quinta-feira, 9 de maio de 2013

Os EUA não ultrapassarão os BRICS

Comentário entreouvido na Ponta do Prego (na Vila Vudu): Mostra esta tradução Dona Míriam Leitão, a Urubóloga, e óóóótimos gráficos prô Sardenberg mostrar no jornal (?) da globo [gargalhada (respira) gargalhada].


9/5/2013, Mark Adomanis, The BRICS Post
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu


Ruchir Sharma
Ruchir Sharma, autor de “Broken BRICs”, que a revista Foreign Affairs não se cansa de citar e elogiar e, portanto, a imprensa-empresa no Brasil só faz repetir e papaguear até quando finge que “critica” [1], escreveu, em resumo, que:

A China só conseguiu criar uma classe média confortável e dependente demais da construção de novas estradas e fábricas, e não conseguirá crescer em ritmo de dois dígitos. A extrema dependência russa, de petróleo e gás, produziu uma classe de petromagnatas que converteu Moscou em capital da decadência, que faz lembrar os últimos dias da Roma Antiga. O Brasil tem tanto medo da volta da volatilidade econômica dos anos 1980s e 90s [anos negros dos governos da tucanaria Chicago-Sorbonne-uspeana], que se dedica quase exclusivamente a proteger as pessoas do sofrimento econômico, produzindo um dos mais fracos crescimentos dentre os mercados emergentes. A Índia, que chegou a ser propagandeada como a próxima China, já cedeu ao crescimento lento no ano passado, mas é difícil estimar as possibilidades reais, nesse caso, por causa da fragmentação em uma coleção e economias estaduais.

Mark Adomanis
Na medida em que se considere que Sharma opera a partir da extrapolação direta de tendências lineares (se a China cresceu 10% durante os anos 2000s, “então” continuará a crescer 10% eternamente) seu argumento é aproveitável.

Escrevi sobre a demografia russa, e argumentava ali, com dados, para demonstrar que a projeção linear é extremamente problemática e que os analistas têm de incorporar dados e observações novas em suas análises ou suas teorias vão-se separando da realidade. Aconteceu com as “teorias” da despopulação constante da Rússia, com consequente declínio da economia do país; e pode-se dizer que aconteceu também com algumas “teorias” da ascensão dos BRICS, como se pudesse acontecer sem problema algum.

Mas Sharma parece argumentar contra um espantalho de palha, argumento que não encontrou eco nem entre os mais empenhados catastrofistas, pregadores da falência dos BRICS. Não tenho notícia de ninguém, mesmo entre os mais furiosos “declinistas”, que tenha sugerido que a história seguiria para sempre, exatamente como andou durante os anos 2000s e que o crescimento meteórico dos BRICS naquela década seguiria eternamente. De fato, se se ouvem os pronunciamentos dos ministros dos BRICS, sobretudo os ministros de Finanças e Comércio, nenhum soa arrogante ou autossuficiente: soam, sim, contidos, modestos, focados na solução de problemas, os quais, é claro, para eles, não são poucos.

A questão da crescente importância dos BRICS é muitíssimo mais sutil que a história que Sharma opera para desqualificar. Como sempre, injetar uma boa dose de dados atualizados ajuda a discutir com clareza. Abaixo, vê-se um gráfico que mostra como se comportou a paridade do poder de compra do PIB (ajustado) dos EUA e dos BRICS desde 2000, e a parte que lhes corresponde, respectivamente, da economia mundial. Para construir esses gráficos, usei dados do Banco Mundial de 2000-2011, números consensuais de crescimento para 2012, e previsões conservadoras, baseadas, bem de perto, em projeções do FMI para 2013. 

A evidência de que os EUA já foram ultrapassados pelos países BRICS chega a ser, como se vê, espantosa:




Naquele excerto de seu livro, e em escritos mais alentados sobre mercados emergentes, Sharma escreve sobre a possibilidade de os países BRICS ultrapassarem os EUA como se fosse uma espécie de sonho irrealizável: coisa que só aconteceria em algum futuro, se algumas tendências se mantivessem e se Brasil, Rússia, Índia e China, que formam o grupo, continuassem a “ter sorte”. Mas, como entendo que esses gráficos deixam bem claro, os BRICS já suplantaram os EUA em termos do tamanho de suas economias, e todas as previsões racionais razoáveis fazem crer que assim continuará, no futuro que se pode antever. Em larga medida, Sharma combate uma batalha que os EUA já perderam. 


E, em termos futuros, é difícil ver como os EUA podem esperar recuperar a vastíssima diferença de terreno que já perderam para os países BRICS. Até a mais tímida e pessimista previsão de crescimento de médio prazo de China e Índia as põem com crescimento de cerca de 5% para a próxima década, e há previsões ainda mais otimistas. Apesar de haver evidente desaceleração, se se consideram as taxas estratosféricas de crescimento dos anos 2000, e por mais que Sharma tome essa desaceleração como sinal de calamidade próxima, vale a pena ter em mente que qualquer crescimento de 5% já é crescimento muito mais rápido do que qualquer coisa que os EUA sejam capazes de obter hoje ou possam sonhar. Só para comparar, 2000 foi o último ano em que o PIB dos EUA cresceu em torno de 4% ou mais (o segundo melhor número foi os 3,5% de 2004, mas, em retrospecto, aconteceu durante o auge da bolha imobiliária, absolutamente ensandecida e insustentável).

