8/10/2012, Pepe Escobar, Al-Jazeera,
“Opinion”
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu
Pepe Escobar |
Buenos
Aires, Argentina. Ele
conseguiu. Pela quarta vez. Na 14ª eleição em 13 anos, Hugo Chávez Frias – o
chefe de estado do mundo atlântico que a direita mundial mais ama odiar – foi
reeleito presidente em eleições justas e limpas, absolutamente transparentes,
monitoradas por agências oficiais de todo o planeta, da ONU e União Europeia, à
Organização dos Estados Americanos (OEA).
Disputaram-se
duas eleições ali. Numa, Chávez disputava a presidência contra um neoliberal de
direita, democrata reconvertido, Henrique Capriles Radonski – advogado
representante da classe compradora venezuelana aliada ao Consenso de
Washington. Na outra eleição, a integração latino-americana progressista
disputava eleições contra o desejo do Grande Irmão de ter na Venezuela um
estado-cliente obediente.
De acordo com pesquisa do
Instituto Gallup em |
Chávez
venceu, em primeiro lugar, porque o projeto bolivariano tem a seu favor os
números. Os anos de chavismo – apesar
dos erros e do desbragado culto personalista – recuperou a soberania nacional
venezuelana, redistribuindo riqueza na direção dos excluídos e dos serviços
públicos, mediante missões sociais e salário mínimo decente. Pode-se chamar,
como Chávez chama, de “socialismo para o século 21” . Em termos latino-americanos, é
caminho que com certeza leva rumo a sociedade mais igualitária.
No
processo de campanha, Chávez acertou ao dar destaque à figura de Guacaipuro –
líder indígena que comandou as tribos Teque e Caracas na luta contra a
colonização espanhola – como principal símbolo da resistência venezuelana.
“Somos todos Guacaipuro” era grito que ressoava – com ênfase nas raízes
“aborígenes, indígenas e na resistência negra, empurrando adiante a luta dos
oprimidos”.
Nada
de trocar analfabetismo por petróleo
Os
fatos são muito eloquentes. A Venezuela possuiu reservas de petróleo hoje
reconhecidas como as maiores do planeta – maiores, até, que as da Arábia
Saudita. Mas até recentemente, era um Santo Graal de energia controlada pela
pequena elite arrogante e rapinante de sempre, do qual as massas não extraíam
nem educação decente, nem moradia decente, nem salário decente.
A
história do chavismo é uma história de como horizontalizar progressivamente uma
sociedade vertical. O chavismo canaliza nada menos que 43% do orçamento do
estado para um vasto leque de políticas sociais.
O
desemprego caiu, de mais de 20% para menos de 7%. Em dez anos foram construídas
nada menos que 22 universidade públicas. O número de professores passou, de 65
mil para 350 mil. O analfabetismo foi erradicado. Está em curso uma reforma
agrária – sonho, em quase todas as latitudes sul-americanas.
A
classe governante, obviamente, não está gostando – como tampouco está gostando
no Brasil, na Argentina ou Bolívia (no Paraguai já deram jeito, até, de
organizar um “golpe constitucional” para depor governo democrático legítimo). Na
Venezuela, há dez anos, a classe então governante também tentou um golpe – com o
apoio da imprensa-empresa – mas durou só miseráveis três dias. As massas
decidiram que “No Pasaran”.
O
candidato derrotado, Henrique Capriles Radonski, por falar em golpe, é uma
espécie de democrata morto e ressuscitado, que esteve diretamente envolvido no
golpe de abril de 2002; amargou até cadeia, por isso.
Venezuela
tem o melhor “coeficiente de Gini” – o que significa dizer que é o país menos
desigual – de todo o continente latino-americano. No relatório de janeiro de
2012, a
Comissão Econômica para América Latina e Caribe (conhecida pela sigla
em espanho,
CEPAL ) diz que Venezuela e Equador, entre 1996 e 2010, foram os
países campeões na redução da pobreza nas Américas.
Simultaneamente, americanos dos
EUA talvez achem engraçado, mas o Instituto Gallup classificou a Venezuela como
“a 5ª nação mais feliz do mundo” [1].
Vamos bailar a salsa?
Por mais que a imprensa-empresa
nos EUA, na Europa Ocidental e na América do Sul insista em repetir histórias de
venezuelanos que sonhariam com o exílio e com viver a bebericar martinis em
Miami, fato é que legiões de jovens espanhóis, já sem futuro na Europa, estão
desembarcando na Venezuela, onde encontram emprego. [2]
[SP].
A demonização de Chávez, na
imprensa-empresa é piada patética – como nas páginas e páginas que se publicaram
sobre sua doença e a morte iminente, repetidamente, praticamente todos os
dias.
[3]
Nenhuma empresa-imprensa consegue admitir que o câncer de Chávez foi tratado com
sucesso por médicos cubanos.
