sexta-feira, 24 de maio de 2013

Que interesses servem os BRICS?


1/5/2013, Immanuel Wallerstein, Esquerda.net
Tradução, revista pelo autor, de Luis Leiria
Enviado pelo pessoal da Vila Vudu

BRICS - Brasil, Russia, Índia, China e África do Sul

Na atual situação em que existem cerca de 8-10-12 protagonistas de poder geopolítico significativo, os BRICS são definitivamente parte da nova estrutura geopolítica multipolar.

Por Immanuel Wallerstein [*]

Jim O'Neill
Em 2001, Jim O’Neill, então presidente de Gestão de Ativos do Goldman Sachs, escreveu um artigo aos seus assinantes intitulado “O Mundo precisa de melhores BRICs econômicos”. O’Neill inventou o acrônimo para descrever as chamadas economias emergentes do Brasil, Rússia, Índia e China, e para recomendá-las aos investidores como o “futuro” econômico da economia-mundo.

O termo pegou, e os BRICs tornaram-se na verdade um grupo que se reúne regularmente e mais tarde incluiu a África do Sul, mudando o “s” minúsculo para maiúsculo. Desde 2001, os BRICS floresceram economicamente, pelo menos em relação a outros estados no sistema-mundo. Tornaram-se também um assunto muito controverso. Há os que veem os BRICS como a vanguarda da luta anti-imperialista. Há os que, muito pelo contrário, consideram os BRICS agentes subimperialistas do verdadeiro Norte (América do Norte, Europa ocidental, e Japão). E há os que acham que são ambas as coisas.

Na sequência do declínio pós-hegemônico do poder, do prestígio e da autoridade dos Estados Unidos, o mundo parece ter estabelecido uma estrutura geopolítica multipolar.

Na atual situação em que existem cerca de 8-10-12 protagonistas de poder geopolítico significativo, os BRICS são definitivamente parte deste novo quadro. Pelos seus esforços de forjar novas estruturas no cenário mundial, tais como a estrutura interbancária que procuram criar para substituir o Fundo Monetário Internacional (FMI), estão certamente a enfraquecer ainda mais o poder dos Estados Unidos e de outros segmentos do velho Norte a favor do Sul, ou pelo menos dos próprios BRICS.

Se a nossa definição de anti-imperialismo é reduzir o poder dos Estados Unidos, então os BRICS certamente representam uma força anti-imperialista.

A geopolítica, contudo, não é a única coisa que conta. Também queremos saber algo sobre a luta de classes no interior dos países BRICS, as relações desses países uns com os outros, e as relações dos países BRICS com os países não-BRICS no Sul. Nestes três aspetos, o registo dos BRICS é, no mínimo, sombrio.

Como podemos avaliar a luta de classes no interior dos países BRICS? Uma forma comum é observar o grau de polarização, tal como indica o índice GINI que mede a desigualdade.

Outra forma é ver quanto dinheiro estatal é utilizado para reduzir o grau de pobreza entre os estratos mais pobres.

Dos cinco países BRICS, apenas o Brasil melhorou significativamente os seus índices no que respeita a esta questão.

Nalguns casos, apesar de haver um aumento do PNB, as estatísticas são piores que, digamos, há 20 anos.

Banco dos BRICS - para concorrer com o FMI e Banco Mundial
Se olharmos para as relações econômicas entre os próprios países BRICS, a China ofusca os outros em crescimento do PNB e em acumulação de ativos. A Índia e a Rússia parecem sentir a necessidade de proteger-se contra a força da China. O Brasil e a África do Sul parecem sofrer com o atual e potencial investimento da China em arenas chave.

Se olharmos para as relações dos BRICS com outros países do Sul, ouvimos queixas crescentes em relação à forma como estes países se relacionam com os seus vizinhos imediatos (e não tão próximos) que se parece demasiado com as relações que os Estados Unidos e o velho Norte mantinham com eles. São acusados por vezes não de serem “subimperiais”, mas sim simplesmente “imperiais”.

O que faz os BRICS parecerem tão importantes hoje são os seus altos índices de crescimento desde por volta de 2000, índices esses que foram significativamente mais altos que os do velho Norte. Mas será que isto vai continuar?

