24/5/2013, Jean-Luc Mélenchon, Parti de Gauche,
França
Excerto traduzido e comentado pelo
pessoal da Vila
Vudu
Ver também:
Entreouvido na Vila Vudu: Esse é o quadro planetário em que entra o Brasil - 2013-2014 – estridentemente silenciado em TODOS os
jornais e televisões privadas brasileiras.
A violenta campanha da tucanaria da privataria associada aos veículos da
imprensa-empresa contra a reeleição da presidenta Dilma também se inscreve nesse
quadro planetário. E, nesse quadro planetário, sim, toda a tucanaria da
privataria e seus veículos associados farão QUALQUER COISA pra eleger QUALQUER
CANDIDATO SEU, mesmo que seja candidato raspa-de-tacho, keném o panaca do Aécim,
sub-do-sub da irmã (porque não
conseguiram candidato melhor).
Jean-Luc Mélenchon |
Faço aqui, para vocês, um relato do essencial, depois de
Estrasburgo [reunião da Comissão Europeia, nos dias 21-23/5/2013]. Trata-se, sobretudo, do sinal de partida
para o grande negócio desse novo século na Europa: a anexação,
pelos EUA, de nossas democracias europeias já fracassadas. São
as primeiras negociações com vista à constituição de um livre mercado único,
transatlântico, desregulado. Anos e anos de sinais de alerta não serviram de
nada. O espesso tapete midiático-político abafou os ruídos do bote que dão,
contra a Europa, os trusts
ianques. Agora, depois
de anos de discreta preparação, a coisa começa a andar.
A partir de uma simples declaração de Obama, aprovada por Merkel, depois
de uma visita tão solene quanto apenas formal dos androides Van Rompuy e
Barroso, a máquina começa a rodar. A Comissão Europeia vai-se autoatribuir o
direito de representante para negociar. A negociação começa em julho. Hollande
está entre os ausentes premiados. Quanto a Ayrault… Sabe-se lá! E os jornais e
televisões, ditos «meios de comunicação»? QUEM?!
Divido essas notas em duas partes: uma apresenta, resumidamente, o
conteúdo do Tratado ; a outra analisa o contexto das forças políticas em relação
ao mesmo tema.
Convido enfaticamente meus leitores a
apropriar-se do problema. Para tanto, comecemos por conhecer os fatos. Esse
postado visa a ajudar nessa tarefa. Mas há também o livro editado por nós, que
vocês encontram aí, na coluna à esquerda [1] nesse blog. Seja como for, esse negócio sobrecarregará nossa atividade
política nos próximos meses e, sem dúvida, durante anos.
Não é possível combater, sem formar opinião esclarecida sobre a
questão.
É preciso pois começar imediatamente um trabalho de educação popular de
massa, para que muitos entendam do que, de fato, se trata. Espero que nosso
partido chegue ao poder a tempo de fazer gorar esse plano. Foi o que aconteceu na América do Sul. A
chegada ao poder de amigos nossos conseguiu mandar para o lixo a ALCA, tratado
equivalente a esse, no último momento.
Seja como for, é preciso começar a trabalhar ativamente e
imediatamente.
(…)
Uma velha conspiração mercantil
O «prato de resistência» dessa sessão foi a votação de uma Resolução
sobre o mandato da Comissão Europeia na negociação que se inicia para a
construção de um grande mercado único entre os EUA e a União Europeia.
Em 2009, editei
uma brochura que circulou muito
sobre tudo isso. Alertei sobre os perigos desse Grande Mercado Transatlântico
que se trama já há dez anos pelas costas dos eleitores e dos povos. Um total
silêncio nos jornais e televisões, e uma prudente omertà dos partidos que participam desde o início
dessa discussão, conseguiram ocultar completamente dez anos de discussões
preliminares.
Esse vasto projeto de liberalização das trocas comerciais e dos
investimentos está sendo agora acelerado – aceleração espetacular – sem que
nenhum eleitor europeu tenha votado coisa alguma. Não por acaso.
Nenhum partido candidato ao governo de nenhum país europeu jamais
incluiu essa discussão em suas respectivas plataformas eleitorais – nem, como se
sabe, os socialistas franceses à François Hollande.
