Publicado em 07/05/2013 por Mário Augusto
Jakobskind*
Depois de quase 36 anos e meio da
morte do Presidente João Goulart (6 de dezembro de 1976), a Comissão Nacional da
Verdade e o Ministério Público Federal do Rio Grande do Sul decidiram,
finalmente, exumar o corpo do herdeiro político de Getúlio Vargas. Muitos devem
estar dizendo, antes tarde do que nunca.
Mas não se pode esquecer que logo
após a morte de Jango, as autoridades brasileiras e argentinas se recusaram a
fazer a autopsia. Por que será?
Há fortes indícios de que Jango
foi mesmo assassinado com a troca de remédios. Embora deva ser considerado
louvável a inicativa da Comissão Nacional da Verdade, não se pode garantir que
depois de tanto tempo a exumação seja considerada conclusiva.
Como se sabe, há testemunhas, como
a do ex-agente da repressão uruguaia, Mario Barreiro, que conta com detalhes
como ocorreu a troca de remédios que teria provocado a morte do
Presidente.
Vale ainda lembrar que
recentemente a Justiça argentina – Jango morreu em Las Mercedes, na Argentina – tinha
solicitado às autoridades brasileiras que fosse feita a exumação. O pedido não
foi respondido, o que só agora acontecerá graças a Comissão da Verdade.
É preciso também que a Comissão
procure esclarecer com precisão o que poucas semanas antes da morte de Jango foi
fazer no Uruguai (Jango ainda estava lá) o famigerado delegado Sérgio Fleury,
que recebeu grandes elogios por parte do então deputado estadual pela Arena de
São Paulo, José Maria Marin, atual presidente da
Confederação Brasileira de Futebol (CBF) .
Da mesma forma que Jango, ainda
falta esclarecer, em definitivo, a morte de Juscelino Kubitschek em acidente de
carro na Rio-São Paulo em que o motorista, segundo denúncias, teria sido
baleado, fato não investigado como deveria.
O terceiro participante da Frente
Ampla, Carlos Lacerda, segundo denúncias, ingressou em um hospital para cuidar
do agravamento de uma gripe e acabou morrendo.
Os três naquele momento de 1976,
em função da carência de lideranças civis de envergadura nacional, poderiam, em
caso de uma abertura, ser eleitos por voto popular, algo que os generais de
plantão não conseguiam. Sempre foram biônicos.
Eleger Jango, JK ou mesmo Lacerda
naquele momento era tudo que o general de plantão da ocasião (Ernesto Geisel) e
seu “mago”, o Coronel Golbery do Couto e Silva, não queriam. Temiam perder o
controle da propalada abertura lenta e gradual, que nunca passou de uma peça de
marketing do sistema que agonizava.
A extrema direita, a das bombas e
atentados praticados, muitas vezes com o objetivo de incriminar a esquerda,
tentava também à sua maneira manter o regime ditatorial.
Para conhecer tudo o que aconteceu
naquele período é preciso também lembrar fatos e contextualizá-los. É preciso
não esquecer da política econômica praticada pelos governos ditatoriais,
responsáveis em grande medida pela redução do poder aquisitivo dos assalariados,
resultando na perda de qualidade de vida de amplas parcelas da
população.
Tudo isso faz parte de um todo que
derivou na dura repressão praticada por agentes do Estado brasileiro, que
obedeciam ordens superiores, mas agiam de forma mais realista do que o rei, como
acontece em regimes do tipo implantado a partir de 1964.
A Comissão Nacional da Verdade tem
a missão histórica de mostrar aos brasileiros tudo isso com detalhes.
Audiência pública - Na audiência
pública com militares perseguidos pelo regime ditatorial, realizada na ABI no
sábado (4/5/2013), muitas histórias sobre o setor apareceram, uma delas, por
exemplo, a de oficiais que se recusaram a participar de uma ação para derrubar o
avião de Jango, a chamada Operação Mosquito, em 1961. Acabaram cassados e presos
depois do golpe de 64 . Foi uma das primeiras vinganças contra militares
legalistas praticadas pelos militares golpistas cooptados pelo Departamento de
Estado norte-americano que se apossaram do poder.
Na mesma audiência, Luis Claudio
Monteiro da Silva contou que foi preso, torturado e expulso dos quadros do
Exército porque foi pego no alojamento lendo um artigo elogioso a Darcy Ribeiro.
E, pasmem, isso aconteceu na década de 80. Além de ter sido interrompido o seu
sonho de se tornar militar, Luis Claudio até hoje guarda sequelas das
torturas.
Quem assistiu a histórica sessão
da Comissão da Verdade foi informado também que cerca de 7.500 militares foram
punidos pelos golpistas de 64.
A perseguição chegou a tal ponto
que até hoje muitos militares de escalões inferiores, como cabos e sargentos,
continuam sem ser anistiados. Tanto eles como oficiais, legalistas e
nacionalistas, que defendiam a legalidade, seguem sendo tratados como parias
quando vão a alguma repartição militar.
A história desses militares
precisa ser conhecida pelos brasileiros em todos detalhes.
Espera-se que Comissão da Verdade cumpra com a missão
histórica. O primeiro passo nesse sentido foi dado com a Audiência
Pública.
_________________
Mário Augusto
Jakobskind* é correspondente no Brasil
do semanário uruguaio Brecha. Foi colaborador do Pasquim, repórter da Folha de
São Paulo e editor internacional da Tribuna da Imprensa. Integra o Conselho
Editorial do seminário Brasil de Fato. É autor, entre outros livros, de América
que não está na mídia, Dossiê Tim Lopes - Fantástico/IBOPE.
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