sexta-feira, 12 de outubro de 2012

Chávez é o povo, o povo o elege, o povo vence


9/10/2012, Farooque Chowdhury, Countercurrents.org
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu

Farooque Chowdhury
Frustrando as expectativas do status quo e para desmentir desejos travestidos de pesquisas eleitorais, o presidente Hugo Chávez da Venezuela foi eleito para seu quarto mandato presidencial. É a vitória dos mais pobres. Seu próximo mandato, de seis anos, se iniciará dia 10 de janeiro de 2013, como o povo mais pobre esperava e conseguiu: a revolução bolivariana, como diz Chávez, poderá prosseguir.

“A revolução triunfou” – disse Chávez aos cidadãos em festa, falando da “Sacada do Povo”, uma das sacadas do palácio presidencial de Miraflores, na capital da Venezuela, Caracas. “A Venezuela continuará sua marcha rumo ao socialismo democrático do século 21. Viva Venezuela! Viva a terra-mãe! A batalha foi perfeita e a vitória foi perfeita”.

Da Argentina, a presidente Cristina Fernandez de Kirchner tuitou: “Sua vitória é nossa vitória! E é a vitória da América Latina e Caribe!”.

Presidente Hugo Chávez Frias
Dos votos dos 81% dos eleitores que compareceram às urnas, Chávez obteve mais de 54%; o adversário, Henrique Capriles ficou nos 45%. Capriles, que encabeçou uma coalizão de cerca de 30 partidos da oposição a Chávez, e que representava os interesses dos mais ricos, admitiu a derrota. Capriles e os seus são amigos do império e inimigos de Cuba.

A informação contida nos quatro parágrafos acima dá, em resumo, uma perspectiva para examinar a vitória eleitoral na Venezuela, antiga república que luta agora para construir uma nova sociedade, baseada na igualdade, na justa distribuição da riqueza, na dignidade e na fraternidade, e que se opõe declaradamente ao império mais pesadamente armado que a humanidade jamais conheceu – os EUA. Há luta dentro do país e no front externo. A perspectiva não admite qualquer confusão sobre o tom da política e dos debates políticos na Venezuela.

Henrique Capriles
A grande esperança do “outro lado” era que Capriles, candidato do partido Primero Justicia [Justiça Primeiro], derrotasse Chávez agora, em momento em que o país sofre sob o peso de moeda sobrevalorizada, baixo crescimento industrial, infraestrutura sucateada, alta taxa de criminalidade, corrupção e baixa eficácia da administração.

O petróleo é responsável por mais de 90% das divisas que o país recebe, e ainda é preciso diversificar a economia. A inflação, na 5ª maior economia latino-americana, é, esse ano, de 20%. “Inflação e gastos do estado sempre crescentes – combinados a controles sobre a moeda e o capital – geraram déficit fiscal também crescente” – informava Consensus Economics, organização de pesquisas. “O governo depende cada dia mais de dinheiro do exterior para financiar-se”.

O Banco de Desenvolvimento da China, informa a agência de notícias Bloomberg, emprestou à Venezuela, nos últimos cinco anos, $42,5 bilhões.

Arturo Franco, do Centro para o Desenvolvimento Internacional da Harvard University, cita a Venezuela como “o pior desempenho do PIB per capita”.

E inúmeras outras estatísticas podem ser facilmente encontradas e repetidas, à guisa de prova do péssimo desempenho do estado que Chávez governa e para cujo governo, contudo, já foi eleito quatro vezes.

Durante a campanha eleitoral, Capriles, herdeiro de família milionária, opôs-se a todos os processos de nacionalização/estatização de empresas. Seu argumento é que a nacionalização desestimula os investidores. Dentre seus outros argumentos contra Chávez listam-se acusações de fazer governo autocrático, de dificultar a vida do setor privado, de estimular o governo a envolver-se na economia, o que traria prejuízos ao setor privado, de ser responsável pelo aumento da criminalidade e pelos “apagões” no fornecimento de energia elétrica. E também falou de “escândalos” que são denunciados sazonalmente.

A linha da crítica e o principal argumento da oposição a Chávez são claros: a oposição fala a língua do neoliberalismo, para cujos pregadores qualquer ação de interesse social é “assistencialista”, é “enganar os pobres com esmolas”, enquanto a ganância, a crueldade do capital que vive de caçar e acumular lucros, é apresentada como progressista, moderna, evoluída. Para os venezuelanos mais pobres, Capriles é agente da oligarquia e dos EUA.

Chávez e Capriles
Mas, se se examina com olhos mais atentos o desempenho do governo Chávez, é possível ver, bem clara, a divisão entre diferentes interesses de classe: a pobreza diminuiu, os indicadores de saúde pública melhoraram, criaram-se milhares de empregos no setor estatal em expansão. Está em andamento um programa nacional de moradia que já deu casa nova a milhares de famílias. Bilhões de dólares foram direcionados para as misiones – programas sociais participativos para os mais pobres: saúde, educação, lojas de alimentos subsidiados, transporte, cooperativas. Hoje, com a desigualdade diminuindo gradualmente, todos os cidadãos têm acesso a fatia mais igualitária do bolo. A Venezuela tem hoje a distribuição de renda menos desigual na região.

Chávez se apresenta como inimigo da riqueza para poucos, pelos pobres, diz sempre somos la mayoría [somos a maioria], nacionalizou indústrias estratégicas e expropriou milhões de hectares de terras deixadas sem produzir, das quais os ricos serviam-se com o único objetivo de lucrar com a especulação. A Constituição, redigida durante seu governo e referendada pela população, combate a exclusão social e estimula a participação popular, a transparência e o controle público dos gastos do governo.