No
início do ano, denunciei que Obama estava relançando o mesmo projeto , movimento
imediatamente aprovado por Merkel. Os arcanos da União Europeia debatem portanto em segredo, um mandato
para eles mesmos, que receberão dos 27 ministros do Comércio à Comissão
Europeia, no próximo dia 14 de junho.
As negociações começaram esse ano, no verão! A existência desse projeto
para autorizar esses negociadores e a negociação está bem demonstrada e
comprovada, com data de 13 de março, na página Web do Conselho da União
Europeia, no documento de número 7396/13. Mas é documento secreto! Na página,
lê-se «não acessível». Dado que vários tratados dão à Comissão Europeia
competência exclusiva para legislar sobre matéria comercial, o Parlamento
Europeu não tem poder algum para limitar esse mandato. Mas, de fato, a coisa nem
existe oficialmente. Os deputados europeus estão proibidos de LER os documentos.
O Parlamento Europeu pode, no máximo, manifestar-se em geral sobre essa
negociação, via uma «resolução», exatamente como vota, quase sempre, questões
sobre as quais os deputados nada podem decidir. Assim se devem interpretar as
resoluções votadas em Strasbourg dia 23 de maio, sobre as quais escrevi em meu
blog europeu.
Graças ao jornal L’Humanité, esse projeto de mandato
secreto – que só foi distribuído em inglês – pôde afinal ser conhecido, essa
semana. A matéria está em: “Exclusif.
Humanite.fr publie les bases de travail pour l’accord de libre-échange
transatlantique”.
Nenhum veículo da imprensa-empresa dominante, até agora, deu qualquer
atenção à amplidão da negociação que se anuncia. No máximo, fala-se de um debate
aberto há dez anos, sobre o lugar do audiovisual e a exceção cultural que há no
acordo. Mas o mandato secreto que está para ser votado secretamente na Comissão
Europeia prova e comprova que todo o conjunto da economia e todos os serviços
públicos em toda a Europa estão às vésperas
de enfrentar nova onda de liberalizações [e a correspondente privataria], caso
esse acordo seja assinado.
O que faz François Hollande nessa hora? Nada! No máximo, «informa-se»
passivamente sobre o que Barack Obama e
Angela Merkel decidam. Na reunião dos dias 7-8 de fevereiro, o Conselho Europeu
declarou-se, literalmente, com o aval de Hollande, que não disse palavra, «a
favor de um acordo comercial global entre a União Europeia e os EUA».
E desde 13 de fevereiro, sempre sem que Hollande dissesse coisa alguma,
é em Washington que o nome do novo acordo foi selado por Barack Obama com
Barroso e Van Rompuy. Por baixo da mesa!
O projeto se chamará «Acordo de Parceria Transatlântica para o Comércio
e o Investimento», do qual só se fala sob uma sigla secreta, em globalês, «TTIP»
(Transatlantic Trade
and Investment Partnership). Obama e os dois dirigente não eleitos
da União Europeia definiram o objetivo do acordo: «acelerar a liberalização do
comércio e do investimento». Nesses termos, a autoridade para negociar em nome
de todos os países europeus, será entregue à Comissão Europeia ,
definitivamente, dia 14 de junho próximo, pelo Conselho de Ministros do
Comércio. «Legalizado» o negócio, e com o mandato para negociar outorgado à
Comissão Europeia, as negociações finais poderão acontecer à margem da reunião
do G8, dia 17 de junho, como propôs o britânico David Cameron. E Hollande...
mudo. Não disse uma palavra sobre nada disso, ele, que representará a França na
reunião do G8.
Tudo isso anda muito depressa. Tudo poderia passar completamente
despercebido, como sempre, e os veículos da imprensa-empresa continuariam na
tarefa de tudo esconder. Mas os amigos da cultura europeia reagiram.
Já comentei a catástrofe que esse acordo atrairá para o mundo do cinema
europeu. O pessoal reagiu com firmeza. Até agora, o cinema europeu é o único
setor que já se manifestou. As atividades do cinema europeu são efetivamente
protegidas na Europa por mecanismos de incentivo público, mas também por leis de
difusão, como as quotas obrigatórias para canções em francês, ou a obrigação de
exibir número mínimo de filmes franceses. Do ponto de vista da liberalização do
comércio, como pretende o acordo, todas essas leis de proteção ao cinema francês
são obstáculos a serem eliminados. Mas, na verdade, todos os setores de
atividade serão atingidos.