Observado no longo prazo (50 anos), a queda do PIB dos EUA é espantosa:


O PIB dos EUA está desacelerado há várias décadas, em meio a uma variedade de situações externas e ao longo de governos Democratas e Republicanos, sem diferença. Além disso, a recuperação depois da crise econômica de 2008-09, a qual, só ela, já gerou recessões muito mais agudas que em momentos anteriores, foi e está sendo muito mais lenta do que se viu em experiências passadas. Na medida em que se pode confiar em projeções, o crescimento do PIB dos EUA permanecerá em torno de 2% ao longo de todo o período 2011-13: é crescimento até decente, se comparado ao europeu, mas muitíssimo lento, se comparado ao crescimento dos países BRICS.

Sugiro outro modo de analisar tudo isso. No período 2000-2012, os EUA conseguiram superar o PIOR desempenho dentre os BRICS, mas só em três momentos: do Brasil, em 2003 e 2012, e da Rússia, em 2009. Em todos os demais anos, ao longo de mais de uma década, o desempenho da economia dos EUA foi pior que o de todos os BRICS.

É repetir clichês dizer que o desempenho passado é o melhor elemento para prever desempenho futuro, mas, se se considera o quadro histórico da economia dos EUA, é impossível não ver bem claramente o crescimento declinante. É possível que essa tendência inalterada ao longo de décadas, que persiste apesar das mais variadas políticas macroeconômicas e comerciais tentadas, nos mais diferentes ambientes externos, seja revertida, como Sharma sugere, repentinamente, mediante o uso do gás de xisto, mais barato. Energia barata, afinal, sempre é melhor que energia cara, e energia doméstica barata é, de todas, a melhor possibilidade.

Porém, “resolver” os problemas da economia dos EUA com energia barata só será possível se todos os problemas atuais fossem realmente provocados só pela energia cara. O consenso entre muitos é que assim se resolve uma inconveniência menor e secundária, não o grande desastre em curso. Como se vê, se se analisa qualquer gráfico dos preços do petróleo, há mínima, e talvez não haja nenhuma, relação causal entre os preços das commodities e o crescimento da economia dos EUA: houve anos de energia barata e crescimento fraco; anos de energia cara e crescimento robusto; e anos em que os dois indicadores andam de lado.

Claro que o acesso pleno a energia abundante não causará dano à economia dos EUA, e espero que o impacto geral será moderadamente estimulante. Mas as raízes do declínio econômico dos EUA, incluído aí o encolhimento da classe média, a concentração de riqueza em círculos cada vez menores, o aumento do endividamento dos universitários, a superdependência do endividamento dos consumidores, são fatores muito mais profundos que o alto preço do gás natural, e não é possível “tratá-los” com fracking, assim como um câncer agressivo não pode ser “tratado” com antibióticos. A correção dos problemas que estão limitando o crescimento dos EUA exigirá concessões, projeto claro e razoável e visão de futuro, precisamente os elementos que hoje faltam completamente no Congresso. O que se tem de prever, como quase inevitável, é que os EUA continuarão a debater-se entre uma crise autoinfligida e outra, como a que está acontecendo desde que Obama foi eleito.

Os EUA continuarão país extremamente rico e poderoso, e “declinarão” em sentido relativo, não em sentido absoluto. Mas declínio relativo também é declínio, e, por esse padrão, o declínio dos EUA já é notável e chama a atenção, porque, principalmente, os EUA já perderam grande fatia de sua parte do PIB mundial. Isso já aconteceu. Há triunfalistas dos mercados emergentes que se excedem, na promoção dos BRICS e há os que subestimam as dificuldades inerentes ao governo e à administração desses países-gigantes.

Mas, se se examinam as evidências, se se olham os dados do crescimento do PIB, é difícil manter a esperança de que os EUA consigam ser bem-sucedidos. E vê-se, bem facilmente, como os mesmos problemas que acossam os EUA ao longo dos últimos 13 anos continuam e, pelo visto, continuarão a acossá-los.


Nota dos tradutores
[1]  Elio Gaspari: “criticou”, mas com rara doçura, crítica doce que a revista (não)Veja reproduziu, porque, afinal, as besteiras do cara deram MUITA bandeira. As gentilezas pretensamente “críticas” estão no blog do Ricardo Setti, em matéria típica do jornalismo brasileiro – que é o pior do mundo – e existe, sobretudo, para jornalista do Grupo GAFE (Globo-Abril-FSP-Estadão) promover jornalista do mesmo Grupo GAFE. Ah! E nem esse blog da Veja, nem o Estadão publicam OS GRÁFICOS acima [risos, risos].

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