sexta-feira, 3 de maio de 2013

Carta de Ray McGovern (colaborador) a Robert Parry (editor) do blog Consortiumnews


Para os “jornalistas” brasileiros empregados dos “jornalões” (jornalecos do Grupo GAFE) morrerem de vergonha...

30/4/2013, Consortium NewsRay McGovern
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu



Ray McGovern
Estou na estrada, falando a universitários, grupos religiosos e norte-americanos comuns que vivem fora do “cinturão” de Washington. E quanto mais ando, mais se surpreendo ao ver que instituição rara, preciosa, esse blog Consortiumnews é hoje, passados 18 anos da sua criação. Opera dentro do “cinturão” de poder de Washington, mas conseguiu não ser cooptado pela rala sabedoria convencional de Washington.

O blog mostrou-me (e não só a mim) que horrível esgoto é o jornalismo comercial profissional. Dizer que Consortiumnews distingue-se na comparação com a cada vez mais rasteira “mídia dominante”, é diminuir Consortiumnews, mas... Que diferença!

Aprendi muito sobre jornalismo afirmativo, de posição, e sobre como as suas altas exigências de comprovação diferem das análises/relatos “de inteligência em curso” com as quais comecei a trabalhar há 50 anos.

E não falo só do rigor em relação às fontes e da incansável busca de confirmação independente. Falo de outros trabalhos que Consortiumnews faz – como a empreitada de procurar material explosivo em caixas deixadas em lugares como toaletes femininas abandonadas em estacionamentos do Rayburn House Office Building.

Durante as quase três décadas em que vivi encarnação de analista da CIA, tudo era diferente. Dentre outras coisas, nunca precisei cavar e cavar à busca de informação aproveitável. Quantidades copiosas de material de fonte primária da minha área (comecei como analista de política externa soviética) jorravam diretamente no escaninho da minha sala, seis ou mais vezes por dia, trazidas por portador do Centro de Operações da CIA, que empurrava um carrinho de supermercado. Exceto pelas inescapáveis conversas quase sempre ocas, com um ou outro especialista de academia, com algum diplomata ou militar, eu vivia com meu traseiro confortavelmente sentado e, por dias inteiros, meu único trabalho era ler e escrever.

Recente lembrete que você publicou, de que Washington sempre zomba da inteligência russa, quando os russos tentam cooperar com os EUA, foi muito útil – para não ter de fazer a longa lista de outros lembretes desse tipo, arrancados de fontes mais normais e acessíveis (mas sempre negligenciadas pela imprensa-empresa comercial) – como as bibliotecas e arquivos presidenciais de George H. W. Bush, Ronald Reagan e Lyndon Johnson.

Os artigos distribuídos por Consortiumnews mudaram o modo como entendemos nossa história moderna, revelando, por exemplo, como a Casa Branca de George H.W. Bush orquestrou todo o trabalho para ocultar o escândalo dos “Contra” do Irã; como Reagan deu luz verde para o genocídio na Guatemala; como Johnson fez sumir todas as provas da “traição” de Richard Nixon, na Guerra do Vietnã.

De um ponto de vista mais pessoal, eu, como você sabe, trabalhei bem perto de George H. W. Bush (o pai) (muitas vezes bem perto, isso sim, de ser demitido), quando ele foi diretor da CIA; naquela época, eu lhe falava dia sim, dia não, para atualizá-lo, durante seus primeiros quatro anos como vice-presidente. E Bobby Gates trabalhou para mim por dois anos, no início dos anos 1970s, quando eu chefiava o setor de Política Soviética Externa da CIA. Sempre pensei que os conhecesse bem; Gates sempre me pareceu corrompido por omissão (o que escrevi em sua “avaliação de eficiência”); de Bush, de fato, pouco conheci do que houvesse por baixo do ar solene, do visível interesse pelo que lhe dizíamos e do senso de humor.

Mas jamais consegui entender por que Bush consumiu tanto capital político para dobrar espinhas senatoriais, até conseguir que Gates fosse confirmado no cargo de diretor da CIA – apesar do envolvimento de Gates no escândalo dos “Contra” do Irã. Envergonho-me de confessar que jamais me passou pela cabeça que Bush estivesse, ali, premiando o seu principal cúmplice naquele escândalo.