De início, houve os que usaram a batalha
pela «exceção cultural» para mascarar a aceitação do resto do texto; para usá-lo
como árvore que oculta a floresta das liberalizações & privatarias. A lei
secreta preparada pela Comissão Europeia fixa, como objetivo, a constituição de
um «mercado transatlântico integrado». Visa à «liberação do comércio de bens e
de serviços e de investimentos, com especial atenção à supressão de barreiras
regulamentadoras inúteis ». Exige que o acordo seja «muito ambicioso, indo além
dos compromissos de liberalização da OMC». Vocês entenderam bem? [2]
Consideremos a coisa, mais de perto. Essa operação de neoliberalização
geral tem vários aspectos. Começa pela «supressão total dos direitos de
alfândega» sobre produtos industriais e agrícolas. Só no item «tarifas», o
acordo já é prejudicial aos europeus. Segundo os números da Comissão Europeia, a
taxa média de direitos de alfândega é de 5,2% na União Europeia e de 3,5% nos
EUA. Significa que, se as taxas caírem a zero, os EUA levam vantagem superior a
40%, na concorrência com a União Europeia. Essa vantagens para produtos
fabricados nos EUA será ainda maior, por causa da fraqueza do dólar em relação
ao euro. Assim, só considerado o item quantitativo, o acordo será verdadeira
máquina de exportação de empresas e postos de trabalho. O que agravará o
desemprego na Europa. Até a Comissão Europeia reconhece, meio envergonhadamente,
no estudo de impacto que encomendou, que o tratado provocará «queda importante»
da atividade econômica e do emprego no setor metalúrgico. No setor
metalúrgico?!
Há em seguida o aspecto não tarifário do acordo. Não só a produção sofrerá, mas haverá
impacto também sobre o conteúdo das leis nacionais europeias. O projeto fala de
«reduzir o peso dos custos resultantes de diferenças na regulamentação» . Propõe
«buscar novos meios para impedir que as barreiras não tarifárias [quer dizer: as leis] limitem a
capacidade das empresas europeias e norte-americanas para inovar e competir em
melhores condições nos mercados mundiais». Barroso explicou que «80%
dos ganhos que se espera obter do Acordo virão da redução do peso das muitas
leis e da burocracia». Significa que os androides da Comissão Europeia veem
nesse acordo a chance de avançar ainda mais, em relação ao que já temos hoje, na
desregulação. O que os incomoda é «o peso» da lei.
Para liberalizar o acesso aos mercados, a União Europeia e os EUA terão
de impor suas leis em todos os setores, porque qualquer norma protecionista (que
não seja de proteção da indústria e do
agrobusiness
norte-americanos) é considerada obstáculo ao livre comércio. Ora bolas!
Diferente do que dizem a Comissão Europeia e seus papagaios de repetição
liberais e sociais-democratas no Parlamento Europeu, os EUA e a Europa não têm
«normas de rigor análogo em matéria de emprego e proteção ao meio ambiente». A
verdade é que os EUA fogem hoje de todos os enquadramentos do direito
internacional em matéria ecológica, social e cultural. Não assinaram várias
convenções importantes da OIT sobre direitos do trabalho. Não aplicam o
Protocolo de Quioto contra o aquecimento global. Recusaram a convenção pela
biodiversidade. E recusaram também as convenções da UNESCO sobre diversidade
cultural. Todos esses documentos foram subscritos por países europeus. A regra
praticamente geral, que se aplica praticamente sempre, é que leis
norte-americanas nesses assuntos são mais frouxas que as leis europeias.
Um mercado comum com os EUA à frente, e desregulamentado, puxará cada
vez para mais baixo, toda a Europa. Se se precisar de exemplo do espírito dos
conglomerados norte-americanos, um bom exemplo vem de Bangladesh. Os
conglomerados europeus acertaram-se para discutir normas que, segundo eles,
impediriam que se repetisse o horror que se viu em Bangladesh. Os conglomerados
ianques não querem nem ouvir falar em discutir coisa alguma. Regulações? Nem
pensar. Considerem-se, portanto, todos, bem avisados. (...)
