28/5/2013, Shamus Cooke, Counterpunch
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu
Shamus Cooke |
Para
presidente que está executando a “guerra ao terror” de Bush contra a Al-Qaeda e
“forças associadas” [1], parece
estranho que o presidente Obama tenha escolhido para alvo de “mudança de regime”
o governo secular sírio.
Igualmente
estranho é que o mais forte aliado militar de Obama em solo sírio – a força
combatente mais efetiva contra o governo sírio – seja a Frente Jabhat al-Nusra,
grupo que já se declarou afiliado da al-Qaeda e que luta para converter a Síria
em estado extremista islâmico, sob uma versão fundamentalista da lei da Xaria.
É
difícil saber exatamente como al-Nursa recebeu suas armas, mas não é difícil
supor, com boas chances de acertar. Por exemplo, o New
York Times explicou
(25/3/1013) em detalhe como a CIA está pondo em prática uma massiva operação de
tráfico de armas que já canalizou milhares de toneladas de armas da Arábia
Saudita e Qatar, para a Síria:
O
papel da CIA na facilitação dos embarques [de armas] deu aos EUA um certo grau
de influência sobre o processo [de distribuição das armas] (...) Funcionários
norte-americanos confirmaram que altos funcionários da Casa Branca são
regularmente informados sobre os embarques [das
armas].
Para
onde essa massiva operação de tráfico de armas encaminha as armas? Questão
importante a investigar é: quais os “rebeldes” que recebem armas na Síria e
quais não recebem?
O
The Guardian noticia em
8/5/2013:
Tema
recorrente é a falta de armamento e de outros recursos, no Exército Sírio Livre,
comparada à fartura que se vê na [jihadista] Jabhat al-Nusra (...) ‘Se você se
junta à Frente al-Nusra, sempre há uma arma à sua disposição, mas as brigadas do
Exército Sírio Livre não conseguem nem balas para seus combatentes’ (...) 3 mil
homens do Exército Sírio Livre já se juntaram à Frente al-Nusra nos últimos
poucos meses, sobretudo por causa da falta de armas e munição (...). Os
combatentes da Frente al-Nusra raramente recuam por falta de
munição
(...).
Terroristas da Frente al-Nusra com a bandeira da al-Qaeda hasteada do lado direito |
Embora
seja difícil saber se as armas traficadas pela CIA vão diretamente ou
indiretamente para a Frente al-Nursa, é extremamente provável que as armas
estejam sendo entregues diretamente em mãos de primos ideológicos da al-Nursa,
porque já se sabe que os “rebeldes” sírios estão hoje sob completo controle dos
extremistas islamistas.
Por
exemplo, quando a revista The Economist publicou um perfil dos
mais importantes grupos que lutam na Síria [“Who’s
Who in the Syrian Battlefield” /Quem é quem no campo
de batalha na Síria], constataram, com lástima, que o único grupo não islamista
importante estava nas áreas curdas, que é zona virtualmente autônoma. Quando ao grupo combatente secular apoiado pelos EUA,
chamado “Supremo Comando Militar”, a revista The Economist teve de conceder que
“na prática, tem mínimo controle em campo”. E não esqueçamos que a The Economist trabalha
incansavelmente a favor de intervenção militar, por EUA-OTAN, na Síria!
Também
o New
York Times confirmou que os extremistas controlam completamente todo
o campo “rebelde”:
Em
lugar algum, da parte da Síria controlada pelos rebeldes, vê-se qualquer força
secular cuja presença se deva registrar.
Assim
se vê que essa minoria de combatentes seculares não estão no controle da guerra
civil e não chegarão ao poder, caso Assad seja derrubado. Em vez disso, sem
Assad, os revolucionários sírios honestos cairão imediatamente vítimas de
extremistas, os quais, também imediatamente, tratarão de livrar-se de seus
aliados de antes.
Vê-se
agora claramente que a política externa de Obama para a Síria está incentivando
ativamente o terrorismo. Várias das áreas ainda controladas pelos “rebeldes” na
Síria são hoje paraísos seguros para terroristas, e tem havido centenas de
atentados terroristas contra o governo sírio, muitos dos quais contra áreas
civis.
Enquanto os EUA fazem chover armas
nas áreas controladas por jihadistas, os EUA também fingem não ver as
atrocidades cometidas pelos seus “rebeldes”, que são fartamente documentadas em
Youtube, documentação que inclui uma multidão de crimes de guerra, degola, execução
de grupos de prisioneiros, limpeza étnica e o
recente episódio em que um afamado comandante “rebelde” faz-se filmar quando
mutila o cadáver de um soldado sírio e come-lhe o coração. Vídeo a
seguir:
Ao
minimizar a barbárie, o governo Obama afirma e comprova que continuará, posto
que os extremistas estão sendo fortalecidos pelo apoio dos norte-americanos e
protegidos pela imprensa-empresa nos EUA, contra quaisquer pressões, inclusive
políticas, internacionais.
Uma
pergunta que a imprensa-empresa norte-americana nem pensa em propor é: De onde
vêm esses extremistas islamistas e por que estão na Síria? A oposição sunita
dentro da Síria sempre foi, historicamente, moderada. Deve-se concluir que os
extremistas não são sírios: são estrangeiros.
