Em entrevista concedida ao Clube de Engenharia em 28/4/2013, Adriano Benayon fala sobre a crescente desnacionalização da indústria brasileira |
O
Portal da Engenharia publica, a seguir, entrevista exclusiva com o economista e
diplomata Adriano Benayon, autor de Globalização versus Desenvolvimento, 2ª
edição, da Editora Escrituras/SP. Benayon é consultor em finanças e
em biomassa,
Doutor em Economia pela Universidade de Hamburgo, bacharel em
Direito, pela Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, diplomata de
carreira, com postos na Holanda, Paraguai, Bulgária, Alemanha, Estados Unidos e
México, e delegado do Brasil em reuniões multilaterais nas áreas de Econômica e
Tecnologia. Consultor Legislativo da Câmara dos Deputados e do Senado Federal na
área de economia, professor da Universidade de Brasília (Empresas
Multinacionais; Sistema Financeiro Internacional; Estado e Desenvolvimento no
Brasil). Adriano Benayon tem muito a acrescentar ao movimento nacional que o
Clube de Engenharia fez avançar ao lançar, em 2011, o manifesto em defesa da
engenharia e da empresa brasileira de capital nacional.
_______________________________
Clube
de Engenharia - Qual
processo socioeconômico nos trouxe até o atual quadro de alarmante
desnacionalização? Em que diferimos do resto do mundo? Quais especificidades
fazem o país ser vítima desse processo?
Adriano
Benayon -
Antes de resumir o processo da desnacionalização, falemos da anterior
construção da indústria nacional.
Até
a derrubada de Getúlio Vargas, em 1954, através de um golpe militar orientado
pelos serviços secretos das potências hegemônicas (EUA e Reino Unido), o Brasil
vinha formando, desde os primeiros decênios do século XX, expressiva
industrialização, principalmente no Estado de São Paulo, com empresários
nacionais, boa parte deles imigrantes e seus descendentes. Foi a fase em que a
substituição de importações foi feita principalmente por empresas de capital
nacional.
Para
isso houve uma combinação favorável de fatores:
a)
dificuldades na exportação do café, devidas à depressão mundial dos anos 30, com
desvalorização de nossa moeda;
b)
os
fabulosos recursos naturais do País, inclusive a excelente dotação de terras
férteis, suscitando interação entre a demanda do campo e a dos centros urbanos
com as novas indústrias, não limitada aos bens de consumo;
c)
a
2ª Guerra Mundial, quando exportações foram reativadas, mas houve menos oferta
de produtos estrangeiros;
d)
o crescimento natural da população, incrementado pela entrada de mais
imigrantes, em número mais baixo que o anterior à 1ª Guerra Mundial, mas, com
gente, na média, melhor qualificada, ao aproximar-se a 2ª Guerra e durante ela;
e)
a criação, por Vargas, de serviços e empresas estatais de grande porte em áreas
estratégicas, o controle do subsolo, os institutos de previdência
etc..
O
potencial do País e sua promissora industrialização não eram do agrado das
potências anglo-americanas, as quais, mal terminada a 2ª Guerra Mundial,
promoveram a primeira derrubada de Vargas, em 29.10.1945, embora este já
estivesse por sair, não sendo candidato às eleições de 03.12.1945. Eleito o Mal.
Dutra, apenas pelo apoio de Vargas, que, assim derrotou o Brig. Eduardo Gomes,
candidato de seus opositores, Dutra, ex-simpatizante dos regimes fascistas,
aderiu aos desígnios do império anglo-americano, que usava o anticomunismo como
instrumento para mais facilmente dominar o País.
Ainda
assim, a industrialização nacional, embora prejudicada, de 1946 a 1949, não foi de todo
interrompida, uma vez que, em menos de um ano, a abertura comercial desbragada
levou a enorme desequilíbrio nas contas externas, fazendo que a própria taxa de
câmbio se encarregasse de propiciar alguma proteção à indústria
local.
