26/5/2013, Tom Peck, The Independent, UK
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu
Entreouvido
na Vila Vudu: Os
neoliberais da privataria do FHC-Cerra-Aécim-Alckmin conseguiram esculhambá até
a Suéééécia! Cróóóózes! [pano rápido].
Comentário do
Zé do mé no quiosque do Furado: O
IMPRESTÁVEL “jornalismo” das empresas-imprensa brasileiras “noticia”, sobre
esses eventos, por ex., o NADA que se lê na Folha de S.Paulo em: “Após
tumultos, Suécia envia reforço policial à
capital”.
Henrik Sedin comemora título mundial de hockey sobre o gelo |
A
partir do instante em que Henrik Sedin controlou o
puck, ainda bem atrás no próprio meio-campo, começou uma noite terrível
em Estocolmo. Faltava pouco para as 22h, domingo passado, quando o time de superstars milionários conseguiu enfiar
o puck no fundo da rede vazia do adversário: 5-1. Pela primeira vez em
sete anos, e em casa, frente à própria torcida, a equipe sueca era campeã
mundial de hóquei sobre o gelo.
O
Ericsson Dome, na parte sul da cidade, foi ao delírio. Nos pubs
irlandeses, nos elegantes quarteirões de Södermalm, rolaram rios de pints
de cerveja Guinness.
Mas
em Husby, subúrbio no norte da cidade, distante do centro, região superpopulosa
onde vivem imigrantes, começava uma conflagração, em tudo diferente do que se
via entre os suecos brancos ricos. Um shopping centre foi vandalizado e
uma garagem incendiada, o que causou a evacuação dos moradores de um bloco de
apartamentos. Quando a polícia chegou, foi recebida a pedradas por mascarados;
dois policiais foram feridos. Num vídeo que chocou o país, um terceiro policial
caído aparece sendo espancado e chutado; os agressores chutaram também a pistola
que se vê no coldre do policial.
Quando
o dia clareou, havia mais de cem carros incendiados; e quando os jogadores
campeões erguiam a taça, em confraternização com o rei Carl Gustaf XVI no
Kungsträdgården, à vista de 20 mil fãs, a Suécia já entrara na primeira manhã
dos piores tumultos urbanos de toda a moderna história do país, que continuam.
Centenas
de carros e dúzias de prédios foram incendiados, e há mais de 100 presos.
Imagens dos policiais feridos e prédios em chamas, na rica, pacífica e
igualitária Suécia, surpreenderam o mundo. Mas, para outros muitos, não foi
surpresa. Há anos os sindicatos, trabalhadores dos serviços sociais, cientistas
políticos, rappers, em confronto com número crescente de extremistas de
direita, já contam o Conto das Duas Estocolmos – duas sociedades que coexistem
numa mesma cidade dividida e não integrada. Mas nunca se vira oposição e
contraste tão declarados quanto naquela primeira noite de fogo nas periferias,
que sitiaram a festa do hóquei-sobre-o-gelo do centro.
Suécia avalia os prejuízos de mais uma noite de motins |
Para
quem esteve em Londres há dois anos, os tumultos em Estocolmo são
assustadoramente familiares. Há duas semanas, começaram a circular notícias da
morte de um imigrante português, 68 anos, atacado pela polícia dentro do
apartamento onde morava em Husby, depois levado ao hospital, onde morreu. Ele
teria sequestrado uma mulher, refém no apartamento, e teria recebidos os
policiais com um cutelo de açougueiro na mão.
Mas
Megafonen, grupo que milita por mudanças sociais nos subúrbios de Estocolmo
publicou fotos de um saco do tipo que a Polícia usa para remoção de cadáveres
sendo retirado do mesmo apartamento, num carro que parte em seguida. Não uma
ambulância: um carro. Mais tarde se soube que a dita “refém” era, de fato, o
cadáver da mulher do imigrante português, de 30 anos. Segundo seu cunhado, o
homem tinha na mão uma faca de cozinha, não um cutelo de açougueiro; e que
tentava defender-se contra uma gangue de mascarados que dias antes perseguira
ele e sua mulher. Quando a Polícia bateu à porta do apartamento, a mulher
contara ao cunhado, o marido supôs que fossem os mascarados da gangue que os
seguia; gritou para assustá-los, talvez um pouco assustadoramente demais; e foi
morto a tiros pela Polícia.
