quarta-feira, 31 de outubro de 2012

Vença quem vencer, Obama ou Romney: As relações dos EUA com o mundo árabe mudarão


30/10/2012, The Independent, Robert Fisk em Information Clearing House
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu

Robert Fisk
Depois dos gestos e palavras de amor eterno de Obama-Romney a Israel, semana passada, os árabes puseram a pensar para decidir, com calma, qual dos dois candidatos seria melhor para o Oriente Médio. Parece que preferirão Barack Obama; mas o problema – como sempre – é o fato triste, patético, obscenamente óbvio, de que essa decisão não fará nem um átomo de diferença.

George Bush invadiu o Iraque depois de dar permissão a Ariel Sharon para prosseguir na colonização da Cisjordânia ocupada. Obama caiu fora do Iraque, ampliou a guerra de aviões-robôs, os drones, na fronteira Paquistão-Afeganistão e depois meteu o rabo entre as pernas, quando Benjamin Netanyahu informou-o de que nem se discutiria qualquer possibilidade de Israel retirar-se para as fronteiras de 1967. Em vez de ordenar “Sim, Israel se retirará”, como presidente forte e independente, Obama lá ficou, encolhido em sua poltrona na Casa Branca, enquanto o Primeiro-Ministro de Israel lhe dizia, com todas as letras, que a Resolução 242 do Conselho de Segurança da ONU – o próprio fundamento do inexistente “processo de paz” – era letra morta.

Desde então, Mitt Romney, que parece entender tanto de Oriente Médio quanto aquele pastor texano que queimou um Corão, só faz repetir que os palestinos “não têm interesse algum em fazer a paz” e até hoje ainda não conseguiu explicar satisfatoriamente por que, em 2005, como governador de Massachusetts, mostrava-se tão interessado em instalar escutas clandestinas em mesquitas. Assim sendo, só resta desejar boa sorte aos árabes.

Mas a verdade é que o próximo presidente não terá liberdade para definir qualquer política independente para o Oriente Médio. O amancebamento com Israel continuará – a menos que Israel ataque o Irã e arraste os EUA para mais uma guerra no Oriente Médio. 

De novidade, isso sim, é que, pela primeira vez na história dos EUA, o candidato que consiga ser eleito presidente terá de lidar com um novo mundo árabe, com um novo mundo muçulmano.

O "Despertar Árabe" na Praça Tahrir no Cairo, Egito (Junho/2012)
O ponto crítico é que o Despertar Árabe (acabemos, por favor, para sempre, com a conversa de “primavera”) manifesta a voz de gente que exige ser tratado com dignidade. Há aí também muçulmanos não árabes – e que outra coisa seria, senão isso, a minirrevolução dos Verdes iranianos, depois das últimas eleições no Irã?

E devem-se somar os milhões de muçulmanos que vivem na parte do mundo que nós ainda gostamos de chamar de Oriente Médio – que nada parece ter de “médio”, para quem viva lá – e que, agora, também planejam tomar decisões próprias, baseados nos próprios desejos, não nos desejos dos sátrapas ex-presidentes e dos patrões dos sátrapas, em Washington. La Clinton continua sem dar sinais de ter percebido isso. Obama talvez veja. Romney? Aposto que não acertaria o nome de nenhuma das nações da região, no mapa, exceto um, claro.

Ao contrário do que o ocidente crê, que os árabes estariam lutando por “democracia”, a batalha e a tragédia do Oriente Médio hoje – e seja qual for o saldo da revolução “soft” na Tunísia ou da carnificina na Síria – acontecem em torno da palavra “dignidade”, sobre o direito de, como ser humano, dizer o que deseja que seja feito a quem ele decida dizer, e nunca mais admitir que um déspota se apresente como proprietário de um país inteiro (desde que autorizado a tanto pelos EUA) e trate, países e cidadãos, como se fossem sua propriedade privada.

Sim, revoluções são confusas. A revolução egípcia não saiu como se pensou que sairia. A Líbia está rachando ao meio. A Síria é um cataclismo. Mas o povo árabe afinal começou a falar e, doravante, os árabes saberão exigir que seus presidentes e primeiros-ministros obedeçam aos seus desejos, não a ordens de Washington ou de Moscou.

Diferente da crença cara aos Romneys, para os quais haveria déficit de valores civilizacionais entre os árabes – que perderiam de longe para os valores da civilização de Israel – os povos do Oriente Médio estão comprovando exatamente o contrário. É processo lento, negócio demorado: todos os leitores que nesse momento leem esse artigo já estarão mortos, ou muito velhos, antes de que a “revolução” árabe se complete.

 Enoch Powell
Mas os tempos em que presidentes dos EUA davam instruções aos potentados do Oriente Médio sobre o que dizer e fazer, esses tempos estão acabando. Ainda demorará para que venha abaixo o regime saudita, com todas as outras bombas de gasolina espalhadas pelo Golfo. E é preciso dizer que a tragédia dos palestinos, provavelmente, está e sempre esteve no coração do Despertar Árabe.

Infelizmente, os palestinos são os únicos que não se beneficiam das revoluções árabes. Já não resta terra suficiente, aos palestinos, para que tenham Estado seu. Aí está fato acima de qualquer enrolação [orig. above peradventure [1]] (como dizia Enoch Powell [2]).

Quem ainda duvida, compre passagem e voe até Israel e olhe para a Cisjordânia. Não há mais espaço para os palestinos; essa é a tragédia real que os presidentes dos EUA, sejam quais forem, têm de encarar nos anos futuros.



Notas de tradução
[1] Orig. “[acima de] peradventure”. Termo arcaico, em desuso. A expressão “Acima de peradventure” significa “acima” ou “à prova” de qualquer argumento real ou inventado, e até, como os tradutores preferiram, “acima de qualquer enrolação”. Tradução tentativa. Todos os comentários, correções e sugestões são bem-vindos.
[2] Enoch Powell (1912-1998). Deputado conservador, ministro da Saúde da Grã-Bretanha nos anos 60. Foi poeta e linguista. Famoso por um discurso “Rios de sangue, de 1968, contra a entrada de imigrantes na Inglaterra, considerado racista (em inglês).

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