Getúlio
Vargas, em 1951, retorna à presidência, eleito pelo voto direto do povo, retoma
e amplia medidas tomadas antes de 1945. Vem a criação da Petrobrás (no período
anterior fora a Vale do Rio Doce e a Companhia Siderúrgica Nacional, a Fábrica
Nacional de Motores), o projeto de fundação da Eletrobrás, o BNDES e um sem
número de políticas pró-desenvolvimento preparadas por sua assessoria
financeira, sob a direção de Rômulo de Almeida.
Estava,
portanto, bem encaminhada a plena e verdadeira industrialização do País, pois
somente com predominância de capital nacional e desenvolvimento de tecnologia
dentro das empresas nacionais é viável que ela dure e se
desenvolva.
Passo à
desnacionalização. Ela
começa com o que muitos pensam erroneamente ser a intensificação da
industrialização, notadamente no quinquênio de JK (1956-1960) e nos mandatos de
Médici e Geisel (os falsos milagres econômicos). Porém, isso foi uma
industrialização inconveniente, porque dependente do exterior, financeira e
tecnologicamente. Na realidade, ela conduziu o País para a desindustrialização,
evidente desde os anos 90.
Desde
agosto de 1954, após a derrubada de Vargas, a desnacionalização foi promovida
por governos egressos de golpes militares sob direção estrangeira, ou de
eleições comandadas pela pecúnia, no quadro de instituições políticas adrede
constituídas.
Ela
se deu por meio de cooptação e de corrupção e também por efeito da dependência
cultural, formada pela mídia e por universidades. Foi reforçada pelo
deslumbramento diante dos requintes da “civilização” dos países imperiais e da
difusão das realizações destes, sem se cogitar que muito dessas “maravilhas”
resultou do saqueio das periferias.
O
governo militar-udenista, de 1954/1955, instituiu vantagens absurdas em favor do
capital estrangeiro, inauguradas com a Instrução 113 de 17.01.1955, da SUMOC
(Superintendência da Moeda e do Crédito).
Essa
Instrução propiciou às multinacionais importar máquinas e equipamentos usados,
sem cobertura cambial, registrando o valor a eles atribuído pela multinacional,
como investimento estrangeiro direto, em moeda.
Desse
modo, os bens de capital entraram, no Brasil, mais que amortizados com as vendas
em vários mercados, de dimensões, cada um dos quais, dezenas de vezes maior que
o brasileiro.
Em
consequência, as promissoras indústrias de capital nacional, formadas na 1ª
metade do Século XX, foram sendo dizimadas, impossível que era concorrer com
grandes empresas transnacionais, ainda por cima, operando no Brasil com capital
e tecnologia a custo zero.
Assim,
a Volkswagen apossou-se de mais de 50% do mercado de automóveis, com o Fusca, de
tecnologia desenvolvida nos anos 30, produzido para o mercado europeu, vinte
anos antes de o ser no Brasil. Ora, a amortização dos equipamentos ocorre em
cerca de cinco anos.
Tal
é a desinformação reinante no País, que a maioria dos brasileiros associa JK ao
desenvolvimento. Ele se proclamava desenvolvimentista, mandava tocar obras, mas
não entendeu ou não quis entender como se chega ao
desenvolvimento.
JK
não só manteve, mas ampliou os subsídios e facilidades para os investimentos
diretos estrangeiros (IEDs). Eleito, antes de tomar posse, visitou diversos
países em missão para atrair esses “investimentos”.
Assim,
o País posto nos trilhos do modelo dependente, continuado sob os governos
militares, e acentuado pelo filo-norte-americano Castello Branco (1964-1966), ao
dar a Roberto Campos
a posição de czar da economia. Esse fez devastar grande número
de empresas de capital nacional, restringindo gastos e investimentos públicos,
limitando e encarecendo o crédito, para inviabilizar as indústrias e as outras
empresas nacionais.
