21/5/2013, Jeremy Salt*,
Al-Ahram Online, Cairo
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu
Jeremy Salt* é
professor associado de História e Política do Oriente Médio, na Bilkent University, em Ancara,
Turquia.
A
realidade – que não aparece nos veículos da imprensa-empresa mundial – é que as
forças “rebeldes” estão já em colapso e que o regime de Assad impôs-se contra as
gangues armadas por estrangeiros que invadiram a Síria. Assad e seu governo
estão vencendo a guerra. Assim sendo, o que fará o ocidente?
Por
mais que repita que “todas as opções estão sobre a mesa”, Barack Obama já tenta
claramente se afastar de qualquer envolvimento mais profundo na Síria, agora que
já se vê que só um ataque direto, intervenção com ocupação militar, conseguirá
derrubar o governo de Damasco. Só nos últimos meses, as gangues armadas perderam
milhares de homens. Embora o conflito ainda se prorrogue por algum tempo, não há
dúvida, entre os especialistas, de que o Exército Sírio está já muito próximo de
controlar completamente o levante.
Maaz al-Khatib |
Os
patrocinadores dessa aventura estão em total confusão. Como
antes, a Coalizão Nacional Síria já implodira, agora também o Conselho Nacional
Sírio já implodiu. Maaz al-Khatib já é voz apenas marginal. Ghassan Hitto é o
único ser no planeta a ostentar o título de Primeiro-Ministro de um comitê. Toda
essa gente é causa completamente perdida.
No
mundo real, não no mundo dos delírios, há um vídeo de horror em que se vê um
comandante “rebelde” que corta o peito e come, ou pelo menos morde, o coração de
um soldado morto. Discute-se se seria um pulmão, talvez o fígado. Os jornais
parecem inseguros; dão a impressão de que seria importantíssimo identificar com
precisão o exato órgão mastigado. Longe de tentar negar a autoria do ato
canibalesco, o perpetrador assume e apropria-se dele e vangloria-se de como
retalhou, em pedaços, vários cadáveres de shabihas”. Vídeo a seguir:
O
canibalismo parece ser a mais recente inovação, mas a verdade é que não há o que
os psicopatas armados das incontáveis gangues não tenham feito dentro da Síria.
Ou, talvez, não se devesse chamar de psicopatas homens capazes de fazer o que
fizeram? Afinal, quem mais se deixaria arregimentar para guerra tão
absolutamente sem sentido, além de psicopatas?
O
autodefinido Exército Sírio Livre diz que caçará o homem que arrancou o coração
do soldado. Ótimo. Que cace também os “rebeldes” cortadores de gargantas e
“rebeldes” degoladores em geral. Que cace os “rebeldes” que assassinaram
funcionários públicos, antes de jogar os cadáveres pelas janelas do prédio dos
correios em Al-Bab. E aproveite para caçar também seus próprios companheiros de
armas que deliberadamente jogam carros-bomba contra civis.
Ghassan Hitto |
E
que não se esqueça de caçar os assassinos do Imã e de 50 fiéis que rezavam numa
mesquita em Damasco. E, ainda, os estupradores e sequestradores, inclusive os
chechenos que sequestraram dois bispos ainda mantidos em cativeiro em Aleppo ,
enquanto os líderes cristãos dos governos ocidentais fingem que nada têm a ver
com aquilo. Na caçada dos bandidos que macularam a gloriosa reputação do "Exército Sírio Livre", aliás, nem é preciso procurar muito longe, porque há
inúmeros bandidos bem ali, nas próprias fileiras. Provas não faltam. A imprensa
tem vasta coleção de macabros vídeos nos telefones celulares e câmeras de mão,
imagens de rostos muito facilmente identificáveis, porque eles se orgulham muito
do que fizeram e querem exibir-se para o mundo. Essa é a gente que a Arábia
Saudita e o Qatar dedicaram-se a armar pesadamente, e carregaram de dinheiro,
para que tomassem a Síria.