E a agricultura! Aí, o horror é total. O acordo exporia os europeus a
deixar entrar o pior que é produzido pelo agronegócio norte-americano: carne com
hormônios, aves lavadas com cloro, organismos geneticamente modificados, animais
alimentados com farelo animal contaminado. E, isso, sem falar que os EUA têm o
mais falho sistema de traçabilidade do planeta. Não conhecem, sequer,
«indicações geográficas protegidas». Para eles, apelações como Bourgogne ou Champagne são substantivos
genéricos, cujo uso deve ser livre. É o que basta para poderem vender vinho
«Champagne» produzido na Califórnia. E por aí vai. Vai agradar muito à ministra
da Universidade, de Hollande: fala inglês e beberica Bordeaux do Tennessee!
E tem também, é claro, a privataria!
Mas não acabou. O projeto de acordo traz outras más notícias. Lê-se ali
que a negociação tratará também da «política de concorrência, incluindo
dispositivos sobre concentrações, fusões e falências». E os que esperavam
que os serviços públicos seriam protegidos, lá está, bem claro, que «o acordo
abrangerá os monopólios públicos, empresas públicas e empresas de direito
específico ou exclusivo». O acordo visa ainda à «abertura dos mercados
públicos em todos os níveis: administrativo,
nacional, regional e local».
Estão
tontos ?! Pois o delírio continua.
O acordo diz claramente que lutará contra o impacto negativo de
barreiras como «critérios de localização». É quase inacreditável. Por exemplo: será «ilegal» criar circuitos
locais, curtos, de autoabastecimento de coletividades locais.
Como já se adivinha, o aspecto financeiro é o principal, no espírito dos
promotores do TTIP. Cobre tudo,
em matéria de investimento e finanças. Em matéria de investimentos, o acordo
visa a alcançar «o mais alto nível de liberalização existente nos acordos de
livre troca». Medidas específicas
de «proteção aos investidores» serão negociadas, incluindo «um regime de
conciliação dos contenciosos entre os Estados e os investidores».
Por trás dessas fórmulas obscuras,
trata-se de dotar os investidores de direitos especiais e de procedimentos
preferenciais supranacionais, pondo-os em posição superior às leis e aos
direitos dos Estados. É a mesma lógica que se viu no «Acordo Multilateral sobre
Investimentos», AMI, que os EUA tentaram impor em 1998 [3] e que foi abandonado sob pressão de mobilizações populares e porque a
França o rejeitou declaradamente. [4] O acordo que Jospin espantou para longe, volta agora pela janela. E,
agora, François Hollande está de acordo!
Mais uma boa notícia para a grande finança: o projeto favorece uma
«liberalização total dos pagamentos correntes e das movimentações de
capitais». É um maná para as praças financeiras anglo-saxônicas menos
regulamentadas e mais especulativas. Os gigantes norte-americanos do crédito
hipotecário poderão assim vender seus papéis podres na Europa, nas mesmas
condições sob as quais os vendem nos EUA. Que benfeitores!
Como já expliquei, acordo desse tipo com os EUA seria erro geopolítico
histórico. Ao longo dos últimos 10 anos, o Império viu todos os seus esforços de
liberalização do comércio mundial serem sistematicamente bloqueados na
Organização Mundial do Comércio, OMC, pela resistência crescente dos países do
Sul. Então, o Império lança olhos para a Europa.
A Europa produz 50% da produção mundial.
Aqui, portanto, os EUA tentam reconstituir sua dominação, que hoje cai aos
pedaços na competição contra a China. Trata-se para eles, simplesmente, de impor
a lei norte-americana a todo o mundo. [5] O projeto em construção na Comissão
Europeia não faz segredo do que está fazendo: diz que as regras
comuns a serem fixadas para Europa e EUA deverão «contribuir para o
desenvolvimento de regras mundiais». Em resumo, é acordo que amadureceu ao
mesmo tempo que a teoria do «choque de civilizações», teoria da qual é a
tradução geopolítica.
Temos de fazer gorar o Grande Mercado Transatlântico
O Parlamento Europeu, até agora, decidiu que a Comissão Europeia é
representante europeia para inventar o tal Grande Mercado Transatlântico. Que
fique bem claro: o texto elaborado pelo Parlamento Europeu não tem qualquer
valor de lei, ou normativo. É o projeto de uma resolução. Examinemos o contexto
político em que estamos, porque é fator decisivo para o que proponho adiante.