A fonte ideológica de todo aquele
extremismo são figuras religiosas da Arábia Saudita e aliados, que usam o Islã
como ferramenta política para agredir nações “não amigas” da Arábia Saudita e
dos EUA. O mais claro exemplo disso, no que tenha a ver com a Síria, foi a
Fatwa (uma declaração religiosa oficial, com peso de lei) lançada por 107
doutores islamistas que denunciam o governo sírio e
ordenam que os muçulmanos lutem contra ele. É declaração que estimula a
jihad, embora a palavra não seja explicitamente citada. A declaração
conclui:
É
dever de todos os muçulmanos apoiar os revolucionários na Síria [contra o
governo sírio] (...), para que completem com sucesso sua revolução e alcancem
seus direitos e sua liberdade.
A
hipocrisia dessa declaração é quase patente demais: os muitos sauditas que
assinam o documento e clamam por “liberdade” na Síria, não clamam por qualquer
liberdade na Arábia Saudita, de longe o país do mundo onde há menos liberdades.
Com
a Arábia Saudita e o Qatar a fornecer armas aos “rebeldes” sírios – com a ajuda
da CIA – os religiosos sauditas ligados ao regime saudita dão-lhes apoio
religioso/político, ao mesmo tempo em que desencaminham levas e levas de
muçulmanos devotos a marchar contra a Síria para atacar um país de muçulmanos.
Assim inventam gigantescas divisões sectárias, como já se veem, em todo o mundo
islâmico.
Vijay Prashad |
A
vasta maior parte desses confrontos sectários estão sendo exportados pela Arábia
Saudita, que financia escolas islamistas radicais em todo o Oriente Médio ,
para as quais atraem os miseráveis de todos os países da Região, oferecendo-lhes
alguns serviços sociais básicos inexistentes nos países onde implantam suas
escolas, porque os respectivos governos não podem – ou não querem – oferecê-los.
Há capítulo muito informativo sobre essa dinâmica, no excelente livro de Vijay
Prashad, A People’s History of the Third World/Uma história do povo do
terceiro mundo.
Atualmente,
os países liderados por EUA-OTAN discutem se devem ou não armar com armamento
sofisticado os “rebeldes” extremistas que dominam porções do território sírio. O
governo Obama está pressionando
a União Europeia
para que levante o embargo à venda de armas para a Síria, de modo que nova
catarata de armas possa desabar sobre o país (aparentemente, as operações da CIA
ainda não afogaram completamente a Síria, com suas armas).
Em
resposta à questão de “levantar o embargo”, Oxfam
respondeu com inteligência:
Enviar
armas para a oposição síria não nivelará o teatro de guerra. Em vez disso,
criará hordas de extremistas armados até os dentes, cujas vítimas são os civis
sírios. Nossa experiência de outras zonas de conflito ensina que essa crise só
se aprofundará e se estenderá no tempo, se mais e mais armas chegarem ao
país.
Um
diplomata da União Europeia retrucou com firmeza, ao ouvir a declaração do
governo Obama, de que podia assegurar que as novas armas não cairiam “em
mãos erradas” na
Síria:
Seria
o primeiro conflito em que alguém diz que estaria criando a paz, fornecendo cada
vez mais armas. Se pensam que sabem até onde as armas chegarão, seria a primeira
guerra da história em que alguém saberia antecipadamente. Já aconteceu na
Bósnia, no Afeganistão e no Iraque. Armas não somem. E elas sempre reaparecem
onde haja alguém interessado nelas.
Na
Síria, todos os que se interessam por manter o conflito interessam-se por mais
armas. Outra vez, em primeiro lugar, os extremistas da Frente al-Nursa,
reconhecidos como a força mais efetiva dentre as que combatem contra o governo
sírio: as armas irão diretamente, portanto, para eles.
Obama
já levou a píncaros da mais completa irracionalidade a ideia segundo a qual “o
inimigo do meu inimigo é meu amigo”. Ao fazê-lo ajuda a produzir uma nova
geração de extremistas islamistas que alimentarão para sempre a “guerra ao
terror” inventada pelos EUA. A real intenção da Guerra ao Terror não é conter
terroristas, mas destruir os estados-nação que se opõem à política externa dos
EUA: Iraque e Líbia – como a Síria – eram países sob governos seculares, quando
foram invadidos; o Afeganistão foi invadido, apesar de a vasta maioria dos
envolvidos nos ataques de 11/9 serem da Arábia Saudita. Nunca houve problemas de
terrorismo no Iraque, antes da invasão norte-americana. Tampouco jamais houvera
problemas de terrorismo na Síria, antes de entrarem em cena os “rebeldes”
apoiados pelos EUA.
É
absolutamente óbvio para muitos norte-americanos, que Síria e Irã estão no topo
da lista-de-matar de Obama: muito acima, como prioridade, que qualquer grupo
terrorista. Por isso Obama tolera os terroristas que agem hoje dentro da Síria.
Obama os está usando como ferramenta contra os alvos reais: a Síria e, em
seguida, o Irã.
O
povo sírio tem o direito de decidir, ele mesmo, sobre o próprio futuro. Os EUA
são irremediavelmente incapazes de “ajudar” alguém, usando meios militares. Para
prová-lo, aí estão, dolorosamente, o Afeganistão, o Iraque, a Líbia. O movimento
global antiguerra tem de exigir:
“EUA,
fora da Síria!”
Nota dos
tradutores
[1] Sobre o discurso de Obama em 24/5/2013, ver em: Pink Code a Obama (na lata): “Seus drones aumentam a insegurança nos EUA!”, The
Real News Network, trechos do discurso em vídeo e comentários,
traduzidos.
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