Publicado
em 02/05/2013 por Urariano
Motta *
Recife
(PE)
- Ouço agora nos ouvidos e no peito o frevo “Ultimo dia”.
Ouço
no peito porque esse frevo, que é anúncio de alegria e despedida com um título
tão definido e definitivo, expressa também o sentimento que tenho em relação a
meu próximo romance, editado pela Bertrand Brasil. Digo meu e paro, porque devia
dizer nosso romance, pois “O filho
renegado de Deus” é um livro que escrevemos, eu, vocês, nossas vidas, nossas
histórias e nossas infâmias. Mas que ainda assim é um livro terno e carinhoso.
Como? Não sei de que cachorro doido é feito o homem, porque encontra lugar entre
as crueldades para a ternura.
Tentarei
explicar. Ainda ontem conversando com o meu filho, que depois de ler o romance
me falou da realidade que descobrira, eu lhe disse que assim era porque o livro
narra os crimes que temos debaixo do nariz, todos os dias, e não vemos. Mas que
crimes são esses?
Em
termos simples, o livro fala do desejo de amor impossível de Maria, mulher
gorda, baixinha, semianalfabeta, no Recife dos anos 50. Notem o imenso paradoxo
para todos os preconceitos: ser mulher, gorda e baixinha, tida como albacora, em
um Recife tão cruel, tão raivoso e canino, de morder e uivar, na década de 50.
E
que mais?
É
que, contrariando a nossa ânsia de modernidade, esse crime que discrimina
pessoas e leva à morte, continua atual, amigos. Continua presente, agora mesmo,
onde houver gente que não precisa ser gorda, nem baixinha, nem se chamar Maria,
mas que é mulher ao seu lado, à sua vista, agora mesmo.
Leitor,
olhe as camareiras do hotel. Olhe as operárias. Olhe as vizinhas, as empregadas
domésticas, as faxineiras, as balconistas.... olhe a sua mãe, que se mata ou se
matou sem um afeto, quantas Marias!
É
claro que o romance “O filho renegado de
Deus” está entre a intenção de ser revanche contra uma ordem odiosa e a
pretensão de ser uma obra de arte. Não sei se consegui, mas sei que nele
empreguei as minhas melhores forças e reservas.
Se
falhei, não foi por falta de ambição, acreditem.
Estava,
estou, estamos todos já fartos do mais ou menos, da paixão que se recolhe entre
punhos de seda e regras de bem falar e conviver em sociedade.
Chega.
A vida urgente repele a falsidade.
Mas
atenção, o livro não é uma tese. Não é um discurso de palanque, não está na
campanha eleitoral, nem na moda. É um romance. Da orelha do livro
copio:
O
Filho Renegado de Deus
faz
uma denúncia e uma longa oração de amor para as mulheres vítimas da opressão
cultural e de classes no Brasil. É um romance para a reflexão de todos os homens
que conhecem as Marias encarnadas no espírito e na carne da Maria das páginas a
seguir. Um livro que é, ao mesmo tempo, uma ressurreição e um acerto de
contas.
Neste
romance, o ajuste, o coração e o lirismo andam juntos, unidos, porque o livro
pune e desnuda, no mesmo passo em que procura compreender no opressor um também
oprimido. Mas cujo crime é indesculpável. Toda Maria de todos os tempos, na
pessoa da Maria do romance, executada pelo desprezo e pela situação de nada ter,
nem mesmo a própria vida...
Este
livro fala para as mulheres violentadas, para toda mulher que não é respeitada
como pessoa, mas tão somente como um corpo. E fala também para todos os homens,
que não podem viver em uma sociedade tão mutiladora.
Ou
como escreveu Maria Inês Nassif:
O
Filho Renegado de Deus consagra um estilo. Urariano Mota tece histórias e
personagens trafegando por realidades sociais e políticas, aprofundando o efeito
devastador das injustiças e preconceitos sobre a
humanidade.
Ele
escreve:
Ama-se
um gato, ama-se um cachorro, um papagaio, uma flor que ninguém quer ou vê.
Talvez esse amor que deriva e vaga por objetos e coisas que não respondem, ou
respondem abaixo da fome de amar, talvez sejam os sintomas do afeto que procura
no mundo um indivíduo que lhe responda. Ou, quem sabe, o amor elástico, amplo e
plástico onde tudo cabe.
O
lançamento é na quarta-feira 8 de maio de 2013, às 19 horas, na Livraria Cultura
do Paço Alfândega.
Termino
agora o texto e ainda escuto no peito o frevo Último Dia. Isso quer dizer,
amigos: toca e tocará o primeiro dia para uma certa Maria, que sai do túmulo e
do esquecimento.
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Enviado por Direto da Redação
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