As suas taxas de crescimento já começaram a escorregar. Alguns outros países do Sul – México, Indonésia, Coreia (do Sul), Turquia – parecem estar a corresponder ao crescimento deles.

Porém, dada a depressão mundial, na qual continuamos a viver, e a baixa probabilidade de haver uma recuperação significativa na próxima década, a possibilidade de, numa década, um futuro analista do Goldman Sachs continuar a projetar os BRICS como o futuro (econômico) é bastante duvidosa.

Na verdade, a probabilidade de os BRICS continuarem a ser um grupo que se reúne regularmente, com políticas presumivelmente comuns, parece remota.

A crise estrutural do sistema-mundo está a evoluir demasiado rapidamente e, de formas demasiado incertas, para assumir uma estabilidade relativa suficiente que permita que os BRICS, como tais, continuem a desempenhar um papel especial, tanto geopolítica quanto economicamente.

Tal como o próprio conceito da globalização, os BRICS podem-se revelar como um fenômeno passageiro.

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Sociólogo e professor universitário norte-americano.
Wallerstein interessou-se pela política internacional quando ainda era adolescente, acompanhando a atuação do movimento anticolonialista na Índia. Obteve os graus de B.A. (1951), M.A. (1954) e Ph.D. (1959) na Universidade de Columbia, Nova Iorque, onde ensinou até 1971. Tornou-se depois professor de Sociologia na Universidade McGill, Montreal, até 1976, e na Universidade de Binghamton, Nova York, de 1976 a 1999. Foi também professor visitante em várias universidades do mundo.

3 comentários:

  1. Comentário enviado por e-mail e postado por
    Castor

    Prezados

    Wallerstein nunca me impressionou pela objetividade.

    A matéria revela desinteresse pelo potencial dos BRICS de contribuir para algum equilíbrio no poder mundial, após 23 anos (decorridos até agora) de pax americana absoluta, caracterizada pela escalada de genocídios, mal apelidados de guerras para destruir países inteiros.

    O Brasil só terá a ganhar se intensificar mais suas relações com os demais membros desse grupo de países e se adotar políticas semelhantes às dos principais membros dele, em favor de sua economia e de sua segurança nacional.

    Posições de intelectuais de “esquerda”, como Wallerstein, são apreciadas pela oligarquia anglo-americana e pelos adeptos do projeto desta de exercer o governo mundial totalitário.

    Abraços,

    Adriano Benayon

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    1. Prezado professor Benayon,

      Aceitamos integralmente a sua análise. Tanto aceitamos, que NÃO traduzimos o artigo.

      Mas decidimos distribuir essa tradução publicada em esquerda.net, porque, apesar do que o senhor diz, nos parece bem aproveitável a ideia de que os BRICS sejam (ou possam ser, porque, afinal, não se pode adivinhar) fenômeno passageiro.

      Nós estamos pensando, cá côs nossos precários e analfabetos botões, por uma equação que tem, hoje, o seguinte "perfil" em mal-traçadas linhas (que podem ser corrigidas):

      HIPÓTESE A SER FALSEADA: Disputa-se hoje, no mundo, uma "queda de braço" entre (1) o q chamamos de "modelo chinês" (capitalismo gerenciado por estado comunista) e (2) o capitalismo à ocidental que o mundo sempre conheceu e discutiu, em que o capitalismo e o Estado são gerenciados pelos oligopólios que controlam TODOS os aparelhos ideológicos do Estado (igrejas, universidades, imprensa em geral); e os quais (todos esses aparelhos e oligopólios) combatem furiosamente qquer controle por qquer estado democrático (e já descaracterizaram até as eleições, como manifestação democrática); e os quais nem cogitam de estado comunista e, qdo. por acaso alguém cogita disso, os oligopólios já mandam os seus drones, ideológicos e tb os drones propriamente ditos, com munição real, bem balísticos, prá detonar qquer cogitação pró-comunista).

      Nesse quadro de reflexão, nos pareceu interessante ajudar a fazer ver que os BRICs talvez sejam fenômeno passageiro -- porque não passariam de mais um grupamento do capital e dos capitalistas, dentro do mundo do capital.