A
implantação da Fiat, nos anos 70, com recursos do governo de Minas e incentivos
federais, é um dos exemplos escandalosos do modelo de dependência tecnológica,
financeira e cultural prevalecente no Brasil. A “proeza” está sendo repetida,
pois mais de 70% da nova fábrica da Fiat em Pernambuco é montada com dinheiro
público. Como essa, n outras montadoras transnacionais têm sido implantadas
em outros
Estados com subsídios, incentivos e doações inimagináveis. O
mesmo ocorre em outros setores.
Tem
havido devastadora guerra fiscal para atrair investimentos estrangeiros, na
qual governadores e prefeitos oferecem a empresas transnacionais estrangeiras
vantagens cada vez mais desmedidas, às custas dos contribuintes e da economia
brasileira, as quais se somam aos subsídios fiscais federais e a financiamento
subsidiado por bancos estatais, como o BNDES.
Aí
está a origem da desnacionalização, a qual resultou na desindustrialização e,
em suma, no subdesenvolvimento. Essa é a confrangedora situação atual do
País, sem indústrias próprias, sem tecnologia, nem marcas próprias, apanhando
de dez a zero de países pequenos e antes paupérrimos, como a Coreia do Sul e
Taiwan, sem falar na potência mundial em que se transformou a
China.
Clube
de Engenharia - Em que
diferimos do resto do mundo? Quais as especificidades e as diferenças em relação
a outros países.
Adriano
Benayon - Elas
ficam claras, comparando o que resumi da história econômica do Brasil, com o que
aqueles países fizeram. Vamos situar isso no contexto histórico e político.
Coreia do Sul e Taiwan estavam na linha de frente da guerra fria, que já havia
estado mais que quente. Seus regimes eram fechados e militaristas, mas isso
lhes possibilitou adotar as políticas públicas necessárias ao
desenvolvimento.
Quais?
Fomentar empresas nacionais, suscitar a formação de grandes empresas e
conglomerados de capital nacional, apoiados por estatais na infra-estrutura e
por bancos estatais. No Brasil, ao contrário, as empresas transnacionais foram
as favorecidas pela política econômica e são escandalosamente subsidiadas até
hoje.
A
China, saqueada e ocupada militarmente, desde 1840, com a criminosa guerra do
ópio, movida pelo império britânico, envolvida em guerras civis, instaurou, com
a vitória da revolução em 1949, um regime comunista, com a economia quase
totalmente estatizada, e restante vinculado ao poder
público.
Construiu,
durante o período maoísta (1949-1976) importantes infra-estrutura e indústria e
tornou-se potência militar e nuclear. Quando Deng modificou o curso e admitiu as
transnacionais nas zonas costeiras e voltadas para a exportação, suscitou, ao
mesmo tempo, a formação de poderosas empresas privadas de capital
nacional.
Além
disso, a China é praticamente o único país do mundo que consegue levar vantagem
com as transnacionais, aproveitando capital e principalmente tecnologia, que
absorve. Isso porque seu regime político não decorre de eleições dependentes de
dinheiro para as campanhas
Foi
consequência do nacionalismo, decorrente da dura experiência de agressões
imperiais sofridas e da herança maoísta, associado à cultura milenar taoísta e
confucionista, em que o mérito é completamente valorizado na ascensão dos
quadros econômicos e políticos.
Desse
modo, as transnacionais só foram admitidas sob condições estritas e, em função
do regime político, insuscetíveis de serem contornadas. Entre elas, diretores
chineses em paridade numérica e salarial com os enviados pela matriz da
transnacional, e transferência de tecnologia (expressão no Brasil, esvaziada de
sentido).
Coreia
e Taiwan copiaram o modelo japonês, inclusive opondo intermináveis dificuldades
burocráticas para limitar a presença das transnacionais em seu setor produtivo.
Obtiveram tecnologia estrangeira, capacitando seus nacionais a absorvê-la, o que
só pode ser feito em empresas de capital nacional. Impossível nas subsidiárias
das transnacionais.
Que
fizeram para isso? Contratos de transferência de tecnologia, principalmente com
empresas europeias, pagando-lhes percentual sobre as vendas da produção local.