Essa
é a realidade por trás da narrativa de ficção e mentiras que a empresa-imprensa
global distribuiu para o mundo ao longo dos últimos dois anos. Nenhum
jornalismo: só a regurgitação de cada mentira, de cada exagero, de cada
distorção produzida por “ativistas” e pelo chamado Observatório Sírio de
Direitos Humanos, de Londres – segundo o qual o “regime” sírio estaria sempre a
ponto de desabar, várias vezes por dia; e todas as atrocidades eram sempre,
sempre, obra dos soldados sírios. Exceto por alguns poucos artigos assinados
recentemente por Robert Fisk, praticamente nenhum veículo de nenhum grande grupo
da imprensa-empresa comercial no mundo ocidental noticiou eventos e comentou o
conflito do ponto de vista do exército e do governo da Síria.
Bashar al-Assad |
Jornalistas
eram conduzidos através da fronteira por grupos “rebeldes” e só faziam repetir o
que os tais “rebeldes” (eventualmente, canibais) lhes contavam. É como acreditar
em tudo que escreviam os “jornalistas” incorporados às tropas do exército dos
EUA, como se o que relataram fosse o que realmente acontecia no Iraque. E,
também como no Iraque, repetem agora a mesma propaganda sobre “armas químicas”.
Até
que, afinal, a mentira sucumbiu e a realidade apareceu. Quem está em colapso não
é o governo de Assad, mas os “rebeldes”. Daqui em diante, só a intervenção
militar armada e direta, com coturnos em solo, conseguirá salvar os “rebeldes”.
Mas, com o governo sírio já contando com sólido apoio dos russos... Não será
fácil pôr coturnos norte-americanos em solo sírio. Obama continua
pressionado para “fazer mais”, mas não dá qualquer sinal de interesse em
deixar-se sugar ainda mais para o fundo do pântano criado pelos seus “rebeldes”
na Síria. E outros não darão nem meio passo, se os EUA não marcharem à frente. A
Alemanha já se declarou contra qualquer envolvimento; a Áustria disse que já
está fornecendo armas aos “rebeldes”, o que a Grã-Bretanha gostaria de ter
feito, e que, antes do fim do embargo na União Europeia, que terminará dia 31 de
maio em curso, é violar leis internacionais.
Recep Tayyp Erdogan |
Essa
semana, todos os holofotes concentraram-se sobre o Primeiro-Ministro da Turquia,
Recep Tayyip Erdogan, e a viagem que fez a Washington para discutir a Síria com
Barack Obama. A Turquia teve papel central no desenrolar do conflito sírio.
Arábia Saudita, Qatar e Líbia forneceram dinheiro e armas, mas foi a Turquia,
cujo território ficou aberto para a mobilização de gangues armadas que cruzavam
a fronteira para depor o “regime”. Erdogan não se afastou um passo da posição
que assumiu contra Bashar Al-Assad há mais de dois anos. O único caso claro de
uso de arma química em ataque foi o composto de cloro embalado numa ogiva e
disparado contra um posto do Exército Sírio em Khan Al-Assal, que matou vários
soldados e civis. Mas Erdogan continua a repetir que foi o Exército Sírio que
usou armas químicas e que, ao fazê-lo cruzou a tal “linha vermelha” que Obama
inventara. Perguntado, pouco antes de partir para Washington, se apoiaria a
implantação de uma zona aérea de exclusão, respondeu: “Desde o início diríamos
que sim”.
Semana
passada, carros carregados com mais de uma tonelada de C4 e TNT foram explodidos
na província de Hatay, na cidade fronteiriça de Reyhanli. Foram mortas, no
mínimo, 51 pessoas. A destruição foi massiva. Prédios da administração municipal
e dúzias de lojas ficaram soterrados nos escombros. Na sequência, carros com
placas sírias foram destruídos e refugiados sírios atacados por grupos da
região, enfurecidos. Enquanto destruíam, amaldiçoavam Erdogan. A atrocidade
seguiu um padrão já familiar aos sírios: uma primeira explosão e em seguida,
quando as pessoas se aproximam para socorrer os feridos da primeira explosão, a
segunda bomba, para aumentar o número de vítimas.