Chávez apresenta-se como socialista e fez campanha sob o slogan “Chávez es el pueblo” [Chávez é o povo]; está cada dia mais perto do povo e mais afastado das elites. Seus adversários o chamavam de “macaco”. Os venezuelanos ricos estão furiosos e fazem oposição obcecada.

Antes de Chávez, dois partidos políticos alternavam-se pacificamente no poder. A pobreza e a corrupção avançavam, profundas e incontroladas. Reinava uma plutocracia estável. Na contra mão do sistema de corrupção oficial e da riqueza do petróleo dirigida exclusivamente para enriquecer  cada vez mais a elite governante, Chávez prometeu políticas sociais e atenção aos mais pobres. Hoje, faz planos para construir mais 3 milhões de casas até 2018 para os venezuelanos de mais baixa renda.

Capriles não se atreveu a antagonizar os mais pobres. Teve de dizer, durante a campanha, que não “desnacionalizaria” ou que não “reprivatizaria” o que o governo Chávez nacionalizou. Elogiou, mesmo, vários dos programas sociais iniciados pelo governo Chávez. Teve de prometer que, se eleito, manteria os programas de construção de clínicas e escolas públicas para os mais pobres.

O cenário está assim, preparado: os mais pobres aprenderam a ter e a desejar vida melhor, ao mesmo tempo em que aprenderam a desprezar o comportamento predatório, de desperdício, dos mais ricos. Num país claramente dividido entre muito ricos e muito pobres, cada grupo com seu projeto político, a palavra de Chávez contra os ricos é bem conhecida: “oligarcas predadores”, “elites apodrecidas”, “porcos vorazes”, “vampiros”, que saquearam a riqueza do petróleo, “servos corruptos do capital internacional”, que vivem “enjaulados nas suas mansões, em orgias, bebendo uísque”.

À oposição restou um discurso contraditório: por um lado criticam os programas sociais do chavismo; por outro criticam Chávez por não ter feito mais.

Com sua petrodiplomacia, o programa PetroCaribe, sempre bem próximo de Cuba, organizando e animando a Aliança Bolivariana das Américas (ALBA), ajudando países vizinhos com empréstimos, Chávez assume um papel de liderança num projeto de solidariedade internacional e regional, de cooperação e de fraternidade entre os países. Nada que o qualifique para qualquer posição de destaque na parte do mundo que pratica a Doutrina do Choque ou o Capitalismo de Catástrofe.

Não é tarefa simples fazer girar em nova direção a máquina viciosa dos velhos estados oligárquicos e pô-la em nova trilha socioeconômica e política. Todas as peças da velha máquina são velhas. A transformação tem de ser gradual. Há inúmeras limitações muito reais. E há também as limitações ativas dentro das forças sociais que sonham com mudanças. Chávez está operando dentro dessas limitações.

Seria utopia esperar uma Venezuela sem corrupção, da noite para o dia. Uma comparação ajuda a ver: nos EUA também somem bilhões de dólares, dinheiro que desaparece sem deixar rastro, em dois fronts de guerra. Nada faz crer que a corrupção na Venezuela tenha alcançado patamar comparável.

Em muitos países do mundo a corrupção foi o estado normal das coisas por décadas – na Tunísia de Ben Ali ou no Egito de Mubarak e em tantos outros países que nem é preciso listar.

Há a corrupção dos especuladores, das agências de risco, dos institutos de pesquisa, dos bancos. A corrupção na “grande finança”, que o mundo começa a conhecer hoje, na chamada “Grande Crise Financeira”, é certamente maior que a corrupção que haja na Venezuela e contra a qual o governo Chávez trabalha incansavelmente.

Nada faz crer que a “eficiência” dos bancos ou dos especuladores imobiliários que hoje mal começamos a conseguir identificar (e em todos os pontos onde há o que já se sabe que há sabe-se também que há muito mais), e, isso, no coração do sistema financeiro planetário, seja menos corrupção que a corrupção contra a qual o governo de Chávez luta. E nem todos os grandes estados, mais próximos do coração do sistema financeiro planetários lutam contra a corrupção como a Venezuela de Chávez luta.

Comparem-se, por exemplo, os cortes de energia, “os apagões” na Venezuela, e o número de escolas públicas que estão sendo fechadas nos EUA, com os professores desempregados ou subassalariados em tantos lugares do mundo rico, nas sociedades de capitalismo avançado, e o número de novas escolas públicas que estão sendo construídas na Venezuela, para dar educação aos venezuelanos mais pobres que nunca, antes, tiveram escola.

Ou comparem-se o número de famílias sem casa, que perderam a propriedade da casa para bancos credores das hipotecas podres nos EUA, e o número de novas casas que estão sendo construídas na Venezuela.

A comparação é eloquente, mas não o bastante para desviar a elite venezuelana da luta que, para ela, é ideia fixa: desqualificar sempre, sempre, qualquer esforço que os mais pobres tentem para buscar vida mais digna, mais decente. 

Não há mentira alguma em dizer que “Chávez es el pueblo”, Chávez é o povo. Na Venezuela parece ser, sim, o povo que se cansou de mentiras, desigualdade, injustiça, desperdício, ostentação, corrupção que só incomoda os ricos se mexer no bolso dos ricos, mas que nunca incomodou nenhum rico, enquanto só feriu os mais pobres. Chávez inspira esses mais pobres. E os mais pobres o reelegeram.

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