Não cometeram, como o Brasil, o suicídio econômico de entregar o mercado interno
(de resto muito mais promissor que o daqueles países) às transnacionais, através
dos investimentos diretos estrangeiros.
Ainda
mais incrível que entregar o mercado (o trunfo para realizar contratos de
transferência de tecnologia), foi subsidiar – e como! – a entrada desses
“investimentos”, dos quais o Brasil não tinha a menor
necessidade.
Primeiro,
as transnacionais usaram quase que só capital local, inclusive lucros de
operações comerciais anteriores, e principalmente os subsídios governamentais.
Segundo, havia no País capital mais que suficiente (além disso, ele pode ser
criado por emissões do Tesouro e pelo sistema bancário). Comparem-se os
recursos do Brasil em 1955 com os dos então miseráveis
asiáticos.
Os
investimentos diretos estrangeiros (IEDs) são considerados remédio para
“equilibrar” o Balanço de Pagamentos – BP, mas agravam enormemente a doença: o
desequilíbrio do BP, decorrente dos próprios IEDs. Como? Devido às
transferências de seus lucros oficiais ao exterior e ainda mais dos disfarçados,
remetidos através de outras contas, com superfaturamento de importações e
subfaturamento de exportações, pagamentos por serviços superfaturados e até
fictícios (juros, comissões, assistência técnica, uso de marcas
etc.).
Os
déficits nas transações correntes (TCs) com o exterior vêm-se avolumando.
Somaram US$ 204,1 bilhões de 2008 a 2012 (US$ 54,2 bilhões só em
2012). Eles estão em
aceleração: US $ 18 bilhões, ou seja, 83% a mais que no mesmo
período de 2012.
Num
círculo vicioso, os déficits nas TCs, por sua vez, fazem acelerar ainda mais a
desnacionalização, a qual, de novo, produz déficits nas TCs, e estas levam a
mais endividamento.
Desde
os anos 90 - com Collor e FHC - a desnacionalização cresceu ainda mais através
das privatizações, em que a
União , em vez de receber, gastou centenas de bilhões de reais
para entregar estatais de grande porte.
Clube
de Engenharia - Em
2012, 296 empresas nacionais foram compradas por grupos estrangeiros. Em 2011,
foram 208 e, em 2010, 175 empresas. Ou seja, os números têm crescido e estamos
batendo o nosso próprio recorde anualmente. Como frear esse processo? O senhor
vê no governo a vontade política necessária para estancar o problema? O que
podemos esperar, nos próximos anos?
Adriano
Benayon - Mais
do mesmo, enquanto não se mudar o sistema político atual. Por que? O grande
drama é que a desnacionalização gera no sistema político outro círculo vicioso,
não menos sério que o causado na economia. Em outras palavras, controlando o
grosso e o que há de mais poderoso na estrutura econômica e financeira do País,
as transnacionais fazem prevalecer seus interesses na formulação das políticas
governamentais, nas leis, etc..
Isso
porque, no modelo político de molde ocidental, a pluralidade de partidos e as
eleições periódicas não significam democracia, uma vez que a grande maioria dos
eleitos depende de volumosos recursos financeiros e de acesso à grande mídia,
especialmente à TV. Ora, a grande imprensa e outras fontes de formação de
opinião estão, secularmente, a serviço de interesses que não são os
nacionais.
Quanto
ao número de empresas brasileiras desnacionalizadas, foram 1.296, de
2004 a
2011, período em que as remessas oficiais de lucros ao exterior montaram a US$
405 bilhões. Ora, as remessas de lucros disfarçados em outras contas foram um
múltiplo disso. Adicionando as 296 de 2012, o total, desde 2004, vai para
1.586.
É
bom ter presente que a aquisição de empresas de capital nacional
(desnacionalização em sentido restrito) é só uma parte dos “investimentos
estrangeiros diretos (IEDs). A desnacionalização, em sentido lato, inclui também
a criação de novas subsidiárias e a capitalização adicional nas já
estabelecidas. Tudo isso implica controle da economia brasileira por empresas
estrangeiras.