Depois do que li em Consortiumnews, sobejamente comprovado, agora já entendo. Gates sabia, digamos assim, onde estavam enterrados muitos, se não todos, os cadáveres do escândalo dos “Contra” do Irã. Sabia também o quanto, muito profundamente, o próprio Bush estivera envolvido. Por isso, do ponto de vista de Bush, era desesperadamente necessário que Gates fosse posto na exata posição na qual teria meios para encobrir tudo. E Bush o pôs precisamente ali.

Sem Consortiumnews, o povo norte-americano tampouco saberia sobre a estranha instrução escrita por Walt Rostow, assessor de Segurança de Johnson – “esse envelope não deve ser aberto antes de decorridos 50 anos” – para esconder os documentos que comprovam que e como Nixon persuadiu os sul-vietnamitas, pouco antes das eleições de 1968, a fazer gorar as conversações de paz que teriam posto fim à guerra do Vietnã e evitado mais quatro anos de matança.

A imprensa-empresa comercial nunca quer saber dessas verdades bem documentadas – afinal, quantos embaraços! – mas observei que algumas daquelas realidades vivem e sobrevivem, mesmo que jamais noticiadas, numa narrativa expandida e correta da história dos EUA.

Semana passada, o “Citizens Response”, em Dallas, sobre “As Mentiras Enterradas” de George W. Bush, pediu-me que comentasse a primeira fala (de Kathy Kelly) e que a apresentasse via Skype. Estremeci, só de pensar! Por quê? Porque se há verdade abundantemente demonstrada ao longo da última década, é a seguinte: jamais será possível, nem que me dessem todo o dia, listar todas as mentiras de Bush Filho. E já me estavam dando o programa inteiro, 15 minutos.

Mas, com seu artigo no qual se listam boa parte das mentiras e desonestidades de opinião e de julgamento de Bush, a tarefa ficou muito mais fácil. Sei que muitos dos meus amigos, reunidos em Dallas para protestar contra a festa de Bush, leem regularmente nosso Consortiumnews e muitas outras páginas que reproduzem e redistribuem o que publicamos.

Despreocupei-me, portanto, porque sabia que muitos já teriam lido o seu comentário sem meias palavras: “Eis o que eu teria feito, se estivesse no lugar de Bush – o que penso que Bush deveria ter feito.” Você, assim, me poupou de ter de devotar a isso aqueles meus preciosos 15 minutos.

Consortiumnews é também especial, porque publica não só rigoroso jornalismo investigativo, mas também análises de ex-analistas de inteligência com os quais me orgulho de ter trabalhado – analistas excepcionais, como Mel Goodman, Paul R. Pillar e Elizabeth Murray – e os comentários incisivos, às vezes brutalmente claros, de intelectuais religiosos, como Dan Maguire, Paul Surlis e Howard Bess.

Embora tenha de escrever quase que exclusivamente textos para palestras e conferências nas próximas semanas, nesse tour pelo país, espero conseguir enviar-lhe meus artigos, como sempre.

No começo deste abril/2013, comemorei 50 anos do início de minha carreira como analista da CIA. Vistos de hoje, tenho de dizer que nunca, na minha vida, as coisas foram tão, digamos, “interessantes” e cruciais.

Mais uma vez, os cidadãos norte-americanos estão sendo enganados – malnutridos e desnutridos de informação de boa qualidade, pelas Empresas-imprensa de Adulação. Em tempos assim, ainda mais, considero um privilégio escrever para, e aprender desse, Consortiumnews.

Será que os EUA afundar-se-ão em mais uma (ou duas) guerra(s), agora que se aproxima o 100º aniversário da 1ª Guerra Mundial – uma guerra que virtualmente ninguém desejava? Observe as semelhanças entre o que se vê hoje e o que o historiador Christopher Clark disse da guerra de 1913, em seu best-seller: The Sleepwalkers: How Europe Went to War in 1914 [Os sonâmbulos: como a Europa foi à guerra em 1914].

Vêm dias desafiadores pela frente. E uma base de informação confiável, como Consortiumnews, permanecerá indispensável.

Ray McGovern
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Nota dos tradutores: O blog Consortiumnews está em campanha para arrecadar dinheiro para manter o bom jornalismo que faz. Se você quer doar e/ou tem contatos nos EUA, divulgue e mande divulgar a PÁGINA PARA DOAÇÕES (as traduções são trabalho voluntário, gratuito).  

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