatti Veyron 16.4
amarelo e preto, cercado por toda a sua família estendida.
Era
um comerciante bem-sucedido de Xiamen, com boné de beisebol de Hollywood,
carregando uma sacola Chanel de couro de crocodilo negro, que custa,
aproximadamente, todo o PIB do norte da Síria (a qual, já que falamos dela, tem
despachado para a Califórnia número sempre crescente de refugiados políticos
potenciais).
Perguntei
a Mr. 1% da China sobre o que disse Mitt, que declarou guerra comercial e
monetária ao Império do Meio. A gargalhada dele ribombou pela calçada, avançou
pelos canyons e mergulhou fundo, gozosa, no Pacífico.
Rodeo, Beverly e Canon Drive são provas vivas de que o
1/10 superior dos 1% estão nadando em dinheiro. Estão de volta à posse de 25% do
total dos impostos dos EUA. Entre eles, sim, há porção considerável de Teerângeles – a diáspora iraniana que
vive nos EUA.
Os
impostos para o 1/10 dos 1% são hoje os menores de todos os tempos; então... é
festejar... como se estivéssemos em 2007. Pelo menos na Califórnia, a amplíssima
maioria – fazendo o que Hollywood mandou fazer – vota em Obama. Traduzindo, como
diz meu garçom tailandês: igual, igual, mas diferente.
Tempo
de jogar “como pivô”
Atravessando
o sul da Califórnia, começa-se a desconfiar que Mitt Romney bem pode ter
contratado uma prostituta hollywoodiana
secreta como assessora clandestina. Afinal, Mitt paga seu plano de cortar $5
trilhões de impostos, com cartão platinum. Parece aqueles projetos hollywoodianos eternamente “em
desenvolvimento”.
Estudo do Centro de
Política Tributária [orig. Tax Policy Center (TPC) [7]
] não
partidário revelou que o modo de Romney conseguir que seu plano de corte de
impostos 20% abaixo do plano de cortes da era George W Bush seja “neutro para a
arrecadação” (limitar as deduções a $17 mil dólares) – só arrecadará $1,7
trilhão por dez anos. O TPC viu-se obrigado a desculpar-se, porque a absoluta
falta de especificações e de objetividade, marca registrada de Mitt em tudo que
tenha a ver com o tal plano, viciou toda a análise e gerou resultados
imperfeitos.
Depois que Asia Times
Online comentou 5ª-feira [8], o New York
Times e outros websites nos EUA [9]
acordaram e começaram a olhar na direção de Glenn Hubbard,
pau-mandado/assessor/capanga de Mitt para questões econômicas.
Nunca
será demasiado lembrar que o professor Hubbard muito se empenhou para justificar
a bolha-gigante das hipotecas e derivativos que estão no coração da Grande
Recessão aprovada e sancionada por Dábliu. Para não confundir, pode-se
identificá-lo como “Rei dos Derivativos Tóxicos”. Consequências palpáveis
diretas daquelas justificativas incluem: a depreciação astronômica, de $7
trilhões e aumentando, no valor das casas; o “resgate” de Wall Street, que
embolsou mais de $700 bilhões; e o desemprego altíssimo perene, que a campanha
de Romney descreve, sem corar, como serviço de Obama.
E
sim: Hubbard foi o arquiteto responsável pelos cortes de impostos de Bush. Em
termos de cortar em interesse próprio, não há igual; só em 2011, Hubbard
embolsou belos $785 mil dólares só pelo serviço de sentar em três diretorias de
empresas e assinar como consultor de Freddie Mac, Bank of America, JPMorgan Chase e Goldman Sachs.
Agora, então, imaginem Hubbard
como Secretário do Tesouro de Mitt. Combinem as armas financeiras de destruição
em massa com as quais ele opera, e as armas de destruição em massa que não
existem no Irã.... e aí está o pretexto para a próxima guerra dos EUA no Oriente
Médio, plus essa matéria bomba-atômica, de há três meses, no Los
Angeles Times, [10] sobre Romney
financiar sua empresa, Bain Capital,
com fundos estrangeiros os mais sombrios e acumular lucros dignos de grande
sindicato do crime... e aí está enredo perfeito para roteiro super noir,
em Los Angeles.
Para contrabalançar
tanta treva, esse colunista nômade estendeu a trilha – com escapada até Camp Pendleton onde os Marines
preparam-se para mover-se feito “pivô” na direção do Pacífico Asiático – na
rota que leva à cidade que abriga a quintessência do complexo
industrial-militar, San Diego. Ali afinal encontrei uma alma abençoada, Tom
Feeley, editor e fundador de Information
Clearing House [11] – uma das raras
páginas absolutamente indispensáveis em toda a internet, sobre vários negócios
do Império.
A
newsletter de Tom já está chegando aos 79 mil leitores diários, e
crescendo, quase todos leitores norte-americanos expatriados que conhecem bem as
arapucas do Império. Não é preciso ser um James Joyce para saber apreciar a
conversa de um irlandês: a nossa foi inestimável. Concordamos que toda a pegada
geopolítica, como se a pode ver em movimento, parece-se cada dia mais com uma
peça de Beckett, exceto pela elegância hierática.
Terminei
esse périplo pela Califórnia indecisa decidido a voltar para “casa” – para o Frolic Room, bar-cenário de Hollywood,
de punks, tribos estranhas e filósofos de balcão de bar, todos do tipo
47%. Melhor que ler relatório da RAND
Corporation.
No Frolic Room – com seu magnífico
neon
[12] – a verdadeira
Dália Negra bebericava seus martinis nos anos 1940s, antes de partir
tragicamente para o sono eterno, vítima de assassinato horrendo. Agora, nós
esperamos aqui – não pela morte, que é certa, mas para ver se Obama e Mitt nos
mostram, pelo menos, que seja, uma faísca, um traço, um vestígio de sonho
palpável, de sonho que valha a pena. Ok, ok. Esqueçam. A única coisa que se deve
esperar agora são mais mentiras à Hollywood.
Nota de
rodapé
[1]Pepe
Escobar: “Mitt, o empastador de mulheres”, 19/10/2012, Asia Times Online, 19/10/2012, redecastorphoto, em português. [NTs]
[2] Pode ser visto/ouvido de
Woodstock, EUA, 1969
a seguir:
[3] Literalmente “Venceremos”, na voz
de Mahalia Jackson, nos anos 60, a seguir:
E na voz de Joan Baez, em Woodstock a seguir [NTs]:
[4] Booker T. & The
MG's - Time Is Tight (Live, 1970) pode ser visto/ouvido a
seguir:
[5] Agência de Empregos GloEmploy
[6] 4/10/2012, LAWeekly, Sarah Fenske, em:“Best L.A.
Novel Ever: The Tournament”
[7] 17/10/2012, Tax Policy
Center, Roberton Williams em: “How
Much Revenue Would a Cap on Itemized Deductions
Raise?”
[8] Pepe
Escobar: “Mitt, o empastador de mulheres”, 19/10/2012, Asia Times Online, 19/10/2012, redecastorphoto, em português.
[NTs]
[9] 18/10/2012, Thrudig, Robert Scheer em: “Meet
Romney’s Economic Hit Man”
[10] 19/7/2012, Los Angeles
Times, Joseph Tanfani, Melanie Mason e Matea Gold em: “Bain
Capital started with help of offshore investors”
[11]Ver
em “Information Clearing
House” (página atualizada diariamente). [NTs]
[12] Sobre o bar Frolic
Room, no Huffington Post há
boa matéria com imagem do neon tradicional [NTs].
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