Clube
de Engenharia - O Clube
de Engenharia publicou, em 2011, manifesto pela defesa das empresas genuinamente
nacionais. De acordo com o documento, seria necessária a restituição das
proteções constitucionais à produção nacional, tendo como foco prioritário
imediato três áreas, por serem consideradas estratégicas para o país: as
indústrias de petróleo o gás, energia e defesa. Restituir as proteções legais e
a diferenciação entre empresas brasileiras de capital nacional seria suficiente
para reverter o quadro atual? Sob o ponto de vista da crescente
desnacionalização, como estão essas três áreas estratégicas hoje no
Brasil?
Adriano
Benayon -
Certamente é importante a iniciativa do Clube de Engenharia, que, desse modo, dá
um passo na direção que o Brasil precisa tomar.
A
meu ver, é importante, mas não suficiente, uma Emenda à Constituição para
restituir-lhe o capítulo da Ordem Econômica, inclusive com a distinção entre
empresa de capital nacional e de capital estrangeiro, que foi extirpado do texto
votado em 1988, por iniciativa do governo de FHC, executante do Consenso de
Washington.
É
fundamental estabelecer a reserva de mercado para empresas de capital nacional
em áreas estratégicas, como as três sugeridas pelo Clube de
Engenharia.
Não
menos prioritário para todos os setores produtivos e financeiros, são regras,
para serem cumpridas – e não regras desdentadas - que estabeleçam firmemente a
concorrência. Para que haja elevação da renda, da qualidade da produção e
desenvolvimento tecnológico, é indispensável acabar com o império sobre o
mercado detido pelos oligopólios, principalmente liderados por transnacionais,
muitos dos quais operam como carteis.
Como
realizar isso? Assegurar as reservas de mercado para empresas nacionais,
financiando-as a longo prazo e a juros favorecidos, ajudando-as a investir na
capacitação de seus engenheiros e técnicos para absorver e desenvolver
tecnologias, praticando inclusive tecnologia reversa e fazendo contratos de
transferência de tecnologia, sob adequada supervisão de órgãos estatais, como o
INPI (que nunca foi dotado para exercer as funções que devia
desempenhar).
A
propósito, é urgente para o Brasil revogar a Lei de Propriedade Industrial,
adotada em conformidade com os acordos nessa área, firmados na OMC, e rever
esses acordos, denunciando-os se necessário. Além da desnacionalização das
empresas, os governos, principalmente a partir de Collor, desnacionalizaram o
próprio Estado brasileiro. Se os brasileiros, engenheiros ou não, querem ser
alguma coisa na vida, esse estado de coisas tem de acabar.
Em
suma, só haverá desenvolvimento econômico e social, e bons empregos para
engenheiros e para outros brasileiros, se a produção, em todos os setores, for
realizada por empresas nacionais em regime de
concorrência.
Se
não, continuaremos com os sobrepreços, como os que praticam as transnacionais, a
ponto de, como é sabido, por exemplo, os carros custarem aqui mais que o dobro
do que na média dos outros países, não obstante os subsídios, isenções fiscais,
financiamentos generosos, terrenos dados, obras de infra-estrutura e outras
vantagens que as montadoras estrangeiras recebem de graça.
Qual
é, pois, a função dos oligopólios? Produzir a custos baixos e subsidiados,
vender a preços altos, administrados por eles mesmos, e mandar os ganhos para o
exterior de várias maneiras. Exemplifiquei com os carros, mas vale para todos os
setores de produção.
Lógico
que as empresas nacionais que surgirem ou se reconstituírem graças à nova
política deverão ser fiscalizadas no cumprimento das normas de concorrência e
impedidas de serem vendidas a empresas estrangeiras e mesmo a concorrentes
nacionais, salvo se isso não implicar a formação de
oligopólio.