Ativistas
de esquerda, alvo preferencial, hoje, da Polícia sueca, que os acusa de insuflar
os tumultos de rua, dizem que quando essa versão dos eventos chegou aos
subúrbios, ajudou a incendiar quatro anos de ressentimento contra a brutalidade
policial – queixa já antiga e muito repetida nos subúrbios, onde já praticamente
não se veem suecos brancos – e contra o desemprego alto e crescente, a sempre
crescente desigualdade, a falta de oportunidades para todos.
Mas,
dessa vez, os tumultos espalharam-se pela cidade, também para os subúrbios a
oeste e ao sul de Estocolmo e para outras cidades – Malmö, Gothenburg, Örebro –
onde escolas, restaurantes e delegacias de Polícia foram incendiadas. É difícil
determinar as motivações originais. Mas, o que quer que fosse, na origem, o
movimento já está hoje invadido por gangues de rua, pequenos delinquentes, ou
grupos de mascarados que, simplesmente, tomaram conta dos bairros mais
pobres. Parece que há algo de podre no estado sueco.
A
escala dos tumultos não se compara ao que se viu em Paris em 2005 ou em Londres
há dois anos, onde aconteceram em áreas distantes do centro das capitais. Na
Suécia não houve mortos e houve baixo número de feridos. O pequeno subúrbio de
Husby é local agradável de viver, construído para suecos ricos – que já não
vivem ali. Nem de longe se parece com o conjunto habitacional Broadwater Farm, de Tottenham, marco
zero dos tumultos em Londres.
Hoje,
80% dos que vivem em
Husby, Estocolmo , são imigrantes, a maior parte dos quais ali
chegaram como refugiados, escapados dos mais diferentes cantos do mundo
em guerra –
Iraque , Irã, Afeganistão, Somália, Curdistão e, mais
recentemente, da Síria – atraídos pela propagada hospitalidade com que os suecos
recebem refugiados. Mas o desemprego entre os jovens é alto, pelo menos para os
padrões suecos: 6%.
“Estão dizendo que é por causa daquele homem
que foi morto” – disse Sadiya, 13 anos, somaliana, que faz um curso de arte
e artesanato no centro de Husby. “Acho
que querem chamar a atenção da Polícia. O pessoal que está fazendo essas coisas
é pouco mais velho que eu. Por que se preocupariam com o desemprego? São
crianças”.
Na
parte externa do centro onde são dados os cursos, durante o dia, mesmo no auge
dos tumultos, a vida prosseguiu praticamente normal. As floristas continuaram a
vender suas flores, fileiras de pequenos vasos plantados, alinhados na parte
externa da loja. Os prédios de apartamentos, todos de média altura, têm jardins
externos, bem cuidados. Mas todos os vidros da estação do metrô estão quebrados.
As paredes que protegiam um telefone público foram destruídas. Restou o
telefone, preso a um poste, no centro do que parece ser uma piscina de vidros
quebrados. Na rua, um ônibus articulado foi explodido e incendiado. Há
fragmentos de metal e vidro por todos os lados. Os carros incendiados já foram
diligentemente removidos pelas autoridades, mas a coisa aqui parece grande
demais. Uma colega de Sadiya, Sagal, diz que ninguém ali consegue dormir já há
três noites.
Todas
as crianças que assistem às aulas, cerca de 25, nasceram na Suécia, mas só uma é
filha de pais suecos. Todas as demais são filhas de pais africanos do leste ou
do meio-leste da África.
“É difícil para nós” – diz Ann-Sofie
Ericson, diretora da Escola de Artes da Cidade de Estocolmo que supervisiona a
área. – “19% de nossas crianças abandonam
a escola a cada ano. Vivo a 15 minutos de carro daqui. Meus vizinhos são
iraquianos. Quando as pessoas chegam, vêm para bairros como Husby. Alguns
arranjarão emprego, educação, depois se mudam. Alguns não conseguem sair”.
Quase
não há pobreza absoluta, mas não é a pobreza absoluta que alimenta os tumultos e
levantes urbanos. A sociedade sueca, afamada por ser igualitária, com oferta
excepcional de bem-estar para todos, foi construída por 40 anos de governo da
democracia social, dos anos 1930s aos anos 1970s. Mas um crash econômico
no início dos anos 1990s, e o governo de centro-direita que está no poder desde
2006 impuseram inúmeras restrições ao estado de bem-estar, apesar das condições
econômicas relativamente benignas.