A
causa-chave para a ação dessa indústria de demonização é que Chávez recusa-se a
alinhar-se com os projetos geopolíticos de Washington. Mantém relações
complexas, muito próximas, com líderes chineses (processo que inclui, em futuro
próximo, o fornecimento de um milhão de barris/dia de petróleo à China); defende
o direito do Irã a ter programa nuclear para finalidades civis; apoiou Gaddafi
sempre, até o fim, contra o que via como guerra ilegal da OTAN contra a Líbia;
apoia o governo sírio contra o que identifica como terroristas
jihadistas-salafistas que querem depô-lo; e é fonte inexaurível de inspiração
em toda a América
Latina – da Bolívia e Equador à Nicarágua.
Estão
abertas as apostas sobre se Obama 2.0 – para não falar de uma ainda remota
possibilidade de Romney ser eleito – “endurecerá”, ou se tentará “engajar” a
Venezuela mediante processo democrático, em condições de respeito mútuo.
O
chavismo encontra o lulismo
Em
2012, a
Venezuela crescerá 5% – bem mais que Argentina (2%) e Brasil (1,5%). É economia
parcialmente socializada, que está produzindo mais empregos, mais crédito, mais
investimento estatal – e o resultado é sólido crescimento econômico.
Internamente, a luta de classes
não sumirá por passe de mágica. Os mais pobres se firmarão no novo status, pelo menos de classe média
baixa. Quanto à emergente classe média e os ricos, buscarão consumo e mais
consumo. O único câncer que ainda ameaça o chavismo é a ineficiência da
administração pública combinada à corrupção; essa a grande batalha ainda a ser
vencida. Como argumenta James Petras [4]
[SP], a chave para o sucesso crescente das políticas sociais de Chávez é
conseguir diminuir a corrupção na política e na administração locais.
A
vitória de Chávez também é alvissareira em termos de integração da América
Latina. A Venezuela já é membro do MERCOSUL. Com maior integração econômica,
virá também maior integração política, via a UNASUL – a aliança dos países
sul-americanos.
A
América do Sul está envolvida em ampla discussão sobre a emergência de um
inevitável consenso pós-Washington. Há duas escolas em campo: o chavismo e o que tem sido descrito como
“o consenso de Brasília”.
Chile,
Colômbia e Uruguai podem ser classificados como seguidores do “consenso de
Brasília” – e até o Peru do presidente Ollanta Humala. O “consenso de Brasília”,
obviamente, é sinônimo de “lulismo” – expressão criada a partir do nome do
ex-presidente Luis Inácio Lula da Silva, imensamente popular, que até Obama
admitiu que “é o cara”.
O
chavismo é popular na Bolívia e no Equador. E há os híbridos – como Argentina e
Paraguai antes do golpe contra Fernando Lugo.
Mas,
na essência, as diferenças são pequenas, relativas ao grau de socialização da
economia e à construção de política exterior independente. O modelo básico é
partilhado por todos – com ênfase no crescimento econômico, igualdade social,
democracia real e integração progressiva.
Um
chavismo menos personalizado, mais
moderado, fará maravilhas com vistas à integração latino-americana. Mas ainda há
imensos obstáculos a vencer – como o golpe no Paraguai, o golpe em Honduras, a
manipulação de discursos ecologistas para desestabilizar a Bolívia e a perene
obsessão de Washington com demonizar Chávez.
E
há também algo que a imensa maioria dos latino-americanos nunca esquece: a 4ª
Frota dos EUA – ressuscitada em 2008 no governo de George “Dubya” Bush – observa
de perto.
Notas de
rodapé
[1] Mulher caminha em frente a um
mural representando o presidente da Venezuela, Hugo Chávez, o líder cubano Fidel
Castro, em Caracas, em março de 2012. Sessenta e quatro por cento dos residentes
do país viu prosperidade no governo Chávez. Foto:
Leo Ramirez/Agence France-Presse via Getty Images .
[2] 6/10/2012, Publico.es, Pascual Serrano em: “Por
qué no entendemos a Chávez”
[3] No Brasil, por exemplo, Merval
Pereira, folclórico colunista do jornal O Globo e da Rede Globo de Televisão,
escreveu, dia 16/2/2012:
A saúde do presidente Hugo Chávez,
da Venezuela, pode afetar a eleição presidencial. Os últimos exames, analisados
por médicos brasileiros, indicam que o câncer está em processo de metástase, se
alastrando em direção ao fígado, deixando pouca margem a uma recuperação.
Como a eleição presidencial se
realiza dentro de 8 meses, a 7 de outubro, dificilmente o presidente venezuelano
estaria em condições de fazer uma campanha eleitoral que exigirá muito esforço
físico, pois a oposição já tem em Henrique Capriles um candidato de união.
O ex-embaixador dos Estados Unidos na OEA, Roger
Noriega, invocando informações de dentro do governo venezuelano, escreveu artigo
recentemente no portal de internet da InterAmerican Security Watch intitulado “A
Grande mentira de Hugo Chávez e a Grande Apatia de Washington”. Nesse artigo ele
dizia que o câncer está se propagando mais rapidamente do que o esperado e
poderia causar-lhe a morte antes mesmo das eleições presidenciais
(“Quadro
Grave”, Merval Pereira, O Globo, 16/2/2012). [NT]
[4] 7/10/2012, Rebelión, James Petras (trad. de Paco Muñoz de
Bustillo) em: “Elecciones venezolanas: Una
auténtica elección”.
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