Clube
de Engenharia - Que
áreas podemos apontar como exemplos perfeitos do processo de acelerada
desnacionalização no país? Quais são os casos mais
emblemáticos?
Adriano
Benayon - Já
mencionei o caso notório do setor automotivo. Mas os abusos em outros bens de
consumo durável e até em bens de produção são muito frequentes, tanto nos de
origem mineral como agrícola. O absurdo estende-se aos transportes, em que o
aeronáutico constitui um escândalo e uma vergonha.
Ainda
mais no País que, além de ter a EMBRAER - também desnacionalizada, no mínimo, em
parte - é o do inventor do avião, o país
que já teve companhias aéreas gigantes, presentes em todo o mundo, e está agora
à mercê de um cartel de empresas estrangeiras de terceira categoria, até mesmo
para os vôos internos.
Que
falar de outra vergonha, a dos transportes marítimos? E do caso de enormes
estatais, como a Vale Rio Doce, que não se sabe quem controla, embora fundos
previdenciários brasileiros tenham bancado a maior parte do valor pífio da
privatização de um patrimônio absolutamente incalculável, estratégica e
economicamente?
O
Brasil não controla sequer sua infra-estrutura, como a da hidroeletricidade,
privatizada, em grande parte, para empresas estrangeiras e regulado de forma
desastrosa, no esquema das Agências (mesmo caso da do petróleo e combustíveis, a
ANP), criadas para ajudar os concessionários que deveriam ser regulados, e não,
os consumidores e a economia do País. Ainda na energia, o setor sucro-alcooleiro
está tendo acelerado processo de desnacionalização.
Além
disso, temos a agricultura e a pecuária submetidas a tradings internacionais.
Toda a estrutura de produção desse setor, como a dos minerais, é determinada
por interesses estrangeiros. Se não, as terras de produção agrícola não estariam
sendo usadas em quase 50% só para a soja, nem a pecuária ocuparia mais de 1/3
das terras totais utilizadas.
Pior
ainda, os governos entreguistas e pusilânimes, tanto o federal, como a maioria
dos estaduais permitiram, quando não apoiaram - em favor das notórias
transnacionais, Monsanto, Syngenta, Bunge, Bayer etc. - a substituição das
sementes tradicionais – indispensáveis para a segurança alimentar – por sementes
transgênicas, prejudiciais à saúde dos que se alimentam com seus produtos, sem
falar no veneno dos agrotóxicos associados a essas sementes (só elas resistem a
eles). Ademais, o uso das transgênicas contamina as terras vizinhas, acabando
com as tradicionais e exterminando as abelhas, necessárias à preservação da vida
atraves da polinização.
Certamente
omiti muita coisa, inclusive os absurdos, desnecessários leilões do petróleo
descoberto pela Petrobrás, para ser explorado por empresas estrangeiras, em
troca de royalties risíveis, em percentual cinco vezes menor que o negociado
pelo Xá do Irã com as petroleiras anglo-americanas, ainda nos anos
50.
Clube
de Engenharia - Na sua
opinião, podemos traçar uma ligação direta entre desnacionalização e
desindustrialização? Os dois processos estão ligados de alguma
forma?
Adriano
Benayon - Sim.
Para começar, a desnacionalização causa o empobrecimento de um país.
Primeiro, transferindo para o exterior os elevadíssimos ganhos dos oligopólios.
Segundo, gerando, com isso, déficits de conta corrente, que têm que ser cobertos
por empréstimos e outras formas de endividamento.
As
dívidas ganharam dinâmica própria, como se fossem bactérias em ambiente ácido,
através da capitalização de juros, tarifas, comissões e taxas especiais, e o
Estado gasta grande parte, se não a maior, de suas receitas com o serviço da
dívida (no Brasil a externa desencadeou a dívida pública interna, a partir de
1980). Isso devido, inclusive, à influência da oligarquia financeira estrangeira
nos governos e até na Constituinte, quando foi inserido no texto da
Constituição, fraudulentamente, o dispositivo que privilegia o serviço da dívida
no orçamento federal. Essa despesa, de 1988 ao presente, aproxima-se, em moeda
atualizada, de 10 trilhões de reais.