Estudo
recente da OCDE
(Organização
para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico) revelou
que a Suécia tem o mais rápido crescimento da desigualdade dos 34 países do
grupo – e surpreendeu muita gente. Por isso, foi muitíssimo citado ao longo da
semana que passou.
Como
vários lembraram, os tumultos urbanos em Londres brotaram ao final de 30 anos de
economia neoliberal de linha thatcherista e da “Terceira Via” – com furiosa
desregulamentação das finanças justificada pela ideia de que pouco importava
aumentar a desigualdade social, se as condições dos mais ricos continuassem a
melhorar.
O
que se vê na Suécia é que a desigualdade crescente está gerando indignação e
fúria também crescentes.
Em
Husby, quando cai a noite – que em maio dura pouco mais de quatro horas – grupos de jovens reúnem-se no centro, todos usando calças e camisetas largas.
“Acho que tenho até sorte, por estar na
Europa” – diz Baraar Mohamed, filho de somalianos, 15 anos, cujos pais
garantem que não jogou pedras, nem incendiou coisa alguma. – “Comparado ao pessoal na Somália, talvez seja
sorte. Mas não fiz nada, nem ando com eles, e vivo aqui, e tenho de conviver com
a brutalidade da Polícia, e não tenho a mesma sorte que outros suecos da minha
idade. Eu sou sueco. Sou sueco”.
Ken
Ring, rapper sueco de origem queniana, que cresceu e ainda vive no
subúrbio de Valingby, onde grupos de jovens apedrejaram vagões do metrô e
incendiaram carros na 5ª-feira à noite, concorda.
“Nunca estive em lugar algum, do mundo, onde
as pessoas saibam o que é a realidade de viver na Suécia” – diz ele. “Quando veem fotos dos nossos subúrbios,
dizem ‘não, não é Estocolmo. Deve ser Londres, Marselha. Estocolmo é hoje uma
loucura...”.
Hoje
com 34 anos, Ring foi nome bastante conhecido nos anos 90s, quando foi preso
depois de gravar um rap em que falava de invadir o Castelo Real e
estuprar a princesa Madeleine, 3ª na linha de sucessão ao trono, e que se
casaria em duas
semanas. Por causa do casamento, havia mobilização policial
extra. Mas, depois, se reabilitou. “Onde
moro vejo crianças de 14, 15 anos usando heroína. Tenho um filho de 12. Há dois
anos, outra criança apontou uma arma para a cabeça do meu filho e disse “olhe
só, você, assim, fica mais fraco que eu”. É a Suécia hoje. E não era para ser
assim”.
Suécia em fogo |
Não
era. O herói do dia, surgido dos tumultos de rua, é um bombeiro, Mattias Lassen,
atingido por pedradas quando tentava apagar o fogo em casas próximas de Husby, e
que, depois, publicou uma carta aberta aos que o apedrejaram, pelo Facebook.
“Podem me chamar, se seu pai bater o carro e
precisar de ajuda. Posso ajudar sua irmã, se a cozinha dela pegar fogo. E nado
na água gelada, para salvar seu irmão pequeno, se ele cair do bote” –
escreveu ele. – Também posso ajudar sua
avó, se ela tiver um infarto. E posso até ajudar VOCÊ, se acontecer de você
pisar em gelo fino no lago, num ensolarado dia de março”.
A
maré de insatisfação cresce dos dois lados. Nas eleições gerais de 2010, o
Partido Sueco Democrático – que faz campanha contra os imigrantes, regularmente
descrito como partido de extrema direita, ultrapassou pela primeira vez a
cláusula de barreira dos 4% de votos. Elegeu 20 deputados, para o Parlamento, de
349 cadeiras.
Na
6ª-feira à noite, com número extra de policiais nas ruas de Estocolmo, onde as
coisas estavam comparativamente mais calmas, graves tumultos irromperam em
Örebro, a quase 200
quilômetros a leste da capital; e em Tumba, no sul do
país. Pela primeira vez, grupos de “vigilantes” de extrema direita tomaram as
ruas, depois de postarem fotos de membros do grupo, com rostos mascarados. Em
Tumba, a Polícia prendeu 18 deles. A Polícia também está à caça de “uma pequena claque de agitadores
profissionais de esquerda”, acusados de estarem viajando de cidade em
cidade, usando carros particulares, disseminando táticas que conhecem bem, como
destruir calçadas para soltar as pedras, e provocando agitação por onde passam.
Suécia em fogo |
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