Ilustrações – redecastorphoto
A Globo mentiu. O mundo não parou por causa do último capítulo da novela de João Emanuel Carneiro. O Jornal da Globo da noite de sexta-feira exibiu um mapa mundi onde destacava os principais países dos quatro continentes e dava a entender que estavam todos ligados no final do folhetim.
Prestem atenção que o Jornal
da Globo não afirmou que todo mundo estava assistindo o final da novela, o
jornal “deu a entender”, o que é muito pior porque se trata de uma mentira
velada. Da mesma forma, o mesmo telejornal mostrou cenas de ruas vazias nas
principais cidades brasileiras, todas as classes sociais diante da TV e até os
índios de uma longínqua tribo amazônica ansiosos para saber quem matou Max.
Enfim, segundo a Globo o mundo parou por causa dela..
Discutir a qualidade técnica e
artística das produções da Rede Globo é chover no molhado. Mas não é isto que
está em discussão, mas sim o que a Globo faz com a sua excelência de qualidade.
Ela manipula, distorce, finge, mente e se apropria da opinião pública impingindo
modas, modelos, conceitos, atitudes e comportamentos.
Todo mundo sabe o peso que a Globo
teve na eleição de Fernando Collor. O editor-chefe de jornalismo da Rede,
Evandro Carlos de Andrade, editou pessoalmente o debate entre Collor e Lula,
fazendo parecer que Collor havia ganho o debate, o que não era verdade, uma
vergonha para a história do jornalismo brasileiro. Evandro morreu em desgraça em
2001.
A novela “Avenida Brasil” ,
como quase tudo que a Globo faz, foi muito bem produzida e escrita rigorosamente
dentro das orientações ditadas pelas pesquisas. Cada capítulo foi escrito
conforme a direção que o público apontava, não foi simplesmente um exercício de
criatividade do fértil novelista, mas sim a aplicação sistemática dos ditames do
gosto popular.
O autor utilizou com maestria
todos os arquétipos da nova classe média brasileira, apostando no estresse do
ritmo alucinante alimentado por bate-bocas, brigas, baixarias, exacerbação de
instintos primários, valores equivocados, sexo, chantagens, intrigas, crimes e
vilanidades em geral. No final, apelou para o lugar comum, realizando a catarse
da redenção do pecador, Carmem Lúcia se redime, uns vão para a cadeia e outros
para o céu como se na Terra tudo fosse divino.
João Emanuel Carneiro é
competente. Sua novela “A Favorita”, de 2008, atingiu 55 pontos de audiência e
tinha no elenco Cláudia Raia, Patrícia Pillar e Murilo Benício, o mesmo que
interpretou o corno-manso Tufão de “Avenida Brasil” novela que agora conseguiu
51 pontos, enquanto a Record e o SBT, juntos, tiveram 5 pontos, um massacre de
audiência.
A competência da Globo e a inépcia
dos governos permitiram que ela exercesse uma liderança tão absoluta quanto
perigosa. Em lugar nenhum do mundo os governos admitem que emissoras privadas de
televisão transmitam programação em rede 24 horas por dia, todas são obrigados a
ter horários específicos para programação local, fortalecendo os mercados
regionais e diluindo o poder e controle das grandes redes.
Todos os países tem suas regras,
televisão é uma concessão pública e, por isso, tem compromissos e obrigações, o
que não ocorre no Brasil onde as redes operam da maneira que acham melhor e mais
lucrativa. O segmento espacial onde transitam os sinais da televisão são
propriedade do governo, propriedade da nação, propriedade do
povo.
Fui diretor de uma das empresas da
Rede Globo e saí de Aracaju para ser um dos fundadores da TV Brasil no Rio de
Janeiro, sempre tive uma preocupação muito especial pelo papel da televisão na
sociedade brasileira. Quando estive na Globo pertenci ao grupo que defendia a
horizontalização da produção, ou seja, implantação do sistema pelo qual
produtora produz e emissora emite.
Esse conceito significa que a
emissora de televisão, como a própria palavra define, deveria emitir
programação, enquanto as produtoras do mercado produziriam os conteúdos, muito
mais democrático, mais econômico e mais diversificado. Esse é o conceito que
rege a maioria das televisões mundiais, que se reservam a produção do
jornalismo, alguns documentários e alguns entretenimentos. Aqui as emissoras
produzem quase cem por cento do que exibem.
O indiscutível sucesso da “Avenida
Brasil” traz novamente ao debate a questão da hegemonia brutal de uma rede de
televisão sobre as outras. O chamado “padrão Globo de qualidade” não é fruto
exclusivo da competência da organização, mas também é resultante das benesses
políticas, financeiras e legais que todos os governos propiciaram a família
Marinho.
A Globo só existe porque a
ditadura militar precisava de uma rede de comunicação de amplitude nacional para
controlar a opinião pública e decidiu favorecer os Marinhos, aliados de primeira
hora através do jornal O Globo, permitindo uma espúria aliança com o grupo
norte-americano Time-Life que injetou, contra a lei, o dinheiro necessário para
a implantação da rede, ao mesmo tempo em que asfixiava os Diários Associados, de
Assis Chateaubriand.
Num momento tão importante para o
Brasil, quando STF toca numa das mais profundas feridas do país; a corrupção,
seria muito oportuno
colocar na agenda nacional a discussão sobre a legislação da concessão dos
serviços de telecomunicações, legislação violentada pelo ex-Ministro das Comunicações
Antônio Carlos Magalhães, que embora a Constituição proíba, concedeu licenças de
radiodifusão para inúmeros políticos que posteriormente foram acusados dos mais
abomináveis crimes de corrupção, na contramão da democratização dos meios de
comunicação no Brasil.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Registre seus comentários com seu nome ou apelido. Não utilize o anonimato. Não serão permitidos comentários com "links" ou que contenham o símbolo @.