Assim,
o Estado investiu pouco na infra-estrutura – e mal, diga-s de passagem - e nas
indústrias de base, a qualidade da educação decaiu etc. O salário médio pouco
cresceu, ficou estagnado, mormente em comparação com os países que
experimentaram real desenvolvimento. Ora, os grupos industriais preferem
investir na produção de bens de elevada qualidade e maior valor agregado nos
países de renda elevada ou nos que se desenvolvem.
Assim,
crescentemente, os bens de maior valor agregado deixaram de ser produzidos no
Brasil. Além disso, acabando com a proteção tarifária, desde a abertura
comercial, sem contrapartida, decretada pelo devastador Collor, as
transnacionais no Brasil, passaram a importar não só os bens finais de maior
valor agregado, mas também os componentes e insumos de maior valor (de resto
superfaturados, como sempre fizeram), contribuindo assim para o déficit na conta
corrente com o exterior.
Além
disso, como as transnacionais não desenvolvem tecnologia no País, pois ganham
mais usando a tecnologia já desenvolvida nos países de suas matrizes, há, entre
outras, duas consequências:
1)
a produção local nunca vai concorrer com a produção desses países, porque a
tecnologia empregada nesta vai ser sempre mais avançada que a incorporada nas
máquinas usadas, exportadas para o Brasil, além de que aqui os custos são
superfaturados, para ganhar mais e transferir mais renda para a
matriz:
2)
os engenheiros e técnicos brasileiros ficam excluídos, na especialização
internacional, dos empregos mais interessantes e melhor
remunerados.
Clube
de Engenharia - Enquanto
os EUA compram a General Motors, um dos símbolos do capitalismo, e a França
mantém controle em diversas áreas, como a aviação, no Brasil, o assunto foi
demonizado pela grande mídia. Qual a participação dela - a grande mídia - nesse
processo como suporte ao lobby internacional, e como vencer a questão
cultural?
Adriano
Benayon - A
grande mídia sempre combateu e difamou os que defenderam os interesses
nacionais, além de ter sempre promovido as ideias, as políticas e os projetos da
oligarquia financeira anglo-americana e das transnacionais. Ela já o fazia
contra Getúlio Vargas, antes mesmo de findar o Estado Novo, em
1945.
Há,
além disso, uma espécie de admiração reverencial dos acadêmicos em geral, não só
de economistas, os quais tendem a se orientar pelas doutrinas emanadas das
universidades mais famosas do Atlântico Norte, estipendiadas por potentados da
oligarquia financeira e grandes transnacionais.
Deu-se
também a descaracterização cultural, em muitos países, e de modo especialmente
agudo e profundo no Brasil. Uma espécie de Blitzkrieg imperial, com ênfase na
música, inclusive com a intensa difusão da antimúsica, aviltamento da indústria
do entretenimento, através do cinema, do rádio e das TVs comerciais. A reforma
MEC-USAID (supressão do latim e do francês nos currículos escolares) no início
dos anos 70, com o ex-militar entreguista Jarbas Passarinho, firmante mais
tarde, já no governo Collor, da portaria que fez demarcar imensa área indígena
dita “ianomâmi”, no interesse da oligarquia financeira, sobretudo britânica, que
controla a mineração.
Em
síntese, do mesmo modo que só uma completa revolução na política econômica seria
capaz de pôr o Brasil no rumo do desenvolvimento, só uma revolução não menos
total no campo da cultura viabilizaria aquela. A cultural não exigiria tantos
recursos, nem os deveria economizar para formar comunicadores, historiadores e
professores que reexumassem as boas realizações da cultura nacional e as
renovassem.
O
investimento no campo fundamental e estratégico que é a cultura tem de fundar e
desenvolver TVs públicas de alta qualidade, as educativas e as informativas e de
entretenimento e cultura, com música de qualidade nacional e estrangeira.