Apesar
de o governo turco ter declarado que teria sido trabalho de um grupo terrorista
que colaboraria com a inteligência (mukhabarat) síria, só as gangues
armadas ou um dos governos que as apoia teria algum motivo para cometer tamanha
violência. O Exército Sírio está cercando os “rebeldes”, o “conselho dos
traidores” baseado em Doha já implodiu, e norte-americanos e russos estão
sentando para conversar. Aquele ataque foi claramente planejado e executado para
atrair a Turquia diretamente para o conflito, através da fronteira.
Resultado do ataque a Reyhanli (Turquia) tentando levar à intervenção direta na Síria |
O
ataque contra Reyhanli aconteceu uma semana depois que Israel lançou uma série
de ataques selvagens contra a Síria. Não foi simples ataque de um míssil. Dois
ataques em três dias, durando cada um várias horas, com bombardeio cerrado
em torno de
Damasco , sugerem fortemente que o objetivo era provocar
resposta dos sírios, o que abriria a porta para guerra generalizada, na qual até
o Irã poderia ser atacado. Israel alegou que o alvo seria um carregamento de
mísseis destinados ao Hezbollah, mas, embora um centro de pesquisa e uma fábrica
militar de produção de alimentos tenham sido atingidos, não se viu nem sinal de
que algum míssil tivesse sido destruído. Os ataques revelaram-se fracasso
político e estratégico. Imediatamente, na sequência, Putin aplicou “uma
carraspana” em Netanyahu e o castigou, ou fornecendo ou ameaçando fornecer à
Síria mísseis antiaéreos avançados S300. Só a insuperável arrogância do governo
israelense explica que tenha insistido que outros ataques viriam, se
necessários, e que destruiriam o governo sírio, caso houvesse retaliação.
Bill Keller |
Obama
está agora sob pressão doméstica para “fazer mais”. Em Washington, os mesmos que
clamavam por guerra contra o Iraque clamam pela ampliação do conflito na Síria.
O senador Bob Menendez, empenhado apoiador de Israel, como virtualmente todos os
congressistas, apresentou projeto de lei que autoriza o governo dos EUA a
fornecer armas aos “rebeldes” (como se os EUA já não estivessem fazendo
exatamente isso clandestinamente, diretamente ou usando a Arábia Saudita e o
Qatar).
O
ex-editor do New York Times, Bill Keller, apoiou abertamente a guerra do
Iraque e agora quer também que os EUA armem “os rebeldes” e “defendam os civis
ameaçados de ser massacrados dentro das próprias casas” na Síria. Não fala, é
claro, dos civis massacrados pelas gangues já armadas.
O Washington Post acabou
por ter de admitir que o Exército Sírio está em marcha vitoriosa para controlar
o conflito, mas nem por isso desiste de tentar mudar o rumo dos acontecimentos:
“E se os EUA não intervierem na
Síria?” pergunta em editorial, para poder responder-se, o jornal a ele mesmo: a
Síria será fraturada, partida em várias áreas sectárias; a Frente Jabhat
Al-Nusra assumirá o controle no norte e “remanescentes do regime” ficarão com
faixas na parte oeste. A guerra sectária se espalhará e alcançará o Iraque –
como se isso já não tivesse acontecido, consequência da invasão norte-americana
– e o Líbano. Armas químicas cairão em mãos erradas, “o que provavelmente
forçará Israel a intervir, para impedir que cheguem às mãos do Hezbollah ou da
Al-Qaeda”. E, se os EUA não intervierem logo, para impedir que tudo isso
aconteça, Turquia e Arábia Saudita “poderão concluir que os EUA já não são
aliado confiável”.