Os sociais-democratas capitularam. Não. Eles estão eufóricos,
entusiasmadíssimos. O relator acaba de declarar que conta com esse grande
mercado para «reindustrializar a Europa»! É de dar vergonha! Na sequência,
repete o discurso confuso desse tipo de político: «traçar linhas vermelhas»,
«negociar com firmeza» e o blá-blá-blá de sempre. Consternador. O presidente da
Comissão de Comércio é socialista. E festeja que as negociações estejam
começando. Diz que não é necessário abandonar a discussão de alguns aspectos,
como o aspecto cultural do acordo. Resumindo: para ele, está ótimo! Não fosse a
intervenção do socialista francês Henri Weber, os socialistas já estariam
falando como perfeitos sociais-democratas! O que mais me espanta é que, para
eles, o acordo é perfeito. O tal grande mercado só traria benefícios. Sequer uma
suspeita, uma, que fosse, ante a propaganda da Comissária, que garante
crescimento de 2%, a partir do momento em que inventarem o tal grande mercado. E
desconfiar, aí, é absolutamente necessário. Se somássemos todos os
«crescimentos» que nos prometem em cada acordo que assinam, a França já teria
crescido duas Chinas!
Aqui, o acanalhamento dos sociais-democratas corresponde mais ou menos
ao que se vê em todos os partidos nacionais. Os socialistas franceses são
inexistentes. Já não têm influência nem sobre os próprios deputados. É resultado
que tem tudo a ver com a grande variação de posições dentro da política
europeia. Mas tem muito a ver, também, com a evidência de que estão presos sob
dupla pressão. De um lado, há os deputados alemães, que dominam o grupo
social-democrata. E cada vez mais atuam em coordenação absoluta e permanente com
deputados alemães de outros grupos políticos. De outro lado, são pressioinados
pelo Eliseu, interessado em firmar e avalisar qualquer acordo com o governo
alemão. Há inúmeros sinais desse arranjo. Não há outra explicação possível para
o voto inacreditável dos sociais-democratas contra a proposta de que o
Parlamento Europeu debatesse a ajuda alimentar para povos europeus. Todos se
lembram que a discussão foi suspensa, de fato, pelo governo alemão. No caso da
negociação transatlântica, os alemães não estão muito preocupados. Os alemães
não estão em concorrência direta contra os EUA, nos setores vitais de sua
economia.
Em termos gerais, eis o que vai acontecer. A social-democracia europeia
não perderá o sono, passados os primeiros instantes de choque. Já abraçaram o
acordo. O Partido Socialista francês vai concentrar-se exclusivamente em excluir
do projeto o domínio do audiovisual. Se conseguirem alguma coisa, apresentarão
qualquer coisa como enorme vitória; e todo o resto do projeto do Grande Mercado
Atlântico será aceito. Todas as marionetes da [rua] Solferino [sede do Partido
Socialista] tocarão trombeta sobre o assunto, para que todos engulam o tratado.
A justa reivindicação de exceção cultural, será usada como cortina de
fumaça.
Para os Socialistas, pior seria se se tivesse discutido a exceção
cultural desde o início: seriam obrigados a combater todo o projeto de acordo, o
que facilitaria a nossa vida. Seja como for, a luta dos que se opõem ao tratado
UE-EUA contará com o apoio de vozes prestigiadas do campo cultural. Eles falarão
sem parar enquanto durar a negociação. E nós também falaremos. Não há dúvidas de
que, em pouco tempo, com a discussão posta na rua, os agricultores e as
associaçãoes de saúde pública também entrarão no debate – porque todos esses
rapidamente entenderão que também estão ameaçados.
Verdade é que toda a civilização europeia como a conhecemos foi
construída sobre intervenções do Estado. E o que acontecerá quando os cidadãos
afinal perceberem que a questão chave de todos os debates no Parlamento Europeu
e na Comissão Europeia é sempre, e só, a Defesa e as grandes indústrias
fabricantes de armas e armamento?