Também, boas escolas públicas, desde o nível primário ao superior. Uma tarefa
gigantesca. Um exemplo: não seria mal retomar e adaptar aos tempos atuais os
currículos e os métodos das escolas estaduais do Rio Grande do Sul e de Minas
Gerais (entre outras) nos anos 20 do século passado, e do Colégio Pedro II
(federal, de ensino médio, no Rio de Janeiro, antiga capital). Outra ideia:
adaptar os currículos das escolas japonesas e chinesas, em que, desde os
primeiros anos, há ênfase na formação dos valores éticos.
Em
suma, restaurar e renovar tudo que a Rede Globo e outras TVs comerciais têm
destruído ao longo dos últimos 50 anos. Também oferecer algo totalmente
diferente da revista VEJA aos leitores que buscam informação real e avaliações
não distorcidas.
Clube
de Engenharia - Com os
juros mais baixos da história, alta desoneração da folha de pagamento, isenção
de impostos e financiamentos disponíveis, ainda assim, falta ousadia no
empresariado nacional. Isso colabora com a desnacionalização? Como acordar os
empresários e como isso pode colaborar para frear o
processo?
Adriano
Benayon - 1)
os juros reais ainda são altíssimos no Brasil, e se estamos falando de
competição, os de países industrializados concorrentes são muito mais baixos. 2)
as desonerações fiscais, além de seletivas em favor de grupos concentradores e
transnacionais, de pouco servem em face dos altos custos decorrentes de: a)
infra-estrutura mal concebida, mal executada e em deterioração, além de operada
por concessionários que oneram abusivamente os já de si as elevadas tarifas; b)
custos de produção internos dos próprios oligopólios, inflados para transferir
lucros disfarçados para o exterior como se fossem
despesas.
Como
as transnacionais são favorecidas com a capitalização dos ganhos decorrente de
sua posição oligopolista, melhor aquinhoadas por subsídios governamentais e têm
acesso a crédito barato, isso retroalimenta a desnacionalização, ao tornar
inviáveis as empresas nacionais que precisam de compradores menos depauperados
pelos altíssimos impostos (enquanto o Estado desonera os concentradores) e pelos
preços dos serviços públicos que deveriam ser módicos ou gratuitos, além dos
preços dos produtos dos oligopólios que elevam artificialmente os custos,
repassando-os aos consumidores.
Tudo
que tentei expor nas respostas anteriores mostra que o problema dos nossos
empresários é ter, da parte do Estado, uma banda adequada para tocar a música
que eles devem executar: responsabilidade, concorrência e bons resultados para
quem tenha valor.
O
Estado deveria ajudá-los a crescer sob essas condições. Mas empresa é uma planta
que só nasce num tipo de solo: o mercado. Um Estado imparcial daria condições
iguais para quem quisesse entrar na competição pelos mercados. Poderia até fazer
concursos, com provas e títulos, como o de ter tido empresa que mostrou
competência, mas foi esmagada pela concentração econômica e pelas crises
decorrentes desta.
Claro
que, se há timidez de empresários brasileiros é provavelmente porque se trata de
espécie ameaçada, para não dizer em extinção. Mas espécie essencial para o
desenvolvimento do País. Ele precisa também de estatais e tem de pôr no lixo o
mandamento da oligarquia estrangeira de não estatizar coisa alguma. As estatais
devem ser bem estruturadas para as atividades de porte muito grande, em que não
há como ter muitas empresas em competição.
Em
suma, é preciso que o tripé seja: Estado; empresas estatais; empresas privadas
nacionais. O tripé em que Geisel e outros acreditaram (Estado, multinacionais e
empresas privadas nacionais) simplesmente ruiu, e, com sua queda, quem foi ao
chão foi o Brasil, pois o Estado transformou-se em servidor das multinacionais,
e o setor privado nacional praticamente desapareceu. Ficando, pois, só com a
perna transnacional, cujos interesses estão no exterior, o tripé de Geisel deu
no que deu.
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