Há
outras respostas muito mais prováveis àquele “o que acontecerá”. O Exército
Sírio expulsará do território sírio os “rebeldes” sobreviventes; e Bashar
resultará ainda mais popular do que antes, depois de ter enfrentado com sucesso
o maior desafio que se impôs ao Estado sírio em toda a sua história. Haverá
eleições em 2014. Bashar será eleito presidente com 75% dos votos. Essa, pelo
menos, é a previsão da CIA.
RecepTayyp Erdogan (E) e Barack Obama (D) na Conferência de Imprensa de 16/5/2013 |
Erdogan
chegou a Washington também desejando que Obama “faça mais”, mas é mais do que
claro que o presidente dos EUA não quer fazer coisa alguma, muito menos, mais. A
imprensa-empresa turca noticiou que Obama dissera que Assad “tem de” sair [orig.
“must”], mas não foi o que Obama disse. Obama escolheu muito atentamente
cada palavra. Na conferência de imprensa ao lado de Erdogan, ele não disse que
Assad “tem de” sair; disse que Assad “precisa” [orig. “needs”] ir e
“precisa” transferir o poder para um corpo transicional. É diferença
absolutamente importante. Pessoalmente, Obama não quer chegar ao fim de seu
governo afundado numa guerra impopular, que os EUA não vencerão, guerra que,
além do mais, pode muito rapidamente extrapolar o plano regional e converter-se
em crise global.
John Kerry (E) e Sergey Lavrov (D) na reunião de Moscou em 7/5/2013 |
Pesquisa
recente do Instituto Pew mostrou que o povo norte-americano já não tolera
guerras no Oriente Médio. E a conversa entre Kerry e Lavrov indica que, dessa
vez, já deixado para trás o Acordo de Genebra de julho de 2012, os EUA estão
seriamente interessados em negociar um fim para a crise na Síria, mesmo que
outros não considerem ainda sequer essa possibilidade. Se há alguma ameaça a
pesar contra a posição dos EUA, o mais provável é que esteja crescendo entre
seus amigos e aliados.
A tal da 'Primavera Árabe' foi toda ela orquestrada e apoiada por dinheiro de ONGs e do Dep.of State americano, entre outros. Na Síria, há ajuda de países locais interessados em ajudar os E.Unidos e UK a atingirem seus objetivos - o controle total de toda a região e do mundo árabe. É só isso: petróleo, mercados, geopolítica. Por isso insuflaram uma revolta e morre tanta gente. Claro, a indústria da mídia faz o resto do trabalho sujo, justificando e convencendo-nos que isso é o certo e que está tudo bem.
ResponderExcluirA Primavera Árabe NÃO foi iniciativa dos Depto. de Estado. Foi um movimento gerado no Egito a partir do exemplo da Tunísia, o qual derrubou Ben Ali, ditador local. No Egito a revolta contra o regime de Mubarak, aí sim foi apoiado por algumas ONGs. Tal movimento, Primavera Árabe, já no Egito, foi apropriado pela Fraternidade Muçulmana (uma espécie de "sionismo" ou "nazismo", como queira, só que muçulmano) tendo, inclusive, vencido as últimas eleições com Mohammed Mursi. Todos os movimentos libretários seguintes: Barhein, Iêmen, etc., foram contidos pela aliança dos EUA (via depto. de Estado e Pentágono)com as petromonaquias do Oriente Médio. Em todos esses casos houve envolvimento de ONGs como a AVAAZ, Greenpeace e o HRW, para citar apenas tres, que são totalmente fiéis aos interesses de Washington e financiados por: CIA, NSA, AIPAC e muitos outros organismos oficiais e privados dos EUA.
ExcluirCastor
Em tempo 1: essas ONGs fazem o mesmo no Brasil, principalmente no caso de Belomonte... Os brasileiros que combatem a construção de Belomonte são aquilo que costumamos chamar de "Quinta Coluna".