29/10/2012, Pepe Escobar, Asia Times Online
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu
Pepe Escobar |
Na
estrada, em Nevada e Utah – Em
busca do sonho americano (remixado, implodido) a estrada segue adiante, sem fim.
Deixei San Francisco em
clima de Pain in my Heart de Otis
Redding
[1] –
depois do jardim de infância da rapaziada Google/Facebook do Vale do Silício,
louras magérrimas falando em seus McBook Pros pelas
calçadas, pedaços de naufrágio e lastro jogado ao mar dos 47% que desafiam a
própria sombra pelo centro da cidade à noite, a Itália viva no café de Coppola,
“Caf้
Zoetrope”, a ressurgência de Occupy
Oakland, o Hudson 49 que cruza o oeste em On the Road da ode
de Walter Salles ao On the Road de Kerouac, agora estacionado no Beat Museum – e tomei rumo leste, por
uma Sierra Nevada já acossada por tempestade de neve e um Lago Tahoe
fantasmagoricamente calmo, que parecia emergido de alguma obra noir feito
Saído do Passado [Out of the Past, 1947], com fantasma de Robert
Mitchum incluído.
Christopher Walken em Seven Psychopaths |
Reno respira assassinato – como
cara mascarada saída diretamente de Seven Psychopaths (2012) (onde
Christopher Walken, mais uma vez, reina) emergindo não se sabe de onde para
espalhar o inferno numa cidade fantasma. O Eldorado de manhã cedo estava
virtualmente vazio, exceto pela velhota esquisita trabalhando nos caça-níqueis.
Coisa de Desolation Row, de Dylan. [2]
E
há a depressão em Nevada – um dos estados que mais sofreu os efeitos da crise
das hipotecas. Em matéria de “retomada”, a coisa anda tão feia, que há quem
creia que a venda do iPhone 5 – que não passa de uma câmera turbinada carregada
de aplicativos – possa provocar um salto, lá do fundo, do PIB dos EUA.
Praticamente
não se vê qualquer sinal de “consumidor consumindo mais” em Reno, exceto no
“Beto”, onde a rapaziada cool local curte o melhor taco de camarão do
Oeste. Mesmo assim ainda balança pró Obama, que já balança rumo a 80% de chances
de vencer em Nevada, comparadas às 73,6% de vencer no país, segundo projeções de
Nate Silver.
Guangzhou é
pauleira
Depois
começa “a mais solitária estrada da América”, cuja principal atração turística é
sortimento variado de “centros correcionais”, cadeias, com o inseparável sinal
de “Área de Prisões: Proibido pedir carona” (a menos que você seja psicopata em
filme de assassino em série na estrada, claro). Cheguei a Salt Lake City – onde
Mitt 47% encenou seus “oh! que sucesso” Jogos Olímpicos, negócio que os
britânicos jamais superariam porque não são capazes, como Mitt disse em Londres
– e fui recebido por, e o que mais seria, uma tempestade de neve, contraparte à
moda Utah da super épica tempestade mãe de todas as tempestades da costa Leste,
o furacão Sandy. Meu Cronistamóvel Errante derrapou mais vezes naquela estrada
que toda a campanha de Romney.
O
paraíso mórmon de Mitt, visto através do ar gelado da noite depois da
tempestade, também parecia imerso numa cortina Nevadesca de sombras – apesar de
a maioria dos locais parecer feliz por a neve ter começado cedo, porque é bom
para o turismo.
Mas
outra tempestade se aproxima – a hora do suspense fiscal, quando os cortes da
era Bush serão passado, dia 1º de janeiro, com a previsível sequência de mais
falta de dinheiro em Washington, novo rebaixamento da qualidade do crédito
norte-americano, pânico nos mercados globais, etc. Exceto pela chegada iminente
dos turistas do ski, não se vê nenhum
sinal de qualquer “retomada” em Salt Lake, mesmo com o preço das casas agora
(relativamente) estáveis e uns poucos novos empregos que aparecem, mês sim, mês
não.
