9/10/2012, Farooque
Chowdhury, Countercurrents.org
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu
Farooque Chowdhury |
Frustrando
as expectativas do status quo e para desmentir desejos travestidos de
pesquisas eleitorais, o presidente Hugo Chávez da Venezuela foi eleito para seu
quarto mandato presidencial. É a vitória dos mais pobres. Seu próximo mandato,
de seis anos, se iniciará dia 10 de janeiro de 2013, como o povo mais pobre
esperava e conseguiu: a revolução bolivariana, como diz Chávez, poderá
prosseguir.
“A
revolução triunfou” – disse Chávez aos cidadãos em festa, falando da “Sacada do
Povo”, uma das sacadas do palácio presidencial de Miraflores, na capital da
Venezuela, Caracas. “A Venezuela continuará sua marcha rumo ao socialismo
democrático do século 21. Viva Venezuela! Viva a terra-mãe! A batalha foi
perfeita e a vitória foi perfeita”.
Da
Argentina, a presidente Cristina Fernandez de
Kirchner tuitou: “Sua vitória é nossa vitória! E é a vitória da América Latina e
Caribe!”.
Presidente Hugo Chávez Frias |
Dos
votos dos 81% dos eleitores que compareceram às urnas, Chávez obteve mais de
54%; o adversário, Henrique Capriles ficou nos 45%. Capriles, que encabeçou uma
coalizão de cerca de 30 partidos da oposição a Chávez, e que representava os
interesses dos mais ricos, admitiu a derrota. Capriles e os seus são amigos do
império e inimigos de Cuba.
A
informação contida nos quatro parágrafos acima dá, em resumo, uma perspectiva
para examinar a vitória eleitoral na Venezuela, antiga república que luta agora
para construir uma nova sociedade, baseada na igualdade, na justa distribuição
da riqueza, na dignidade e na fraternidade, e que se opõe declaradamente ao
império mais pesadamente armado que a humanidade jamais conheceu – os EUA. Há
luta dentro do país e no front externo. A perspectiva não admite qualquer
confusão sobre o tom da política e dos debates políticos na Venezuela.
Henrique Capriles |
A
grande esperança do “outro lado” era que Capriles, candidato do partido
Primero Justicia [Justiça Primeiro], derrotasse Chávez agora, em momento
em que o país sofre sob o peso de moeda sobrevalorizada, baixo crescimento
industrial, infraestrutura sucateada, alta taxa de criminalidade, corrupção e
baixa eficácia da administração.
O
petróleo é responsável por mais de 90% das divisas que o país recebe, e ainda é
preciso diversificar a economia. A inflação, na 5ª maior economia
latino-americana, é, esse ano, de 20%. “Inflação e gastos do estado sempre
crescentes – combinados a controles sobre a moeda e o capital – geraram déficit
fiscal também crescente” – informava Consensus Economics, organização de
pesquisas. “O governo depende cada dia mais de dinheiro do exterior para
financiar-se”.
O
Banco de Desenvolvimento da China, informa a agência de notícias Bloomberg,
emprestou à Venezuela, nos últimos cinco anos, $42,5 bilhões.
Arturo
Franco, do Centro para o Desenvolvimento Internacional da Harvard
University, cita a Venezuela como “o pior desempenho do PIB per
capita”.
E
inúmeras outras estatísticas podem ser facilmente encontradas e repetidas, à
guisa de prova do péssimo desempenho do estado que Chávez governa e para cujo
governo, contudo, já foi eleito quatro vezes.
Durante
a campanha eleitoral, Capriles, herdeiro de família milionária, opôs-se a todos
os processos de nacionalização/estatização de empresas. Seu argumento é que a
nacionalização desestimula os investidores. Dentre seus outros argumentos contra
Chávez listam-se acusações de fazer governo autocrático, de dificultar a vida do
setor privado, de estimular o governo a envolver-se na economia, o que traria
prejuízos ao setor privado, de ser responsável pelo aumento da criminalidade e
pelos “apagões” no fornecimento de energia elétrica. E também falou de
“escândalos” que são denunciados sazonalmente.
A
linha da crítica e o principal argumento da oposição a Chávez são claros: a
oposição fala a língua do neoliberalismo, para cujos pregadores qualquer ação de
interesse social é “assistencialista”, é “enganar os pobres com esmolas”,
enquanto a ganância, a crueldade do capital que vive de caçar e acumular lucros,
é apresentada como progressista, moderna, evoluída. Para os venezuelanos mais
pobres, Capriles é agente da oligarquia e dos EUA.
Chávez e Capriles |
Mas,
se se examina com olhos mais atentos o desempenho do governo Chávez, é possível
ver, bem clara, a divisão entre diferentes interesses de classe: a pobreza
diminuiu, os indicadores de saúde pública melhoraram, criaram-se milhares de
empregos no setor estatal em expansão. Está em andamento um programa nacional de
moradia que já deu casa nova a milhares de famílias. Bilhões de dólares foram
direcionados para as misiones – programas sociais participativos para os
mais pobres: saúde, educação, lojas de alimentos subsidiados, transporte,
cooperativas. Hoje, com a desigualdade diminuindo gradualmente, todos os
cidadãos têm acesso a fatia mais igualitária do bolo. A Venezuela tem hoje a
distribuição de renda menos desigual na região.
Chávez
se apresenta como inimigo da riqueza para poucos, pelos pobres, diz sempre
somos la mayoría [somos a maioria], nacionalizou indústrias estratégicas
e expropriou milhões de hectares de terras deixadas sem produzir, das quais os
ricos serviam-se com o único objetivo de lucrar com a especulação. A
Constituição, redigida durante seu governo e referendada pela população, combate
a exclusão social e estimula a participação popular, a transparência e o
controle público dos gastos do governo.
