30/10/2012, The
Independent, Robert Fisk
em Information Clearing
House
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu
Robert Fisk |
Depois
dos gestos e palavras de amor eterno de Obama-Romney a Israel, semana passada,
os árabes puseram a pensar para decidir, com calma, qual dos dois candidatos
seria melhor para o Oriente Médio. Parece que preferirão Barack Obama; mas o
problema – como sempre – é o fato triste, patético, obscenamente óbvio, de que
essa decisão não fará nem um átomo de diferença.
George
Bush invadiu o Iraque depois de dar permissão a Ariel Sharon para prosseguir na
colonização da Cisjordânia ocupada. Obama caiu fora do Iraque, ampliou a guerra
de aviões-robôs, os drones, na fronteira Paquistão-Afeganistão e depois
meteu o rabo entre as pernas, quando Benjamin Netanyahu informou-o de que nem se
discutiria qualquer possibilidade de Israel retirar-se para as fronteiras de
1967. Em vez de ordenar “Sim, Israel se retirará”, como presidente forte e
independente, Obama lá ficou, encolhido em sua poltrona na Casa Branca, enquanto
o Primeiro-Ministro de Israel lhe dizia, com todas as letras, que a Resolução
242 do Conselho de Segurança da ONU – o próprio fundamento do inexistente
“processo de paz” – era letra morta.
Desde
então, Mitt Romney, que parece entender tanto de Oriente Médio quanto aquele
pastor texano que queimou um Corão, só faz repetir que os palestinos “não têm
interesse algum em fazer a paz” e até hoje ainda não conseguiu explicar
satisfatoriamente por que, em 2005, como governador de Massachusetts,
mostrava-se tão interessado em instalar escutas clandestinas em mesquitas. Assim
sendo, só resta desejar boa sorte aos árabes.
Mas
a verdade é que o próximo presidente não terá liberdade para definir qualquer
política independente para o Oriente Médio. O amancebamento com Israel
continuará – a menos que Israel ataque o Irã e arraste os EUA para mais uma
guerra no Oriente Médio.
De
novidade, isso sim, é que, pela primeira vez na história dos EUA, o candidato
que consiga ser eleito presidente terá de lidar com um novo mundo árabe, com um
novo mundo muçulmano.
O "Despertar Árabe" na Praça Tahrir no Cairo, Egito (Junho/2012) |
O
ponto crítico é que o Despertar Árabe (acabemos, por favor, para sempre, com a
conversa de “primavera”) manifesta a voz de gente que exige ser tratado com
dignidade. Há aí também muçulmanos não árabes – e que outra coisa seria, senão
isso, a minirrevolução dos Verdes iranianos, depois das últimas eleições no Irã?
E
devem-se somar os milhões de muçulmanos que vivem na parte do mundo que nós
ainda gostamos de chamar de Oriente Médio – que nada parece ter de “médio”, para
quem viva lá – e que, agora, também planejam tomar decisões próprias, baseados
nos próprios desejos, não nos desejos dos sátrapas ex-presidentes e dos patrões
dos sátrapas, em
Washington. La Clinton continua sem dar sinais de ter
percebido isso. Obama talvez veja. Romney? Aposto que não acertaria o nome de
nenhuma das nações da região, no mapa, exceto um, claro.
Ao
contrário do que o ocidente crê, que os árabes estariam lutando por
“democracia”, a batalha e a tragédia do Oriente Médio hoje – e seja qual for o
saldo da revolução “soft” na Tunísia ou da carnificina na Síria –
acontecem em torno da palavra “dignidade”, sobre o direito de, como ser humano,
dizer o que deseja que seja feito a quem ele decida dizer, e nunca mais admitir
que um déspota se apresente como proprietário de um país inteiro (desde que
autorizado a tanto pelos EUA) e trate, países e cidadãos, como se fossem sua
propriedade privada.
Sim,
revoluções são confusas. A revolução egípcia não saiu como se pensou que sairia.
A Líbia está rachando ao meio. A Síria é um cataclismo. Mas o povo árabe afinal
começou a falar e, doravante, os árabes saberão exigir que seus presidentes e
primeiros-ministros obedeçam aos seus desejos, não a ordens de Washington ou de
Moscou.
Diferente
da crença cara aos Romneys, para os quais haveria déficit de valores
civilizacionais entre os árabes – que perderiam de longe para os valores da
civilização de Israel – os povos do Oriente Médio estão comprovando exatamente o
contrário. É processo lento, negócio demorado: todos os leitores que nesse
momento leem esse artigo já estarão mortos, ou muito velhos, antes de que a
“revolução” árabe se complete.
Enoch Powell |
Mas
os tempos em que presidentes dos EUA davam instruções aos potentados do Oriente
Médio sobre o que dizer e fazer, esses tempos estão acabando. Ainda demorará
para que venha abaixo o regime saudita, com todas as outras bombas de gasolina
espalhadas pelo Golfo. E é preciso dizer que a tragédia dos palestinos,
provavelmente, está e sempre esteve no coração do Despertar Árabe.
Infelizmente, os palestinos são os
únicos que não se beneficiam das revoluções árabes. Já não resta terra
suficiente, aos palestinos, para que tenham Estado seu. Aí está fato acima de
qualquer enrolação [orig. above peradventure [1]] (como dizia Enoch Powell
[2]).
Quem
ainda duvida, compre passagem e voe até Israel e olhe para a Cisjordânia. Não há
mais espaço para os palestinos; essa é a tragédia real que os presidentes dos
EUA, sejam quais forem, têm de encarar nos anos
futuros.
Notas
de tradução
[1]
Orig. “[acima de] peradventure”. Termo arcaico, em desuso. A expressão
“Acima de peradventure” significa “acima” ou “à prova” de qualquer
argumento real ou inventado, e até, como os tradutores preferiram, “acima de
qualquer enrolação”. Tradução tentativa. Todos os comentários, correções e
sugestões são bem-vindos.
[2]
Enoch Powell
(1912-1998).
Deputado conservador, ministro da Saúde da Grã-Bretanha nos anos 60. Foi poeta e
linguista. Famoso por um discurso “Rios de
sangue”, de 1968, contra a entrada de imigrantes na Inglaterra,
considerado racista (em inglês).
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