Hoodoo em Moab - Utah |
Parafraseando The Animals, tenho “de dar o fora desse
lugar”
[3]. E dei
– às 5h da manhã, rumo sul, para um anfiteatro natural que começou há 200
milhões de anos, quando a crosta terrestre rachava em Nevada; então, há 50
milhões de anos, sedimentos erodidos das montanhas de Utah, a noroeste,
depositaram-se num lago, derreteram e em seguida incharam, para serem
re-erodidos em hoodoos [4].
Bem-vindos a Bryce Canyon, o qual –
tecnicamente – não é canyon, porque os canyons são escavados por
água corrente, e Bryce foi esculpido,
de fato, pelo congelamento e expansão da água.
E
então, infalível, inexorável, eu vi: o sonho chinês, não o sonho americano,
examinando meticulosamente os hoodoos da Claron Formation. Impossível não
reconhecer o sotaque cantonês. O diálogo era inevitável. “Guangzhou?” Resposta: “Guangzhou. E você?” Resposta: Hong Kong.
Somos vizinhos.
Fiquei
sabendo pela Lady do Cantão que se tratava de expedição completa,
patrocinada pelo governo local, só de alguns poucos notáveis, todos armados com
o melhor equipamento fotográfico encontrável no planeta, inclusive uma fabulosa
Shen Hao HZX-45 II made-in-Shanghai – câmera fotográfica que imprime
negativos de grande formato em chapa de vidro. Estavam acampados ali desde as
5h30 da madrugada, à espera do nascer do sol.
Hoodoo em Bryce Canyon |
Eis
aí portanto resposta fotografada à declaração de guerra de Mitt – monetária e
comercial – à China, a começar no primeiro dia de sua possível presidência. Os
chineses trapaceiam. Vão levar o Bryce
Canyon, depois Utah, depois o resto e é preciso combatê-los. Claro que o que
estão fazendo não é nada disso, é diferente. Enquanto o Ocidente vive obcecado
com o que seja “de época” – pelo menos os relativamente raros ocidentais que
ainda têm dinheiro para comprar – a China está recuperando a excelência da
manufatura ocidental para, chegando o momento, vender tudo de volta ao Ocidente.
Os
colonos mórmons chegaram a essa região nos anos 1870s. No Livro do
Mórmon, publicado em 1830, Deus – que talvez sim, talvez não, deu a partida
para a criação de Bryce Canyon há 200
milhões de anos – revelou a Joseph Smith, fundador da religião, que os índios
norte-americanos eram a tribo perdida de Israel. Haviam dado ali, vindos da
Palestina, apenas 600 anos antes da revelação a Smith. Mas descuidaram da
verdadeira religião. Smith acreditou que os índios norte-americanos – que chamou
de Lamanitas – foram por isso amaldiçoados com uma pele escura. Se ouvissem a
palavra de Deus e se tornassem mórmons, a pele deles se tornaria “branca e
adorável”. E todos os pecados lhes seriam perdoados.
Caminhei
pela alça [trilha] Navajo, deixei Bryce, a caminho para a porção norte do
Grand Canyon e – claro, o que mais
seria? – para um por-de-sol deslumbrante. Queria encontrar um Navajo ou um Hopi,
por ali, para testar a hipótese de Smith e fazer-lhe a derradeira pergunta: como
avaliam as consequências de Mitt, o Mórmon, tornar-se o próximo POTUS
(President of the United States)? Mas, como já acontece com nossos amigos
de Guangzhou, nem é preciso perguntar coisa alguma: os chineses vão, mesmo,
tomar conta de tudo.
Notas de
tradução
[1] Pode ser assistido e ouvido a
seguir:
Letra (mal) traduzida em: Pain In My Heart
[2] Pode ser ouvido a seguir com Bob
Dylan:
Letra (mal) traduzida em Desolation
Row.
[3] The Animals/1965. Podem ser
vistos/ouvidos a seguir:
[4] Hoodoo é o tipo de
formação geológica da região.
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