O Grande Mercado Transatlãntico é a anexação da Europa pelos EUA. Que
bandalheira! Nada restará de algum ideal europeu, com esse grande mercado. Nosso
presente estará destruído e nosso futuro, em impasse. Que Europa
restará, se já não se puder buscar harmonizar salários, ou impostos, e nenhuma
cooperação for sequer pensável? A livre concorrência atropela todos esses
projetos. Se os projetos europeus insistirem em não morrer, choverão sanções
sobre eles... A prova desse funcionamento de coerção vê-se já no Canadá, já
processado em bilhões de dólares por «entraves» que o país teria criado à livre
concorrência. Esse tratado de livre comércio transatlântico comandado pelos EUA
decretará, se aprovado, a dissolução da União Europeia, que se liquefará no
mercado único dos EUA.
Nós, os partidos de esquerda da Europa do Sul, sabemos que a palavra
radical e o programa radical não vivem, um sem o outro. É hora de todas as
táticas e estratégias de pressão, discussão e manifestações sem parar.
Nossos amigos da América do Sul conseguiram fazer gorar a ALCA, projeto
semelhante pilotado pelos EUA. Temos de ter a mesma meta, sem descanso: fazer
gorar o Grande Mercado Transatlântico!
Notas
dos tradutores
[1] Le grand marché
transatlantique, Bruno Leprince Ed., Paris,
2012.
[2] A
recente eleição do diplomata brasileiro Roberto Azevedo para dirigir a OMC, o
qual tomará posse em setembro, muito mais do que indicar que “o mundo se curva
ao Brasil potência” – como escreveram alguns mal-informados metidos a
nacionalistas informadíssimos – indica, isso sim, que há grande número de países
que se opõem ao TTIP e que se reuniram em torno do candidato que
manifestava a posição desses países. Ali, esse grupo venceu com larga margem de
votos. De fato, o que se vê hoje é uma gigantesca, planetária, queda-de-braço
entre “o capitalismo versão ocidental, gerido por estado capitalista, e o
capitalismo gerido por estado comunista (chinês)” (ver especialmente as p.
10-11, item 18, do texto do acordo que está em discussão, publicado
por L’Humanité, (em inglês).
O Brasil está no meio desses dois blocos, tentando uma via
própria, especialíssima, pacífica, negociada (Santo Darcy Ribeiro , nos ajude! Valha-nos
São Chávez!) E os BRICS, além de muitos países «pequenos» ou «pobres» da OMC
veem no Brasil hoje governado por nossos governos Lula-Dilma uma possibilidade
de resistir a esse movimento de assalto pelas corporações norte-americanas. Isso
também estará em disputa nas próximas eleições presidenciais no Brasil.
Dificilmente se poderia pensar em eleição mais crucialmente importante para os
dois lados: para os neoliberais da privataria e tucanaria udenista
golpista (que tentam voltar ao poder no Brasil, para fazer reverter os avanços
democráticos que o Brasil alcançou, e realinhar o Brasil, de cima a baixo, à
banqueirada de Wall Street) e para os brasileiros que elegemos os governos
Lula-Dilma (que precisamos preservar os avanços democráticos já conquistados,
por pequenos que ainda sejam, mas, de fato, a qualquer preço e custe o que
custar. E que, pelo visto, teremos de fazê-lo sem discurso político consistente
e sem partido que preste).
[4] “Para a obtenção de empréstimos
internacionais do FMI e do BID, o governo FHC aceitou algumas regras que tinham
sido propostas no Acordo Multilateral de Investimentos (AMI) mesmo ainda não
aprovadas. O governo de FHC se comprometeu a não utilizar qualquer tipo de
controle sobre investimentos, remessas de lucros e dividendos e o movimento de
capitais. Garantiu a não adoção de qualquer política industrial ou comercial
restritiva ao capital estrangeiro. Prometeu, também, a automática elevação da
taxa interna de juros, em caso de perda de reservas ou aumento da inflação, e
permitiu que o FMI tivesse o controle informal das nossas políticas monetária e
fiscal”. (Associação dos Engenheiros da Petrobrás, em: “DIPLAPIDAÇÃO DA
SOBERANIA”.
[5] Gosto
de chamar esse acordo de “a nova OTAN”
– disse Andras Simonyi, embaixador da Hungria na Organização do Tratado do
Atlântico Norte, OTAN (L’Humanité, loc.
cit.).
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