Zé Dirceu e Fidel |
Publicado
em 11/10/2012 por Urariano Motta *
Recife
(PE) - Não se
enganem os leitores. O mensalão no STF é, na essência, um julgamento político. E
se ainda têm dúvida, observem a mídia massificada, o abuso de imagens na
televisão, a telenovela em que se tornou o tribunal cuja chamada é punição aos
corruptos para um novo Brasil.
Um
leitor calejado diria que as notícias se fabricam como as salsichas, com sangue
e gordura fartos em ambiente de náusea. No entanto, o que há de mais pedagógico
nesse julgamento é o fim das ilusões de como age o Supremo Tribunal Federal. Ali
também se produzem salsichas, a saber, votos e juízos se fazem em obediência à
sociedade de classes, na feroz luta política.
Se
ainda têm dúvida, observem que o conceito de prova foi reinventado. Indícios,
que possuem a natureza, por definição, de serem hipóteses, viraram fatos, sob o
especioso argumento de “é impossível que ele não soubesse”.
Houve
provas como deduções de retórica, digna de sofistas, na base do se isso, então
aquilo. O elementar de qualquer tribunal do mundo civilizado, do não basta
supor, não basta desconfiar, não basta ter como provável, foi jogado às favas. E
por que ministros tão ilustres, pelo menos no brilho de suas ideais funções,
sepultaram as nossas melhores ilusões de justiça acima de classes?
O
alvo do julgamento é Lula.
O
alvo são as conquistas de um governo de esquerda, que se trouxe ganhos maiores
para o capital, também redistribuiu renda, e no que tem de pior, ameaça uma
permanência no poder que pode gerar insuportável democracia: leis de regulação
da mídia, perdas irreparáveis de privilégios.
Daí
que foi dado o passo necessário para a condenação do ex-presidente Lula: a
punição de José Dirceu.
Falta
só mais um degrau.
Na
verdade, muito antes desta semana, o julgamento de Zé Dirceu estava escrito
desde o século dezenove. Em escrita criadora, o seu julgamento já havia sido
feito desde 1865. Mais precisamente, sob a pena de Lewis Carrol, em “Alice no
País das Maravilhas”. O leitor por favor acompanhe estas linhas de Alice.
-
Não, não! - berrou a Rainha. - Primeiro a sentença, depois o
veredicto.
Se
substituímos a Rainha pelo conjunto imprensa e tribunal do Brasil, perceberemos
que aqui também a condenação estava antes sentenciada. Mas continuemos com
Alice:
Neste
momento o Rei, que estivera ocupado por algum tempo escrevendo em seu caderno de
notas, gritou:
-
Silêncio! - e leu: “Artigo Quarenta e Dois: Todas as pessoas com mais de um
quilômetro e meio de altura devem deixar o tribunal”.
Todo
o mundo olhou para Alice.
-
E não irei de jeito nenhum - disse Alice; - além do mais, este artigo não é
legal: você acabou de inventá-lo.
O Rei
empalideceu e fechou apressadamente seu caderno de notas. “Façam o seu
veredicto”, disse ao júri, com voz baixa e trêmula.
Se
fazemos a diferença de que no Brasil os ministros do Supremo não empalideceram,
os procedimentos criados pelo STF para esse julgamento repetem à perfeição
Alice. Mas continuemos com o julgamento de José Dirceu, agora de modo mais
claro:
-
Com licença de Vossa Majestade, ainda há provas a examinar - disse o Coelho
Branco dando um salto: - este documento acaba de ser
encontrado.
-
Do que se trata? - indagou a Rainha.
-
Ainda não abri - respondeu o Coelho Branco. - Mas parece ser uma carta, escrita
pelo prisioneiro para alguém.
-
Só pode ser isso - disse o Rei, -a menos que tenha sido escrita para ninguém, o
que não é muito usual.
-
A quem é endereçada? - perguntou um dos ministros.
-
Não é propriamente endereçada...- disse o Coelho Branco - na verdade, não há
nada escrito do lado de fora. Enquanto falava, desdobrou o papel, acrescentando:
-
Nem é uma carta, afinal de contas: são versos.
-
Estão escritos com a caligrafia do prisioneiro? – perguntou
outro.
-
Não, não estão - respondeu o Coelho Branco - e isso é o mais estranho de tudo.
(Todos pareciam perplexos.)
-
Ele deve ter imitado a caligrafia de outra pessoa – disse o Rei. (Todos
animaram-se outra vez.)
-
Com licença de Vossa Majestade - disse o réu, - eu não escrevi isso, e ninguém
poderá provar o contrário: não há nenhum nome assinado
embaixo.
-
Se você não assinou - disse o Rei - isso só piora a situação. Você certamente
deve ter feito algo de errado, ou então teria assinado seu nome como qualquer
pessoa honesta...
-
Isso prova a sua culpa, é claro - disse a Rainha: - Logo, cortem a sua
cabeça!
O
logo acima foi conjunção para Lula e advérbio de tempo, urgente, em uma só
palavra. Logo, cortem a cabeça da esquerda, foi, é a sentença. Provas para quê?
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Enviado
por Direto
da Redação
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