      Os BRICS podem bem ser fenômeno passageiro, sim. Afinal, é difícil pensar em "grupamento" muito duradouro, onde coabitem (digamos) um tiranossauro rex (a China) e outras economias proporcionalmente MUITO menores, cujo único traço comum (e avaliado e batizado por Goldman Sachs!) seria que apresentariam "crescimento promissor", em mundo capitalista que cai aos pedaços.

      Concordamos, sim, q o Brasil tenha de conversar com todos, todos, TODOS. É claro que os BRICS têm potencial para contribuir para o equilíbrio no poder mundial. Mas parece-nos impossível não ver que esse poder ficaria MUITO reduzido, se se excluísse, dos BRICS, a China.

      Ora, a China é economia COMUNISTA, posto que é estado COMUNISTA, que hoje, afinal, descobriu que tem de aprender a gerenciar o capitalismo planetário. Não se pode, pois, excluir de NENHUMA DISCUSSÃO o comunismo internacionalista chinês ou a discussão fica capengante, não vai ao fundo, à raiz do problema e da discussão.

      Se é verdade que alguma espécie de "fim dos BRICS" implicaria o fim de um bloco que, se pode dizer, opõe-se ao norte-americanismo globalizatório -- e que, portanto, a existência dos BRICS interessa a todos que se oponham ao bloco capitalista norte-americano -- também é verdade que ainda nos falta aprender a DEFENDER o bloco BRICS, mas não, nacionalistamente, porque seja "o bloco do Brasi", mas, sim, comunistamente, porque é o bloco da China comunista internacionalista.

      Nesse sentido, onde o senhor vê a falta de interesse de Wallerstein pela "salvação" dos BRICS, nós vemos um alerta bem aproveitável.

      Estamos em pleno vendaval, num processo político no qual, se não aprendermos a defender COMUNISTAMENTE o experimento comunista internacionalista em curso na China, acabaremos pendurados na brocha dos nacionalismos, engolidos na ficção da 'potência' de Brasil, Índia, Rússia, África do Sul. O teste crucial, decisivo, é simples: Tire a China dos BRICS e logo se vê que BRI ou BRIS é, de fato, bem pouco; proporcionalmente, é quase nada.

      Concordamos INTEGRALMENTE, antecipadamente, se o senhor contra-argumentar e disser que NINGUÉM (pode-se talvez dizer: NEM A CHINA) sabe defender internacionalmente o projeto COMUNISTA em curso na China.
      (cont.)

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  2. (cont)

    No artigo -- e em praticamente toda a discussão no "ocidente" -- fala-se como se o projeto-experimento em curso na China fosse projeto-experimento em curso dentro do capitalismo. Alguma pressuposta ou autoproclamada "esquerda" chega a ver, na China, até, uma "capitalistização". É onde o bom velho Marx é leitura INDISPENSÁVEL (pra começar).

    Mas pãos e pães é questão de opiniães, como se sabe. E é questão também de desejo.

    Se o que se deseja é promover o projeto comunista, deve-se descrever o experimento chinês como "experimento comunista, de controle das forças do capital, por estado comunista e internacionalista, em opera em benefício dos oprimidos pelo capital em todo o planeta".

    Nesse quadro, o experimento em curso no Brasil ainda tem de ser descrito como "experimento capitalista, de tentar controlar as forças do capital, por estado capitalista nacionalista, que aspira a trabalhar em benefício dos brasileiros oprimidos pelo capital internacional".

    Assim se vê com mais clareza que os projetos nacionalistas não são "naturalmente" progressistas -- e podem ser muito gravemente regressistas (casos, por ex., de Israel e da Alemanha Nazista).

    Essa discussão tem de avançar, sim. Mas entendemos que, mais do que avançar na direção da divulgação ou da pregação de nacionalismos particularistas, a discussão deva avançar na direção de todos cuidarmos de aprender a ver melhor o experimento em curso na China -- porque é novidade RADICAL no planeta, inclusive para qualquer autoproclamada "esquerda" na qual resta hoje tão pouco de comunismo que já não sabe ver o comunismo, nem quando lhe salta aí, a olhos vistos (mas não aparece no noticiário, nem nas teorias do mundo do capital).

    Cordialmente,

    Vila Vudu

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