Chávez
apresenta-se como socialista e fez campanha sob o slogan “Chávez es el pueblo” [Chávez é o
povo]; está cada dia mais perto do povo e mais afastado das elites. Seus
adversários o chamavam de “macaco”. Os venezuelanos ricos estão furiosos e fazem
oposição obcecada.
Antes
de Chávez, dois partidos políticos alternavam-se pacificamente no poder. A
pobreza e a corrupção avançavam, profundas e incontroladas. Reinava uma
plutocracia estável. Na contra mão do sistema de corrupção oficial e da riqueza
do petróleo dirigida exclusivamente para enriquecer cada vez mais a elite governante, Chávez
prometeu políticas sociais e atenção aos mais pobres. Hoje, faz planos para
construir mais 3 milhões de casas até 2018 para os venezuelanos de mais baixa
renda.
Capriles
não se atreveu a antagonizar os mais pobres. Teve de dizer, durante a campanha,
que não “desnacionalizaria” ou que não “reprivatizaria” o que o governo Chávez
nacionalizou. Elogiou, mesmo, vários dos programas sociais iniciados pelo
governo Chávez. Teve de prometer que, se eleito, manteria os programas de
construção de clínicas e escolas públicas para os mais pobres.
O
cenário está assim, preparado: os mais pobres aprenderam a ter e a desejar vida
melhor, ao mesmo tempo em que aprenderam a desprezar o comportamento predatório,
de desperdício, dos mais ricos. Num país claramente dividido entre muito ricos e
muito pobres, cada grupo
com seu projeto político, a palavra de Chávez contra os ricos é
bem conhecida: “oligarcas predadores”, “elites apodrecidas”, “porcos vorazes”,
“vampiros”, que saquearam a riqueza do petróleo, “servos corruptos do capital
internacional”, que vivem “enjaulados nas suas mansões, em orgias, bebendo
uísque”.
À
oposição restou um discurso contraditório: por um lado criticam os programas
sociais do chavismo; por outro criticam Chávez por não ter feito mais.
Com sua petrodiplomacia, o
programa PetroCaribe, sempre bem próximo de Cuba, organizando e animando a
Aliança Bolivariana das Américas (ALBA), ajudando países vizinhos com
empréstimos, Chávez assume um papel de liderança num projeto de solidariedade
internacional e regional, de cooperação e de fraternidade entre os países. Nada
que o qualifique para qualquer posição de destaque na parte do mundo que pratica
a “Doutrina do Choque” ou o “Capitalismo de Catástrofe”.
Não
é tarefa simples fazer girar em nova direção a máquina viciosa dos velhos
estados oligárquicos e pô-la em nova trilha socioeconômica e política. Todas as
peças da velha máquina são velhas. A transformação tem de ser gradual. Há
inúmeras limitações muito reais. E há também as limitações ativas dentro das
forças sociais que sonham com mudanças. Chávez está operando dentro dessas
limitações.
Seria
utopia esperar uma Venezuela sem corrupção, da noite para o dia. Uma comparação
ajuda a ver: nos EUA também somem bilhões de dólares, dinheiro que desaparece
sem deixar rastro, em dois fronts de
guerra. Nada faz crer que a corrupção na Venezuela tenha alcançado patamar
comparável.
Em
muitos países do mundo a corrupção foi o estado normal das coisas por décadas –
na Tunísia de Ben Ali ou no Egito de Mubarak e em tantos outros países que nem é
preciso listar.
Há
a corrupção dos especuladores, das agências de risco, dos institutos de
pesquisa, dos bancos. A corrupção na “grande finança”, que o mundo começa a
conhecer hoje, na chamada “Grande Crise Financeira”, é certamente maior que a
corrupção que haja na Venezuela e contra a qual o governo Chávez trabalha
incansavelmente.
Nada
faz crer que a “eficiência” dos bancos ou dos especuladores imobiliários que
hoje mal começamos a conseguir identificar (e em todos os pontos onde há o que
já se sabe que há sabe-se também que há muito mais), e, isso, no coração do
sistema financeiro planetário, seja menos corrupção que a corrupção contra a
qual o governo de Chávez luta. E nem todos os grandes estados, mais próximos do
coração do sistema financeiro planetários lutam contra a corrupção como a
Venezuela de Chávez luta.
Comparem-se,
por exemplo, os cortes de energia, “os apagões” na Venezuela, e o número de
escolas públicas que estão sendo fechadas nos EUA, com os professores
desempregados ou subassalariados em tantos lugares do mundo rico, nas sociedades
de capitalismo avançado, e o número de novas escolas públicas que estão sendo
construídas na Venezuela, para dar educação aos venezuelanos mais pobres que
nunca, antes, tiveram escola.
Ou
comparem-se o número de famílias sem casa, que perderam a propriedade da casa
para bancos credores das hipotecas podres nos EUA, e o número de novas casas que
estão sendo construídas na Venezuela.
A
comparação é eloquente, mas não o bastante para desviar a elite venezuelana da
luta que, para ela, é ideia fixa: desqualificar sempre, sempre, qualquer esforço
que os mais pobres tentem para buscar vida mais digna, mais decente.
Não
há mentira alguma em dizer que “Chávez es el pueblo”, Chávez é o povo. Na
Venezuela parece ser, sim, o povo que se cansou de mentiras, desigualdade,
injustiça, desperdício, ostentação, corrupção que só incomoda os ricos se mexer
no bolso dos ricos, mas que nunca incomodou nenhum rico, enquanto só feriu os
mais pobres. Chávez inspira esses mais pobres. E os mais pobres o
reelegeram.
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